A débil menção à música por parte da revista «PORTUGAL FUTURISTA», e até a proclamada inexistência de “músicos futuristas”, estariam conclusivamente numa notícia com alguma “blague”, através de um incógnito “Comité”, e que constitui a última informação da publicação cuja depositária foi (a par de outra em Lisboa), a “Havaneza Tavares Bello & Filhos – FARO”. Esta marcante referência, faz crer que muito naturalmente o Manifesto-revista tenha sido impresso (e em parte) por Faro, e na mesma tipografia (“Democrática”) onde era tipografado o jornal semanal «O HERALDO». Outra notícia, do biógrafo de Carlos Porfírio (Emmanuel Correia), e acerca dos “muitos exemplares da revista…”, é decisiva e terá de ser esclarecida pois afirmaria que: “… foram recolhidos em Faro, não apenas no depositário oficial como na residência do director.” Naturalmente, a importante Revista fora distribuída pelo Algarve mas também pelo Brasil e colónias, seguindo parcialmente muitos dos 10.000 exemplares previstos, tal como eram enviados os do jornal «O HERALDO» e, como teriam seguido também muito antes os da revista “Orpheu” em 1915, e como ainda investigamos. O “falso” e pantomineiro anúncio acerca da “Música Futurista”, apenas se deveria à não divulgação, e até essa época (ano de 1917), da excelente “sinfonia poética” futurista: «VATHEK». Criada precocemente em 1913 pelo sublime Luís de Freitas Branco (o maior compositor português do século XX), este músico só a difundiria muito mais tarde nos anos 20. Magistral Ode-bailado e musical poético-operático, “Vathek” (nome de um príncipe árabe), introduz um novo conceito sincrético religioso acerca do Islão, talvez por influência de Maurice Ravel, e a par de outro tema-chave do futurismo português: o «ORIENTE». Outro músico francês, Claude Debussi, impressionista, soubemos que foi mestre de Freitas Branco em Paris, e o português, por sua vez, teve como sua aluna a pianista louletana Maria Campina.

A temática pessoana sobre os “Orientes”, é o título bem sugestivo do último poema publicado com o epónimo “Nesso” (Carlos Porfírio), inserido na coluna “Futurismo” de «O HERALDO» (Nº379), e que Nuno Júdice recolheu laboratorialmente num pequeno livro, junto a outras tantas poesias de algarvios futuristas.

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« …
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.
( … )
Nasci numa província portuguesa
( … )
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.
»
(A. de Campos, «OPIÁRIO», 1914, pub. in «Orpheu» “Nº1”)

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Em «O HERALDO», também são editados “Dispersão” (Nº369) e “Além e Bailado” (Nº377) e têm a assinatura de Mário de Sá-Carneiro futurista, a partir de Paris. São ainda publicados, “Litoral” (Nº386) de José de Almada-Negreiros e dedicado a Souza-Cardoso Pintor, e ainda um poema inédito de Álvaro de Campos: “A CASA BRANCA NAU PRETA” (Nº388). Mas, esta última e conhecida poesia, foi muito curiosamente assinada pelo “antropónimo”(7) Fernando Pessoa.

Santa-Rita Pintor, por sua vez, consegue reproduzir quatro quadros(8) na revista-manifesto «PORTUGAL FUTURISTA», e do muito profuso período artístico compreendido entre 1912 e 1915, tendo “sobrevivido” até hoje apenas uma dessas mesmas pinturas a óleo. Essas originais representações plásticas mundiais foram destruídas por vontade do autor, e logo após a sua morte ocorrida em 1918, “apagando-se” também nesse mesmo ano Amadeo de Souza-Cardoso e, ambos vítimas da tuberculose. Outro representativo quadro a óleo e obra-prima de Santa-Rita, com o título “Cabeça-Violinista” (1910-1912), constitui o protótipo supremo do Futurismo português, reúne a dualidade objecto-corpo tão querida do malaguenho, e “Outro” grande fundador do “Movimento”, Pablo Ruiz Picasso. E esse tema é referência musical, movimento-dança quase maquinal (ver imagem). O “violino” é também “cabeça” numa antevisão electrizante da moderna “guitarra eléctrica”. E a par de outra representação icónica literária cubo-futurista (“Orpheu”), homenageando dessa forma o poeta e irmão do pintor português: Augusto de Santa-Rita. Constitui outra máxima visual mitológica em Portugal, este «Orpheu» é irmanação pictórico-literária-musical e da mais “original” pintura representativa do rítmico movimento e do “Movimento Futurista”.

Achada a magnífica “plêiade” de «7» ecléticas “estrelas”, e já atrás mencionadas nesta dissertação, aliando sobretudo pintura e literatura de forma “geminada” _ a música, o teatro e a dança estão-lhes implícitas em condição irmanada e eclética futurista _ são todas dignas representações mundiais e do “Movimento” e do ecletismo internacional. (Claro está que a “7ª arte” é outra produção desta época). «6» destas personalidades, estiveram na cidade “Luz” (Paris). Só Fernando Pessoa nunca abandonou a “Patriarcal”, o célebre café “Martinho da Arcada” no Terreiro do Paço, senão para vir ao Algarve ao “Aliança”.

Faro, “Tavira”, Manhufe, Vila do Conde, Viseu, Porto, “Coimbra”, finalmente a metrópole Lisboa e, todas de «PORTUGAL FUTURISTA», não poderiam ter melhores representantes civilizacionais e provinciais através da pintura mas, dentro da cena literária internacional, incluindo o “barroquismo pictórico” e “único” de Mário de Sá-Carneiro por Paris e, com «1» Fernando Pessoa em Lisboa, constituído que fora o último, verdadeiro “chefe de fila” do “Movimento Futurista” mas, pacifista.

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«
O Arco de Triunfo da minha Imaginação
Assenta de um lado sobre Deus e do outro
»
(A. de Campos, «Arco de Triunfo»,1914-1917)

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«
Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela

E oculta mão colora alguém em mim.

Pus a alma no nexo de perdê-la

E o meu princípio floresceu em Fim.

»
(F. Pessoa, «Passos da Cruz», 1914-1916)

Vitor Cantinho

Nota de rodapé: As passagens em "itálico", e a cores, são expressões, termos poéticos ou excertos de poesias de Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, e ainda citações de outras personalidades identificáveis.

(7) Nome da própria pessoa. E apelido de "Pessoa".
(8) Com os títulos futuristas: "ORFEU nos infernos", "Perspectiva dinâmica de um quarto de acordar", "Cabeça=Linha-Força. Complementarismo orgânico" e "Abstracção congénita intuitiva (Matéria-Força)".