Nuno Júdice acrescentou que a literatura “dá um dos grandes contributos para definir a dimensão espiritual do Algarve”.
Por sua vez, o padre António Martins, lembrando que “a cultura é o espaço dramático em que lutamos para dizer quem somos”, sublinhou que a mesma se define sobretudo como um espaço ou caminho plural e subjetivo de “paixão comum” pelo humano. Concretamente sobre a identidade, o teólogo da Diocese do Algarve considerou ser uma “invenção pessoal e coletiva de um grupo” para “pacificação da dimensão interior” que gera simultaneamente “unificação e fratura”. “A fidelidade à verdade é a fidelidade à condição humana”, afirmou.
O orador classificou ainda a cultura como “hermenêutica do corpo onde interage a finitude da biologia, os condicionalismos do tempo, mas também a capacidade de nos inventarmos”. Lembrando que o “paradigma da interpretação da nossa identidade” implica as dimensões da “paternidade”, “filialidade” e “fraternidade”, o padre António Martins considerou sermos “filhos de uma identidade cultural e tradição familiar”, mas também “chamados a ser pais de uma vida projetada para o futuro”. “Precisamos de equilibrar o que recebemos com o que inventamos”, advertiu, considerando existirem “nichos de marginalidade e contracorrente” que “têm o seu lugar”.
António Rosa Mendes, docente, historiador e responsável, em 2005, por “Faro, Capital Nacional da Cultura”, começou por destacar Nuno Júdice também como figura marcante da cultura algarvia e propôs um novo binómio para reflexão no contexto cultural: liberdade e responsabilidade.
O orador considerou a “dignidade da pessoa humana” como a “evolução radical” que o Cristianismo trouxe à cultura, lembrando que esta é o que “carateriza o ser humano enquanto homem livre”. “O Cristianismo é também uma cultura porque um cristão tem de justificar os seus atos”, afirmou.
Rosa Mendes juntou ainda D. Francisco Gomes do Avelar ao rol de personalidades que contribuíram “decisivamente para a identidade algarvia”, considerando que “a diocese algarvia vertebrou o Algarve”. “Faro deve a sua capitalidade a ter recebido a sede da diocese”, justificou.
O orador, advertindo que o Algarve tem uma “identidade ameaçada” porque o seu nível cultural foi sempre “muito baixo”, lembrou que “só sabendo quem somos, poderemos construir o futuro”.
A mesma opinião manifestou Guilherme de Oliveira Martins no II painel do fórum. Não obstante um imprevisto de última hora que o impediu de estar presente, o presidente do Centro Nacional de Cultura não quis deixar participar e, através de uma mensagem gravada, insurgiu-se contra uma sociedade “amnésica” que “precisa saber lidar com a memória” para “saber de onde vem e para onde vai”. “Memória exige equilíbrio entre recordação, evitando o ressentimento”, referiu.
Em relação com memória, Oliveira Martins enumerou ainda os conceitos de “património” e “herança”. “Património material e imaterial” e herança como “algo que corresponde à tradição, transmissão”, complementou, lembrando que “uma geração transmite à outra o que de mais importante tem”.
O orador defendeu a necessidade de “cultivar uma identidade aberta” em “diálogo, relação, abertura, e respeito mútuo” e de “usar a cultura contra a crise”. “Só uma sociedade que assume a cultura como criação, pode encontrar os meios para superar a crise em que se encontra”, afirmou, apontando a “capacidade criadora” contra a “especulação do imediatismo”, considerando que ser preciso “contrapor o cuidar a largo prazo”. “A cultura criadora, a capacidade de inovar e de transformar, pondo as pessoas no centro, é caminho para superarmos a crise”, complementou, apontando à “reciprocidade” porque “a cultura empobrece-se se não recebe”. “O outro é a outra metade de mim mesmo. Somos responsáveis uns perante os outros”, finalizou.
Pedro Ferré, docente de literatura, quis “falar desta inutilidade que é a cultura”, para considerar que a mesma “não passa de algo que, por pudor, não se omite”, pese embora seja “tão necessária quanto outras coisas consideradas úteis”.
O orador retomou a “tensão entre presente e tradição”, denunciada por Bento XVI em Portugal e já antes apontada pelo padre Carlos de Aquino, considerando que a mesma se exprime na “crise da verdade” e concordou com Oliveira Martins quando aludiu à necessidade de recentrar o homem na sociedade. “Esquecemo-nos do grande passo dado pelo Humanismo e o homem foi posto à margem”, lamentou, sublinhando a urgência de “conhecermo-nos a nós próprios, conhecendo o homem”.
Por fim, pediu à Igreja que recupere a sua “sólida tradição de cultura”. “A Igreja também se está a esquecer do papel grandioso que ainda tem na tradição da cultura”, disse.
Elisabete Rodrigues, jornalista, reforçou a ideia de que o Algarve é “feito de interculturalidade”, criada pelos não algarvios que cá vivem e pelos turistas que nos visitam, sejam portugueses ou estrangeiros. “Temos uma identidade, que não é estática, composta de muitas facetas e isso faz com que sejamos algo que se distingue no resto do país”, constatou, lembrando que há “caraterísticas muito próprias” que “nos definem e que são muito importantes”.