As XII Jornadas de Ação Sóciocaritativa, promovidas pela Diocese do Algarve através da sua Caritas Diocesana, evidenciaram que a Igreja Católica não se limita a praticar o assistencialismo, contribuindo para manter situações de injustiça, mas proclama a necessidade de mudança social.
“A caridade, porque não é caridadezinha e porque não é só assistencialismo, comporta uma necessidade de mudança: trata de dar ao outro aquilo que ele tem direito e que, por uma razão qualquer, perdeu ou não foi sequer capaz de adquirir”, sustentou Margarida Neto, a oradora da iniciativa que decorreu no último sábado, no Centro Pastoral e Social de Ferragudo, com a participação de cerca de 67 pessoas.
Aquela psiquiatra e ex-coordenadora nacional para os assuntos da família, que abordou a temática do encontro – "Fé sem obras? Do pensamento à ação" –, acrescentou que é preciso não “deixar ninguém ficar para trás”. “Não é um meio para mudar o mundo de uma maneira ideológica, mas é uma maneira de mudar o mundo por causa da atualização que fazemos do amor. Nesse amor está a exigência de uma mudança social. Não fazemos só assistência. Também fazemos assistência porque é preciso matar a fome daquela pessoa, mas proclamamos a necessidade de uma mudança social”, garantiu.
Margarida Neto considerou que “não é fácil falar da caridade na sociedade atual” porque a palavra “está gasta pela sua transformação em caridadezinha”. “A palavra caridade tem de ser reabilitada, é responsabilidade nossa”, exortou, apelando ao regresso ao verdadeiro significado do termo: “amor”. Neste sentido, explicou que “caridade é bastante mais do que uma atividade”, podendo definir-se como “amor que se alimenta do encontro com Cristo”. “Quem prescinde do amor esquece o ser humano”, advertiu.
A oradora, que foi perentória em considerar “totalmente impossível” uma fé sem obras, acrescentou que, “neste diálogo com o mundo, é muito importante distinguir e pensar a relação entre justiça e caridade”. “Cabe à Igreja empenhar-se na proclamação da justiça, da paz e do desenvolvimento, mas acrescentar-lhe o trabalho a favor do bem. Mesmo numa sociedade justa, o amor-caritas é totalmente necessário. Não há ordenamento estatal justo que possa dispensar ou tornar supérfluo o serviço do amor”, complementou.
Margarida Neto considerou ser “missão dos cristãos participar ativamente na vida pública e social” e “dever” dos mesmos “empenhar-se na política, nas organizações dos cidadãos e no desenvolvimento de uma cidadania ativa”. No entanto, a psiquiatra ressalvou: “Ainda que empenhado em favor da justiça, uma outra coisa é a proclamação do amor e a organização caritativa da Igreja está nesse registo”. “A ação da Igreja vai para além da causa humanitária. Só pela caridade se reconhece no ser humano a imagem de Deus. É isto que falta à justiça sem Deus. Pela justiça os direitos são iguais. Pela caridade, além dos direitos serem iguais, quem está mal é o nosso irmão. A caridade – consequência resultante da fé – faz com que o outro seja o irmão que é igual a mim”, complementou.
A oradora defendeu ainda a “colaboração entre as estruturas da sociedade civil, do Estado e da Igreja ou, também, de outras Igrejas”, uma vez que “a Igreja católica não é a única a praticar a caridade”, e citou a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz de 2013 para denunciar que “as ideologias do liberalismo radical e da tecnocracia insinuam a convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à custa da ilusão da função social do Estado”.
A terminar, referiu-se ao estudo da Cáritas Europa que denunciou a semana passada que “a austeridade atira um terço das crianças portuguesas para pobreza”. “A prioridade das políticas de austeridade não está a funcionar e será necessário procurar alternativas”, afirmou, citando o relatório.
Por fim, sublinhou que os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se pela sua “competência técnica aliada ao cuidado e ao atendimento do outro com o coração”.
Samuel Mendonça