Para alguns dos pintores do Algarve, e em especial com Carlos Filipe Porfírio à frente, depois de uma estadia em Paris e até 1914, depois, por Lisboa até 1916, são iniciadas novas visões de “Movimento-Beleza”, e resultantes das evoluções estilísticas e das novas impressões ópticas e sensoriais, em pleno século XX. Foi nesta altura que Carlos Porfírio conheceu Fernando Pessoa. Entretanto, o pintor regressa depois a Faro em finais de 1916, para iniciar o seu trabalho gráfico e literário na coluna “Gente Nova” in “O HERALDO”.

Instalado o primeiro “raio-X” na capital do Algarve, numa “pharmácia” da então cosmopolita cidade portuária, as pessoas aderem à experimentação de radiografar a própria “mão”, para visualizar e, pela primeira vez, o espectro esquelético do seu “interior” a “3-D”. O reflexo dessas experiências, num jogo de transparências e, sobretudo, nesta fase pictórica inovadora, faz “brotar” um efeito artístico enevoado. Mas que é também “berrante”, rítmico, e até “sonoro”, impresso sensorialmente através do jogo e recreio fantasmagórico entre “Luz” e “Sombra”. Em paralelismo “expressionista” através de cores contraste, numa acentuada técnica de pintura que é instintivamente impressa, também, na nova poesia ou em prosa poética futuristas. O quadro e obra-prima cubo-futurista de Santa-Rita (“Cabeça-violino”), e já atrás publicado nesta tese, é bem o paradigma futuro-expressionista do efeito “movimento-música”.

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« CHUVA OBLÍQUA »
II
«Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,/
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça…//

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,/
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro…/
… »
(Fernando Pessoa, 1914, pub. in «ORPHEU» “Nº2”, 1915)

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O impressionante poema “CHUVA OBLÍQUA” do ortónimo Fernando Pessoa, mas que poderia ser de Álvaro de Campos, e da mesma época (1914), publicado por “Orpheu” em julho de 1915, é a expressão máxima dessas mesmas “transparências” cubo-futuro-expressionistas aliadas a sonoridades muito especiais. E é bem paradigmático desse jogo visual luminoso, sonoro, cinético, onírico, através dos efeitos luminosos das velas junto com a sonora chuva nas vidraças de uma “Catedral” (“II”). Mas que, depois, é até musical através de imaginadas “pandeiretas…”, no “brilho fixo da luz…” (“IV”). Misturando-se “som-luz” com “dia-noite” e através do jogo “exterior-interior”, ainda antes e inesperadamente, “com o som das rodas de automóvel…” “…que passa/ Através dos fiéis que se ajoelham…” (“II”) de modo “interseccionista” (futurista). Tocando no final do poema o “surrealismo”; o “automóvel”, surgido de forma intempestiva e junto com outras múltiplas alegorias, por meio das muitas e diversificadas “movimento-musicas” e até de “rotações confusas” (“VI”), “sonhadas”, por fim misturam-se, através de extemporâneas imagens: de um “…cavalo azul com um jockey amarelo…” e até, através de “…um cão verde”(“VI”). Tudo Futurismo.

Na dobra e na “esquina” temporal entre os séculos XIX-XX, o nível artístico transforma-se, e o estilo “romântico” e o “impressionismo” dão lugar ao “ansioso” e “vertiginoso” “estado de alma” modernista, “futurista”, cuja ignição fora precisamente o eclético “Futurismo” pessoano. A renovada “imagem” e, o ícone de uma “Alma Nova”, a repetida “Minha Alma”, e foco poético e bíblico constante, torna-se mais enfático mas, sobretudo egocêntrico e, até onanista com Sá-Carneiro. Álvaro de Campos de Tavira, contudo, viria a ser o representante máximo da “Arte Futura”, e o mais paradigmático dos heterónimos de Fernando Pessoa. A sensação do «Êxtase»(13) clarividente e, sobretudo o seu principal mote; a tal «Ânsia» que é quase “incandescente”, é expresso por meio da técnica pictórica intimamente ligada ao “Fauvismo”(14) e ao “Cubismo” mas, reverberado com o “Movimento Futurista” em Portugal e de forma epistolar: entre Fernando Pessoa em Lisboa e com de Mário de Sá-Carneiro por Paris até 1916.

O paradigma máximo de “Outro” “cavaleiro de Luar”, futurista de “gema” mas, também “incandescente” e até “febril”, o Pintor-poeta Carlos Filipe Porfírio (“Nessos”…) o tal “centauro-pintor”, por fim estabelece também outro paralelo mitológico através do “Vivino” e, com Fernando Pessoa. E estreia o “Futurismo” algarvio através de múltiplos “pseudo-heterónimos”, e por meio de muita poesia inserta nas colunas da rubrica “Gente Nova-Futurismo” de «O HERALDO» em Faro (jornal que é também lido por Pessoa), de que foi principal criador desde 1916. Mas, sempre numa íntima relação anterior com Mário de Sá-Carneiro, e desde Paris, e talvez até 1914.

Seria ele (Carlos Filipe Porfírio) também a “Miss Edith” de Lisboa? ou ainda antes o “Horácio” de Faro, muito para além de João Rosado e “O`Racio” de “Algures”? Mas, por fim, confirmado seria só como centauro-pintor: “Nessos” ou “Nesso”. Ainda, talvez o Belmino! e, também a minimalista “Estér”? “A. de Queiroz” possivelmente mas, também do Porto junto ao “Vivino!!!” e, em parte seriam todos mencionados através da própria poesia de “outra” feminil “Neblina”, elogiosamente, e “todos” e “todas” em «Saudações aos Futuristas». O autor e principal gerador da coluna “Gente Nova-Futurismo” tivera de se desdobrar em múltiplas personalidades teatrais, figuras imaginárias, facetarias, ilusórias, mas que apenas se confirmaria numa única e só uma mitológica (“Nesso”). No entanto, o “actor” teatral portuense; “Vivino” (“Palmadinhas nos carecas”), seria o figurino poético mais completo, e desenvolvendo até um estilo de poesia variado. A teatralidade constitui outra condição futurista primordial, e forma artística que Carlos Porfírio amaria, sobretudo nessa fase criativa do pintor.

A presença revolucionária de Carlos Filipe Porfírio, outrossim como pintor, e na “Grande Exposição” de pintura Futurista que ocorreu entretanto no Teatro “Lethes”, e também no ano de 1917 (maio) é histórica _ esta organização seria presidida por Ana Bívar Cúmano, outra grande mecenas de Faro _ e este certame é proclamado, e por diversas vezes, nas primeiras páginas do órgão literário de Lyster Franco. Pela primeira vez, no Algarve, junto com o celebrizado Jorge Barradas e, ainda “outros” pintores mais, é atestado na “casa” e “salão” principal do “Lethes”, o Futurismo pictórico português. (Completa-se assim o quadro de exposições realizadas antes no Porto, e junto com Lisboa em 1916, e pelo “único” Amadeo de Souza-Cardoso). E reunindo em Faro, múltiplos quadros temáticos afins do muito criativo Carlos Porfírio: «Mademoiselle X», «Sexta-feira da Paixão», «Cabeça de estudo futurista», «Dama de amarelo», «Noite», «Raio de Ouro», etc., etc.. São cerca de 24 quadros a pastel e aguarela do pintor farense, e julgo que todos “religiosamente” de “Arte Futura”. Estariam também representados os de Raul Carneiro Futurista; “Mirly”, “Zarna” e “Rodrigue”, e estes quadros, investigámos, foram adquiridos na altura pelo próprio Carlos Porfírio.

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« Saudação aos Futuristas »

Minha Alma em sol Posto ajoelhada,
Azula-se de esperanças de Luar,
E pressente a Nova Aurora suspirada!

Vasto rumor de Sonhos coloridos,
Rendas, desmaios, ânsias de pensar!
Vidrilhos translúcidos, esmaecidos …

Espasmos enervantes de Delírio!
Pirilamos-flores, almas a esgarçar!
Astros-Saudade, que desfolham Lírios …

Miss Edith, Horácio, Nesso, Belmino!
Estér, Fontanes, A. de Queiroz, Vivino
!!!
Inspirados cavaleiros de Luar,
Aceitai as flores do meu cantar! …
(“Neblina”, (C. Porfírio”?), pub. «O HERALDO» Nº372, 1917)

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Nota de rodapé: As passagens em “itálico”, e a cores, são expressões, termos poéticos ou excertos de poesias de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, e ainda citações de outras personalidades identificáveis.

(13) Obra de Fernando Pessoa de 1914.
(14) Estilo de pintura e técnica expressionistas aglutinados à utilização de cores berrantes e intensas, desde finais do século XIX.