A economista e ex-secretária geral da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNPJ) e atual membro da mesma entidade, que falava nas XI Jornadas de Ação Sóciocaritativa promovidas, uma vez mais, pela Caritas Diocesana do Algarve, este ano sob o tema “O agir cristão em tempo de crise”, defendeu uma alteração que vise a reformulação do modelo de produção e distribuição da riqueza e rendimentos e que passe a estar ao serviço da economia real, através da consecução dos verdadeiros objetivos a que esta se destina: a justiça, a solidariedade e o bem-comum.
Na sua palestra, aquela responsável apresentou aos 109 participantes do encontro as ideias gerais do documento da CNPJ, de Outubro do ano passado, intitulado “Vencer a crise e construir Portugal na justiça e na solidariedade”.
Maria Eduarda Ribeiro frisou que a crise atual, que “está longe de ser resolvida”, “tenderá a agravar as desigualdades e os níveis de bem-estar da população portuguesa”. “Esta situação torna dificilmente sustentável o modelo de desenvolvimento atual que tem vido a acentuar a fragmentação social e tem colocado, muitas vezes, os cidadãos uns contra os outros”, afirmou, considerando estar a “verificar-se o aumento das desigualdades e da pobreza”.
Considerando também que estas “fragilidades” “desvalorizam a dádiva social e tolhem a inovação social”, a conferencista constatou existir uma “situação de desvalorização do trabalho”, evidenciada pela “precariedade no emprego” e pelo “crescimento do desemprego”. “O trabalho tem vindo a perder peso no PIB a favor dos rendimentos do capital”, lamentou, acrescentando que “a desvalorização do trabalho ganhou uma outra gravidade com a crise económica mas, antes de crise, teve a ver com o fenómeno da globalização desregulada”.
Aquela responsável considerou ainda que o recente Acordo de Concertação Social veio acentuar esta desvalorização na medida em que “aumentou a insegurança no emprego”. “A proteção, relativamente aos contratos individuais por tempo indeterminado, era bastante elevada em Portugal, mas o mesmo não acontecia relativamente aos despedimentos coletivos e à proteção do emprego temporário”, referiu, admitindo que alguns direitos possam ser “adaptados” face a uma “situação especial” mas rejeitando uma imposição unilateral da entidade patronal. No entanto, destacou que “há direitos fundamentais, relativos à dignidade da pessoa humana e do trabalho, que não devem ser mexidos”.
A conferencista aludiu a uma “visão estratégica e alianças entre países”, sobretudo os mais atingidos pela crise, com vista a uma “globalização mais justa”, conquistada através de um “salário mínimo compatível com o nível de desenvolvimento” de cada país e de “direitos de trabalho mínimos em todos os países” contra a deslocalização de indústrias para “onde a mão-de-obra é mais barata”.
Com vista a uma “economia social que não busca o lucro mas o serviço da comunidade e que procura satisfazer necessidades de caráter social” e o “desenvolvimento local”, Maria Eduarda Ribeiro apelou a “políticas ativas de emprego” e à “otimização das condições” de recurso ao crédito e ao microcrédito, à implementação de um “comércio justo”, eliminando “circuitos intermédios” que sobrecarregam o preço do produto, à “responsabilidade social das empresas” e ao “compromisso dos cristãos com a política”, lamentando que o “poder político” comece a estar “muito dominado pelo poder económico”.
Apoio às famílias para reconstrução do laço social
Constatando que as famílias estão hoje sujeitas a “grande solidão e vulnerabilidades” e que “há que repensar modelos e estruturas” familiares, aquela responsável lamentou a “falta de adequação por parte das políticas públicas a estes novos tempos”. “Não se está a fazer nada para a conciliação entre a vida familiar e a vida profissional”, criticou, acrescentando que as “políticas para apoio à família” são, muitas vezes, “confusas e até contraditórias”.
Maria Eduarda Ribeiro defendeu uma maior “humanização doutrinária”, “parcerias entre família e instituições, não só ao nível da educação mas da saúde” e uma “responsabilização da família” mas que esta seja “ajudada para a realização das suas tarefas” com maior “flexibilização” e “adequação” às suas “verdadeiras necessidades”.
A terminar, a conferencista exortou à “reconstrução do laço social” das comunidades, “através do reforço das relações entre gerações”, que considerou ameaçado por “vários fenómenos” como o “envelhecimento da população”, a “cultura individualista e consumista”. Destacou a importância da “função educativa”, dos “meios de comunicação social” e apelou à necessidade de “reconversão das práticas assistencialistas”, de modo a não criar dependências e a dar “empoderamento” às pessoas.
Samuel Mendonça