Foto © Samuel Mendonça

“Tem sentido seres racionais acreditarem em coisas que não se veem?” era a pergunta a que a conferência (áudio disponível abaixo), que teve lugar no passado dia 20 deste mês no auditório Teresa Gamito, no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, procurou dar resposta.

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Perante uma plateia de cerca de cem pessoas, maioritariamente constituída por alunos e professores daquela academia, o padre Nuno Tovar de Lemos – sacerdote jesuíta que trabalhou durante 20 anos no meio universitário, sobretudo em Coimbra, mas também em Lisboa e no Porto –, considerou ser “impossível viver sem acreditar em coisas que não se veem”. “Toda a área das relações humanas é baseada em coisas que não se veem, na confiança de uns com os outros”, evidenciou o orador naquela iniciativa promovida pela Capelania da Universidade do Algarve.

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Neste sentido, o conferencista frisou que até “seria impossível existir ciência sem fé” porque “a investigação científica, toda ela se baseia num ato de fé nos conhecimentos transmitidos pelas gerações anteriores”. “Acolhemos e aceitamos os conhecimentos que nos foram transmitidos por um ato de fé na comunidade científica e partimos daí”, sustentou.

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O sacerdote considerou assim que a negação à partida de algo que não se conhece pode ser “uma atitude muito pouco científica”. “Embora não para aceitar qualquer coisa, a primeira deve ser a atitude da liberdade e da abertura de espírito porque o contrário disso é o preconceito. O ponto de partida não pode ser o preconceito”, advertiu.

“A maior parte das coisas na vida são coisas que não são empíricas (que eu não posso medir, contabilizar) – a que pertence esta área das coisas que não se veem – e acreditamos piamente nessas coisas”, prosseguiu o conferencista, reforçando que “a vida é baseada em grande parte em coisas que não se veem”. “A nossa relação com as coisas que não se veem chama-se fé”, acrescentou, explicando que “a fé não é ausência de racionalidade” e que “o acreditar não é não ser racional”. “É uma outra forma de racionalidade”, complementou.

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O sacerdote considerou assim que se a fé fosse contra a razão, nunca se poderia acreditar em Deus. “A razão não garante tudo, mas estabelece uns paramentos mínimos sem os quais não podemos andar para a frente”, afirmou, considerando que “a fé está para além da razão, mas pressupõe a razão”.

Neste sentido, o padre Nuno Tovar de Lemos afirmou que “a racionalidade da fé não se baseia em provas”, mas em “sinais de credibilidade”. “As coisas mais importantes da vida não se provam. Se se provassem deixava de ter piada”, acrescentou. Considerou, por isso, que “pode ter tanto sentido, à partida, acreditar nas coisas que não se veem, como nas coisas que se veem” e que importa, num segundo momento, “ver o que é que faz e o que é que não faz sentido”.

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“O que é que tem mais sentido, acreditar racionalmente na existência de um Deus como causa última para todo o universo ou pensar que não existe causa? A mim parece-me que é muito mais racional pressupor que existe. Acharia idiota se alguém me tentasse convencer nesta sala que este copo apareceu aqui em cima da mesa e também acho idiota se alguém me tenta convencer que o universo «apareceu»”, prosseguiu, acrescentando: “onde há ordem, eu pressuponho uma inteligência ordenadora”. “Por que é que, dada a ordem extraordinária que há no universo, eu não pressuponho que houve uma inteligência ordenadora?”, interrogou.

“Tenho para mim que tem muito mais sentido – se eu estiver livre de preconceitos –, pressupor que existe um Deus, ou seja, um ser de uma natureza completamente diferente que não seja ele próprio causado (que não tenha, pela própria definição de Deus, princípio nem fim), e que seja a causa de tudo. É muito mais óbvio pressupor isso, do que pressupor que não existe”, insistiu.

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O orador deixou claro na sua reflexão que não falou de Deus, mas tão somente da hipótese da sua existência ou não. “Mas isso não é ter fé. Eu até posso acreditar que Deus existe e não ter fé n’Ele”, evidenciou, acrescentando que “a fé é uma outra coisa completamente diferente” que se desenvolve noutra dimensão que implica não “falar de algo ou alguém que é a causa última de tudo o que existe”, mas de uma “pessoa” a quem se trata por “Pai”. “E, portanto, aqui a filosofia já não me adianta nada. Quem me adianta é Jesus. E porquê Jesus? Porque das duas, uma: ou Ele era mentiroso ou então, se era verdadeiro, Ele era o Filho de Deus e sabe do que é que falava”, referiu o conferencista, acrescentando ter dado a Jesus “o exclusivo” de lhe ensinar acerca de todos os “assuntos transcendentes” como “o sentido da vida”, “quem é Deus” ou o “que é que acontece depois da morte”.

E porque a questão que deu o mote à reflexão sobre as “coisas que não se veem nem se podem ver” remetia para Deus, sereias, elfos ou duendes, o padre Nuno Tovar de Lemos, que deixou também claro que “Deus não ocupa os «buracos» daquilo que não tem explicação”, mas “está a um outro nível”, começou por reconhecer que lhe custou “meter Deus à mistura” com os restantes elementos. “Fi-lo porque muitas vezes é assim que a questão é posta”, justificou.

Conferência do padre Nuno Tovar de Lemos:

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