Nestes movimentos, na oportunidade de “qualquer coisa”, temos a ignorância fora de todos os sentidos. Assim que suou a informação em derrubar as “estátuas”, logo coube ao “mártir” António Vieira entrar no desentendimento dos tempos, profanando – profanando-se a sua pequena estátua, de Lisboa, dedicada ao Homem que entendeu o futuro, que a igreja do tempo, sempre ciosa da sua posição contrária. Pois… A memória do Homem do século XVII, que nasceu em Lisboa- 6-2-1608, tempo da ocupação espanhola, falecendo na Baía- Brasil- 12 -7-1697, de condição modesta.
Foi levado pelos pais para o Brasil, Baía, matriculando-se no Colégio dos Jesuítas, frequentando todos os estudos até aos 15 anos. Ordenou-se sacerdote em 1635, onde se estreara no púlpito e catequese dos Índios. Em 1640 prega, o audacioso sermão, contra a ocupação holandesa, no Brasil: “Contra AS ARMAS DA Holanda”. No ano seguinte o vice-rei, Jorge de Mascarenhas envia-o a Portugal, acompanhando o seu filho Fernando, a apresentar homenagem ao novo monarca português, o rei da Restauração, João IV. Durante a sua estadia, em Portugal 1641- 1652, depois de ter sido nomeado pregador da Corte, confessor e conselheiro do rei, é incumbido de numerosas missões políticas. O jovem padre conquista a confiança e amizade do rei João IV, que o faz pregador régio, em 1644. O padre António Vieira, apercebendo-se da particular sensibilidade, do Rei de Portugal, João IV, após a recuperação do reino, numa Espanha em não aceitar o retorno. Nessa situação política, o rei português vai encontrando todas as dificuldades com o rei de Espanha, nessas impossibilidades de Espanha não “consentir”. O reino do Portugal reconquistado, apresentando- se todas as dificuldades, também com a velha nobreza portuguesa apoiada ao conquistador.
Foi difícil o reconhecimento por Espanha, após ser derrotada em 1640, nessa recuperação de Portugal. Até que o tempo político venha contrariar essa prepotência espanhola, numa pressão das monarquias inglesa e francesa. 28 anos depois há o reconhecimento, sob pressão, para que Madrid entregue a declaração de Portugal como reino independente. E todos os seus direitos perdidos pela Espanha. Tudo foi recuperado excepto a cidade de Ceuta. Tudo se passou a 13 de Fevereiro de 1668, no Convento de santo Elói, em Lisboa. Mas, há sempre uma família portuguesa que irá apoiar o rei de Portugal, entre eles os diplomatas Francisco de Melo, António de Almada, Francisco de Andrade Leitão, Francisco de Sousa Coutinho. O Padre António Vieira, homem português pela causa, em defesa do reino, pela independência de Portugal, tem pouco mais de 30 anos, entrega-se à causa portuguesa, à independência, sob pressão dos reinos de França e de Inglaterra, numa diplomacia pressionada, nos seus interesses políticos!
E nesse período, muito difícil para o reino de João IV, nessa conjuntura diplomática, em que o padre Vieira se entregou, foi de reconhecimento. Entretanto Vieira regressa ao Brasil, como Missionário. A sua 2.ª estadia no Brasil. E julga-se, a de mais intensa e apaixonante acção apostólica para Vieira, que se apoia num documento real, que trouxera consigo em ordem à libertação dos escravos. Trabalha afanosamente, e não apenas servindo-se da eloquência e de enorme fama de orador, para levar a bom termo essa tarefa humanitária, enfrentando, mesmo, as mais violentas reações dos colonos. Por morte do rei de Portugal, João IV, substituído o governador, reacendem-se querelas antigas. Dão-se violentos tumultos no Maranhão e Pará, contra os Missionários, muitos dos quais são presos e enviados para Lisboa. E entre eles, o padre António Vieira. Durante a sua estadia na Europa (1661-1681), prega o sermão da Epifania, a Festa dos Reis Magos, em defesa dos Missionários, e toma o partido do jovem rei Pedro, segundo filho do rei João IV, sofrendo a perseguição, dos partidários de Afonso VI, o legítimo herdeiro de João IV, mas incapaz de governar o que quer que fosse, conduzido por gente duvidosa… A Inquisição prende o padre António Vieira. Durante dois anos (1665-1667), é lhe instaurado Processo Doutrinal, com fundamento nas trovas de Bandarra. Era a justificação… António Vieira vai escrevendo a sua própria defesa na Clavis Prophetarum e na História do Futuro.
Com a subida ao poder de Pedro, o 2.º filho de João IV, o padre António Vieira é libertado. Entre 1669-1675 vive em Roma, preparando alguns dos mais célebres Sermões, na Igreja de Santo António dos Portugueses. De regresso a Portugal, dá início à compilação e publicação dos “SERMÕES”. De novo o regresso ao Brasil (1681-1697). Recolhe-se à Quinta do Tanque, colégio da Baía, onde prepara as obras para a imprensa. Essa sua força de comunicação… Já com 80 anos é nomeado “Visitador do Brasil”, vindo a morrer no referido colégio.
O HOMEM, seguindo a classificação dos tipos humanos feita por Eduard Spranger que determina uma análise psicológica e compreensiva, no predomínio dos valores da verdade: O teorético, o estético, o político, social e o religioso. O Padre António Vieira foi de uma inteligência poderosíssima, o que seria de esperar do Homem de acção intensa, lutador sem desânimo. No tempo de todas as mudanças políticas, culturais e de fé, o Padre António Vieira, teve o reconhecimento de Homem de Fé e de Justiça. O novo século deu reconhecimento aos homens do pensamento cultural, político e, essencialmente, Humano, para os novos séculos.
A 22/02/2008, publico em “FOLHA DO DOMINGO”, o título: “PADRE ANTÓNIO VIEIRA-MISSIONÁRIO DO NOVO MUNDO” – “Vieira está na Assembleia da República Portuguesa, numa obra pictórica do Mestre Columbano Bordalo Pinheiro, que coloca o Homem ideal, rodeado por João Pinto Ribeiro, Febo Moniz e Luís de Meneses. Homens, admiradores dessa figura fulgurante, que nos ensina o que foram os tempos. Ainda o poeta do século XX, Fernando Pessoa, na sua obra, MENSAGEM se publica a mensagem de Homem essencialmente português:
“Mensagem”
“O céu estrela o azul e tem grandeza / Este que teve a fama e a glória tem / Imperador da língua portuguesa / Foi-nos um Céu também / No imenso espaço seu de meditar / Constelado de forma e de visão / Surge, pronúncio claro de luar / El rei Sebastião / Mas não, não é luar é luz e etéreo / a madrugada irreal do Quinto Império / Doira nas margens do Tejo”
Recentemente, na memória, passados os séculos, num salto do XVII ao XXI, surgem os tumultos. George Floyd, um de tantos mártires da nação do poder… foi assassinado na brutalidade, como o Mundo viu. As estátuas vieram por terra, em ódios naturais, entenda-se… NÃO ADMITIDOS. Mas, nunca o Padre António Vieira, o Homem defensor das vítimas ofendidas na tirania aceite, pelos séculos… O movimento deste século XXI, agora, recentemente, no tombo da estátua de Victor Schoelcher, um protector dos escravos, na “civilização” do mundo moderno e nessa continuidade, veio abaixo (18/07/20), na ira dos persistentes: Confusos? As estátuas não podem ser maltratadas, como as obras literárias foram no tempo possessivo dos tiranos, postas em fogueira, século XX. Respeitemos a História. Sem história não há futuro. Não há pensamento. Lembremo-nos na cobardia, em Lisboa, ao Homem deslumbrante, para o século XVII, que foi o defensor dos negros e demais gente desprotegida. A ofensa à pequena estátua do Padre António Vieira, neste século XXI…ele que foi um símbolo do futuro, só podemos considerar de “paisagem” urbana dos séculos passados.
P.S. O jornal parisiense, LE MONDE, hoje 26/07/2020, publica um extenso estudo da Professora Cécile Ducourtieux, Senhora da minha admiração. Tomo a liberdade de um pequeno Excerto, de breves linhas, na minha tradução: “Em Bristol, Inglaterra, uma estátua caiu. O passado escravo ressurge. Bistrol, cidade portuária britânica, em 7/06/2020, manifestantes anti-racistas jogaram a estátua do comerciante de escravos, Edward Colston, ao mar. O passado do comércio de escravos da cidade inglesa, que tornou próspera, ainda faz parte da paisagem urbana que a sua comunidade negra deseja submeter a um trabalho de memória. O comerciante de escravos, Edward Colston foi jogada à água, a 7/06/2020, num domingo sombrio.”
Este seria um acto de repulsa do Padre António Vieira. Um Homem da Paz Universal e que decorre nos anos 20 do século XXI. E em continuidade: a História vive dos tempos e constrói-se nela, no mal e no bem, nos futuros das civilizações.