Rui Miguel de Oliveira Moreira Fernandes Nasceu a 10 de janeiro de 1983 em Santarém. O terceiro de quatro filhos de um casal de dirigentes do Corpo Nacional de Escutas (CNE) que se conheceu em Angola, cedo integrou também o movimento escutista. Com o pai, chefe de Caminheiros (escuteiros dos 18 aos 22 anos do ramo terrestre do CNE que constituem a IV secção daquele movimento), Rui Fernandes diz lembrar-se de ter lá em casa as reuniões do clã (grupo de Caminheiros do agrupamento). “Eles liam encíclicas com o meu pai e discutiam imenso. Era um grupo de gente muito divertida, empenhada, cheia de energia e lembro-me de pensar: «quando for grande quero ser como eles»”, conta em entrevista ao Folha do Domingo, acrescentando que “desse grupo saíram dois padres – um diocesano em Santarém e outro diocesano em Lisboa –, diretores de departamento do Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa, enólogos e atores”. Enquanto isso, o pequeno Rui Fernandes, que também começara a ter formação musical e a praticar basquetebol, ia crescendo influenciado por aquelas e por outras vivências. Ao Folha do Domingo lembra como o marcou o testemunho do padre Alfredo Neres, sacerdote comboniano e “amigo grande” dos seus pais, missionário no então Zaire. “Mandava-nos as cartas e lembro-me de aquilo mexer comigo. Era um homem genuinamente bom, apaixonado pelo que fazia e também isso mexia comigo”, recorda. Para além disso, o pai de Rui Fernandes foi o fundador de uma associação de apoio a pessoas sem-abrigo em Lisboa, e o jovem interessou-se ainda mais pelo voluntariado. Com 14 anos passou a peregrinar regularmente à Comunidade Ecuménica de Taizé, no sul da França. “Foram estas as grandes influências”, diz com um brilho no olhar acerca da sua caminhada de fé. “A ideia de que, sendo cristão, era possível ser-se bem disposto, ter paixão, um compromisso com a vida e cuidar dos outros” e de que “a fé não é só conversa”, mas “tem muito a ver com compromisso e atenção real aos problemas que se passam à nossa volta” tornou-se, então, óbvia. Quando foi para a faculdade “estava cheio de dúvidas”. De tal maneira “não fazia ideia do que é que queria” que não acertou no curso. “Gostava muito de música, de matemática, de artes e de muitas coisas diferentes e acabei por ir para engenharia sem fazer bem ideia”, conta, acrescentando que mal chegou ao IST, percebeu logo que “estava no sítio errado”. Só fez o primeiro ano. ![]() Em 2008 decide entrar para a Companhia de Jesus (jesuítas). Licenciou-se em Filosofia em Braga e esteve três anos em estágio em Timor-Leste. Fez o mestrado em Teologia Fundamental em Paris, no Centre Sèvres – Facultés Jésuites, e uma pós-graduação em Teologia Islâmica, concretamente sobre a música no Cristianismo e Islão na Idade Média, no Institut Catholique, também na capital francesa. Ordenado sacerdote em 2018, o padre Rui Fernandes, de 39 anos, o chegou no verão do ano passado à Diocese do Algarve para integrar a comunidade algarvia jesuíta, sedeada em Portimão, após uma passagem pelo Líbano, onde estava quando se deu a explosão no dia 4 de agosto de 2020. Sozinho na sala de uma biblioteca “muitíssimo perto” do porto de Beirute, levantou-se para ir buscar mais livros. Ao fechar a porta deram-se as duas explosões. Voltou a abrir porta fechada segundos antes e o cenário que tinha diante si era apocalíptico. Na conversa com Folha do Domingo explica como foram vividos esses primeiros tempos como sacerdote e os que os antecederam. |
Na juventude fazia voluntariado onde?
Sobretudo, enquadrado nos escuteiros. No meu agrupamento muito cedo tínhamos de arranjar compromissos de vida, de missão e sempre tive a sorte de ficar em equipas de malta que nos motivava para coisas muito parecidas. Quando começou a primeira campanha do Banco Alimentar [Contra a Fome] estivemos completamente metidos naquilo. Éramos miúdos de 13/14 anos. Depois começámos a fazer voluntariado num orfanato, em lares de idosos, todos os fins de semana. De vez em quando ia também cantar no presídio de Santarém. Tínhamos chefes que estimulavam muito isso.
“Entrei aos 10 anos e a partir daí fui escuteiro a vida inteira
Foi escuteiro desde Lobito?
Não entrei nos Lobitos porque foi na altura em que os meus pais saíram [do CNE]. Oficialmente entrei como Explorador [escuteiros dos 10 aos 14 anos, pertencentes à II secção do CNE], mas já antes andava sempre lá pelo agrupamento. Entrei aos 10 anos e a partir daí fui escuteiro a vida inteira. Só não estive ligado aos escuteiros nos dois anos de noviciado e nos dois anos em Paris.
Mesmo no Líbano esteve ligado aos escuteiros?
Sim, era assistente de um agrupamento.
E considera ter sido lá que encontrou o agrupamento que conheceu a trabalhar melhor. Porquê?
Por várias razões. Era um agrupamento incrível, a trabalhar muito bem, cheio de energia, mesmo durante as convulsões todas que o país teve.
Aquele agrupamento estava inserido num colégio francófono muito grande da Companhia de Jesus e o escutismo em França tem muita força, até por o escutismo católico ter sido fundado por um jesuíta francês. Naquele colégio davam-se imensos meios aos escuteiros. O escutismo era uma das propostas de currículo alternativo que o colégio oferecia, entre muitas outras. Resultado: cerca de um terço dos alunos do colégio estava inscrito nos escuteiros. Ou seja, era um mega-agrupamento, uma coleção de grupos. Acho que tinha à volta de 1.100 miúdos e mais de uma centena de chefes. O colégio tinha um bosque e cada grupo de Exploradores tinha a sua base e um depósito de material com tudo. Tinham muito bons recursos e usavam-nos muito bem.
Segunda coisa que funcionava muito bem: os chefes. Tinha muita gente nova. O chefe de agrupamento, que era o mais velho, tinha 27 anos. Um jovem a liderar 1.200 pessoas, contando com os chefes. Era uma coisa é extraordinária. Era um arquiteto que tinha sido aluno do colégio. Isto diz tudo sobre a dinâmica de funcionamento. Eram jovens a acompanhar outros jovens.
O que se fazia ali está muito próximo do que Baden-Powell [fundador mundial do escutismo] propõe. Em Portugal, na maior parte das vezes, juntam-se miúdos na mesma patrulha com a mesma idade, o que faz com que a lógica de progresso seja quase ao ritmo da escola. Dentro de cada patrulha, a dependência do chefe é muito grande porque ele é que vai ter de ensinar às patrulhas. Não era isso que Baden-Powell propunha. Propunha é que nos grupos os guias e os sub-guias fossem os grandes formadores e os chefes sejam formadores dos guias. Isto é possível quando, mesmo entre os miúdos, existe alguma diferença de idades. No Líbano, as patrulhas têm elementos desde os 10 até aos 14 anos. Os mais velhos são os guias porque, à partida, são quem tem mais experiência. Não precisam de estar a pensar em quatro anos de progresso porque em cada ano aquela equipa tem de reaprender a fazer coisas. Os chefes reúnem com os guias e os sub-guias e veem com eles quais as necessidades que têm. Os chefes são muito mais moderadores e não tanto os organizadores. Dão muito mais liberdade, mas ao mesmo tempo também pedem que haja responsabilidade. É muito estimulante para os miúdos.
“Somos muito maus a dar formação para líderes porque tudo o que fazemos é sempre numa lógica de conferência
Mesmo para os mais velhos acaba por ser motivador?
Muito mais porque eles sabem que depende deles e têm de aprender a liderar. É uma dinâmica muito mais fluida, muito menos escolar e muito menos na dependência de chefes. Uma das grandes vantagens é que o escutismo pode fazer aquilo que deve: criar gente autónoma e ir dando, cada vez mais cedo, responsabilidade aos miúdos. É uma grande diferença em relação ao que acontece, na maior parte das vezes, cá. Cá a formação é muito mais burocrática. Cá, em geral e não só nos escuteiros, somos muito maus a dar formação para líderes porque tudo o que fazemos é sempre numa lógica de conferência. As pessoas precisam é de metodologias, coisas práticas.
Tenho estado a trabalhar em Portimão com um ótimo agrupamento e estou muito feliz porque acho que eles fazem um trabalho espetacular, mas não foi graças à formação que receberam.
Presumo que o escutismo tenha sido uma grande escola para si. Aprendeu muito?
Sim, sim. Claramente. Os meus melhores amigos e as minhas grandes referências ainda estão nos escuteiros.
“Não são os estilos que tornam a música litúrgica, mas a adequação à celebração
É também um dos responsáveis pelo ‘LabOratório’ em Portugal, uma iniciativa de formação litúrgica e musical para promover a criação de música para a liturgia e ensinar a compor, cantar, tocar e a dirigir um coro. A música fez sempre parte da sua vida? Teve formação?
Sim, passei brevemente pelo conservatório, mas onde estudei mais foi numa escola diocesana de música em Santarém. Depois estive noutras escolas e fiz um curso da música em Fátima. Estive sempre ligado à música desde pequenino.
No apartamento onde eu vivia em Braga, estava com o Duarte e o Miguel Pedro. Os três gostamos de música. O Duarte tinha uma banda pop em miúdo com músicas usadas inclusivamente numa telenovela. O Miguel Pedro, um ótimo guitarrista e um músico extraordinário, apaixonado por Beatles, estudou cravo no colégio da Companhia [de Jesus] em Santo Tirso. Temos três sensibilidades musicais muito diferentes e damo-nos muito bem.
Quando vínhamos dos campos de férias começámos a aperceber-nos de que a música tem uma força de comunicação muito grande. Individualmente, mas também coletivamente. E apercebemo-nos também que à nossa volta tínhamos muita gente muito capaz de fazer música e que havia um sentimento generalizado de tédio em relação às músicas que se fazem. Como eu tinha estado no seminário, conhecia esse mesmo sentimento, independentemente do estilo musical.
Em Portugal há muitos recursos, muita coisa a ser feita, muitas publicações, mas depois o acesso a eles, a sensibilização ou o saber procurar nem sempre existe. Então, a nossa intenção foi criar uma espécie de campo de férias para a malta que gosta de música começar a fazer nova música. A ideia era passarmos oito dias com pessoas, com ou sem formação, que gostam de música. O programa está desenhado à volta de vários ateliês, incluindo um modo iniciado e outro avançado, e pensado para vários tipos de músicos porque há quem seja músico enquanto compositor ou cantor ou instrumentista ou diretor de coro e, nesta última edição, começámos a introduzir também letristas, poetas. E também temos presente outra dimensão que a pandemia até veio confirmar, que é a edição de som. Temos um grande grupo de colaboradores. Este ano chegámos a ter mais de 100 pessoas a trabalhar.
No ‘LabOratório’ gostávamos de transmitir várias ideias. A primeira é a de que não são os estilos que tornam a música litúrgica, mas a adequação à celebração. Qualquer estilo pode ser litúrgico, contando que haja uma comunidade que se identifique com a sua linguagem, que os textos que estão a ser usados tenham alguma coisa a ver com aquilo que vai ser rezado e também que se perceba o ritmo da liturgia. Tanto pode ser rock como gregoriano. O gregoriano pode ser muito mal usado numa celebração e o rock muito bem usado. E, dependendo dos casos, o contrário também pode ser verdade. Não somos nós que vamos pré-determinar qual é o estilo. Isso não nos cabe. Sempre ficou claro que quando fizéssemos a proposta gostávamos de ser ecléticos e isso não tem a ver com uma questão de querer agradar a todos. É preciso é dar às pessoas ferramentas para que, dentro daquilo que vão querer fazer, o façam da melhor forma possível, com exigência, com critérios.
A segunda ideia a transmitir é a de que é necessário perceber a liturgia. Para isso nada melhor do que ter celebrações bonitas. Proporcionar uma experiência imersiva. Entro e sou mergulhado numa experiência que se torna significativa para mim.
A última ideia a transmitir é a dimensão comunitária. Não são só os gostos das pessoas que contam. É também necessário perceber que há um lado de discernimento que deve ser feito na comunidade. Eu, como músico, quando chego a uma comunidade não tenho de estar a impor-lhe coisa nenhuma. Vou trazer para a comunidade aquilo que são as minhas características, mas devo perceber que, quando chego a uma comunidade, estou ao serviço dela. Devo ir discernindo com a comunidade o que é que resulta e o que é que não resulta. Taizé é, neste âmbito, uma grande escola. As músicas de Taizé são escrutinadas pela comunidade que está a rezar. Em última instância, o que interessa é se a comunidade consegue participar e se se identifica com o que está a ser usado. Não é só questão do estilo.
Na semana do ‘LabOratório’ chega-se a uma comunidade, temos três tempos de oração diários com um cancioneiro que é construído na fase prévia de preparação da edição. Convidamos cerca de 30 compositores de norte a sul do país, de diferentes estilos e idades musicais. Temos desde compositores consagrados como João Madureira ou Alfredo Teixeira e temos miúdos de bandas de garagem a fazer música. A diversidade das comunidades deve ser retratada no tipo de música que é proposta.
O resto do tempo é passado nos ateliês nos quais as pessoas se inscrevem. Mais do que criar adeptos do nosso cancioneiro, pretende-se incentivar as pessoas a criar nova música e, sobretudo, dar-lhes consciência para perceberem, quando voltarem às suas comunidades, o que é que se adapta melhor.
“Estamos a preparar uma ‘app’ onde vão estar as pautas e as músicas gravadas gratuitamente
E esse trabalho fica depois disponível?
Sim, menos do que gostávamos. As coisas estão online gratuitamente e qualquer pessoa que queira basta escrever-nos um e-mail. Temos um site acessível, através do ‘Ponto SJ’, que tem lá os nossos endereços. Muitas já estão gravadas e disponíveis na Soundcloud e no YouTube. Estamos a preparar uma app onde vão estar as pautas e as músicas gravadas gratuitamente. É muito trabalho, todo feito com voluntários. Só da última edição resultaram 115 músicas novas. Temos tido muita sorte porque temos um grupo de amigos que são músicos da Gulbenkian, outros professores de conservatório, grandes músicos profissionais católicos. Este ano tínhamos dois professores da Igreja Batista, músicos incríveis, que vieram ajudar e fizeram um workshop sobre gospel.
Há uma grande recetividade em relação ao projeto. As pessoas identificam-se com a ideia.
“Há muita falta de sítios onde seja possível chegar, rezar de uma forma tranquila, conhecer pessoas num espírito comunitário, um certo ‘hippie’ católico
E já vai na terceira edição.
Temos crescido sempre com aumentos de 50% de edição para edição. Mas o projeto não deve crescer muito mais porque percebemos que há um número limite para manter uma dinâmica comunitária saudável.
Nesta fase, o ‘LabOratório’ já tem um repertório de mais de 250 músicas. Para além de criarmos nova música, também divulgamos muita que existe. Nas últimas duas edições publicámos, de cada vez, dois cancioneiros, sendo um de originais. Temos tentado também divulgar repertório português que as pessoas não conhecem tanto ou músicas de outros países, adaptadas para português. Se somarmos este repertório, então já são mais de 400 músicas.
Acho que há muita falta de sítios onde seja possível chegar, rezar de uma forma tranquila, conhecer pessoas num espírito comunitário, um certo hippie católico. Acho que as pessoas sentem falta disso.
Vamos ver o que é que o futuro e o que é que o Senhor diz para esta missão.
“Acho que há muita produção e que, dentro de cada estilo, não faltam coisas boas, mas penso que é mal divulgada
E como é que olha para o panorama musical cristão em Portugal?
Não tenho uma visão muito negativa. Acho que há muita coisa boa em muitos géneros diferentes. Há muitos movimentos a fazer muito boa música. Já nem vou falar das escolas diocesanas. Cada um destes registos move-se em linguagens musicais muito próprias e ainda bem. Acho que há muita produção e que, dentro de cada estilo, não faltam coisas boas, mas penso que é mal divulgada e uma das causas dessa falha de divulgação tem a ver com algum desconhecimento e, às vezes, algum preconceito que leva a que o material acabe por ficar fechado nas «capelinhas». Nesse aspeto, penso que há trabalho a fazer-se.
“Dizemos que a liturgia é uma festa, mas linguagens corporais ligadas à festa têm dificuldade em entrar na liturgia
E a Igreja Evangélica está um passo à frente em termos de profissionalismo nesta área?
Completamente! Não há comparação! Por várias razões. Mesmo até na história do Protestantismo, a música teve um papel muito forte. Percebeu-se que a música, o louvor a Deus e a experiência comunitária podem estar ligados. E também se valorizaram dimensões cheias de sabedoria que têm a ver com a envolvência do corpo, dos afetos.
A música que fazemos traduz uma certa visão de experiência comunitária, se pensarmos que é normalmente muito mais lenta, ritmicamente pouco variada. É uma música para um certo tipo de contemplação. Outra música que seja mais ritmada ou que tenha outro tipo de linguagem sugere um outro tipo de participação, digo mesmo, do corpo, em que o corpo está envolvido. O que é que significa um corpo entrar em oração, um corpo mexer-se durante a celebração? São outras formas de conceção. Não se entenda isto como uma crítica negativa. É mais uma constatação. Repara como é difícil introduzirmos aplausos na nossa liturgia, como causa sempre um certo desconforto. Como se o aplauso estivesse ligado a qualquer coisa que não faz parte da liturgia. Dizemos que a liturgia é uma festa, mas linguagens corporais ligadas à festa têm dificuldade em entrar na liturgia. A música pode ser lugar de terapia tal como a dança. A ausência destas formas de linguagem da nossa liturgia deveria ser preocupante porque significa que há dimensões da nossa vida que não estão a ser tocadas. Ou melhor, vão ser, mas não pela fé.
Há muita coisa boa, acho que se pode melhorar, a começar pela comunicação e divulgação desmontando certos preconceitos.
Nunca pensou em enveredar profissionalmente pela música?
Claro que sim, muitas vezes, como compositor. Mas depois…
…como compositor?
Sim, eu era mais voltado para a composição. E agora sou mais organizador de eventos [risos]. Houve uma altura em que pensei muito seriamente nisso. Para criar é preciso ter tempo e não tenho esse tempo. Há um lado experimental da música como qualquer linguagem. Uma coisa é fazer obras funcionais, outra coisa é criar. Isso já requer outro tempo, outro investimento e outra aridez.
Que instrumentos toca?
Estudei piano desde miúdo e depois, por ossos do ofício, toquei órgão e por brincadeira comecei a estudar violoncelo. Mas não sou um bom violoncelista.
“Aqueles oito minutos de silêncio a meio da oração mexiam muito fortemente comigo
“Taizé continua a ser a minha grande referência sobre liturgia
Já aqui falámos em Taizé. Foi num verão, depois de ter lá estado, que decidiu entrar para o seminário. Foi a experiência da Comunidade Ecuménica e de que a unidade cristã não é uma utopia ou o testemunho do irmão Roger que o marcou?
Acho que foi isso tudo. As idas a Taizé faziam parte das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica em Santarém. Sempre fui um pouco «anti-carneirada». Se todos gostavam, eu não queria gostar. Ainda bem que fui e tive de «engolir esse sapo» porque gostei imenso. Aqueles oito minutos de silêncio a meio da oração mexiam muito fortemente comigo. Por isso, foi mesmo a experiência de oração e o «murro no estômago» do silêncio que me marcou. E tudo o resto. O testemunho do irmão Roger [fundador da Comunidade de Taizé], claro que sim. Era um homem absolutamente extraordinário. A dimensão ecuménica, [marcou-me] o mais possível. Ou seja, esta convicção de que a diferença é uma realidade e não tem de ser um problema. É um desafio de adultez.
Assim como o escutismo é a minha referência para trabalho, lógica de serviço e gostar de trabalhar em equipa, Taizé continua a ser a minha grande referência sobre liturgia. Sinto muita falta.
O ‘LabOratório’, de alguma forma, é uma resposta a uma carência que tenho: a vontade de encontrar um mosteiro urbano onde chega uma pessoa, um irmão, onde somos pessoas e não há cá o padre. Há aquela pessoa que está a querer encontrar-se com Deus e há os companheiros de viagem. Taizé faz-me falta.
Tem estado também ligado ao ‘Ponto SJ’. Desde o início?
Sim, desde o início. Estive no primeiro ano, não estive no segundo e, depois, voltei a estar.
No início estava na secção da fé e agora estou a coordenar a secção da cultura.
“Há duas linguagens extremas em relação à diferença: tanto se apregoa a diferença, como depois é-se totalmente intolerante em relação àqueles que pensam de forma diferente. E o contrário também existe
Mas foi um dos pensadores do projeto?
Não faço parte dessa equipa. Fui consultado, mas não fui eu o «idiota» [risos].
Era uma conversa que já vínhamos tendo há bastante tempo. Antes do ‘Ponto SJ’ havia ‘O SJ’ que era o site que teve início com os estudantes jesuítas portugueses, mas cuja filosofia era muito parecida: voluntários que escrevem sobre determinadas áreas, mas numa perspetiva cristã e numa lógica de diálogo.
Estamos numa fase em que há duas linguagens extremas em relação à diferença: tanto se apregoa a diferença, como depois é-se totalmente intolerante em relação àqueles que pensam de forma diferente. E o contrário também existe.
Uma forma cristã de olhar a realidade não são só as opiniões, é também o modo de fazer. Poderia ser profundamente cristão aceitar e acolher perspetivas diferentes no seio da comunidade. O simples facto de dizermos com o gesto que o outro é bem-vindo como é, é profundamente cristão. Às vezes estamos de acordo, outras vezes não. Mas não é uma lógica de anatemização como a Igreja já fez tantas vezes. É a de que há outra verdade que não é só a das ideias, mas é a do reconhecimento do outro. É essa verdade fundamental de que a vida do outro é bem-vinda. E a partir dessa lógica de boa vontade, o resto torna-se mais possível, quanto mais não seja para dizer: «concordamos em discordar» [risos].
“Aborrecem-me estes nossos preconceitos de achar que somos mais desenvolvidos do que os outros só porque somos mais ricos
Também já referiu a sua passagem por Timor. O tempo mais rico que teve como jesuíta foi passado lá?
Foi, foi! Sem dúvida! A todos os níveis. Pela cultura muito diferente e muito bonita, pela sabedoria extraordinária das pessoas. Também foi uma altura que deu para perceber várias coisas que me aborrecem. Aborrecem-me estes nossos preconceitos de achar que somos mais desenvolvidos do que os outros só porque somos mais ricos e a facilidade com que esta mensagem faz com que outras pessoas mais pobres se sintam diminuídas, o que é uma injustiça absoluta. Como se a riqueza ou o acesso à tecnologia em si mesmas fossem sinais de crescimento, de mais valor ou de superioridade.
Foi preciso chegar, aprender línguas novas e ver como é que as línguas e as dinâmicas da cultura funcionam. Cheguei a Timor e apercebi-me de que o português é uma das duas línguas oficiais que quase ninguém fala. Nas ruas, se estivermos atentos à publicidade, vê-se uma guerra das línguas, mas que ao mesmo tempo diz alguma coisa de muito real sobre o funcionamento das culturas. Vê-se os escaparates em inglês e os escaparates em indonésio e algumas coisinhas pequeninas em português, quase insignificantes. Percebi que as pessoas procuram as línguas, a cultura, em função da promessa que vem agarrada a ela. Há aquela ideia da cultura pela cultura. Mas o que é que me interessa saber português se depois o português não tem nada a ver com o meu divertimento, com os meus sentimentos, com o meu trabalho, com o meu futuro, com o dinheiro, com nada? O que é que isso me interessa?
Em compensação, se calhar, outras línguas têm agarrada a elas uma oportunidade de futuro. E isto pode ser aplicado à fé. Se a fé for uma «língua», o que é que se oferece agarrado à fé? De que modo é que a fé nos faz rir ou se liga ao trabalho? Na maioria das vezes, a forma como «vendemos» a fé, está desagarrada, descolada da vida das pessoas. Podemos pôr cartazes na rua, mas há outros «cartazes», outras línguas culturais que, por tocarem muito mais o universo de interesses e preocupações das pessoas, são muito mais atraentes. Por isso, a importância do imaginário, do lazer na nossa forma de envolver a fé. Aderimos a coisas quando nos identificamos com elas. E não é só uma identificação intelectual.
Timor também foi importante para mim a estes níveis.
Teve também outras coisas muito profundas como chegar e desmontar imagens de falsos messianismos como o de pensar: «Sou missionário! Eu é que vou trazer a salvação! Eu é que trago as soluções! Mas depois a pessoa chega e percebe: primeiro, a Igreja não fui eu que a comecei aqui. Já existia ali gente a trabalhar há não sei quanto tempo. E se aquilo ali é como é não é por falta de qualidade das pessoas. Se calhar os processos são mesmo assim.
Para além disso, se chego a um país onde não falo a língua, bem posso achar que tenho as soluções. Se não sei a língua, sou um «bebé». Portanto, temos que nos pôr no nosso lugar e não estar cheios de nós. Não, não tens solução para coisa nenhuma. Vais para ali para crescer, para aprender com aquelas pessoas, para criares amizades, é isso que vais lá fazer. E vais fazer aquilo que as amizades são capazes de fazer na vida das pessoas. Os amigos são «salva-vidas». Mas recíprocos. E são «salva-vidas» com cerveja, outras vezes a chorar, outras vezes a irritarem-se. Cuidam-se e acompanham-se.
Por isso, Timor é realmente um sítio que continua muito vivo em mim. Sou muito devedor dos meus irmãos timorenses.
E durante os três anos em que lá esteve o que é que fez concretamente?
O meu trabalho principal esteve sempre ligado à educação. Nos primeiros meses estive a dar formação de professores, eu, sem formação nenhuma, o que é uma coisa absolutamente ridícula. Dava aulas de português aos professores, o que foi ótimo porque me obrigou a aprender tétum muito mais rápido. Foi uma experiência ótima que me ajudou a pôr-me no meu lugar.
Depois, durante dois anos, estive a trabalhar na fundação de um colégio da Companhia [de Jesus] numa zona mais pobre, a duas horas de Díli. Foi um trabalho espetacular. Dava aulas de português, de artes, mas também dei várias vezes aulas de história, de matemática e de educação física, conforme ia sendo preciso.
Nos últimos meses estive a dar formação a professores numa outra escola afeta à Companhia [de Jesus].
Estive a trabalhar também numa paróquia nas montanhas no centro de Timor com um jesuíta vietnamita, outro filipino, outro timorense e outro malaio.
Pelo meio fiz parte da equipa nacional dos escuteiros, colaborei num centro de produção audiovisual e fiz vários trabalhos para esse canal de televisão. Foi muito bom.
“A forma de fazer teologia precisa de uma «refrescagem». Fazer Teologia para ficar num livro numa estante não é o que faz falta
Está a fazer um doutoramento pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa e esteve em Beirute. Esse trabalho tem a ver com a experiência religiosa no quotidiano a partir do hip-hop, o diálogo entre Cristianismo e Islão a partir da música?
Já não estou a fazer a tese. Cancelei. Estava muito desidentificado com a Teologia. Mas gostei muito do tema. Acho é que a forma de fazer teologia precisa de uma «refrescagem». Fazer Teologia para ficar num livro numa estante não é o que faz falta.
Quando tinha acabado de fazer o tal mestrado e a pós-graduação, tinha estudado Islão entre músicos e a ideia inicial era mesmo ir por esse prisma.
A grande questão da fé e da Teologia é: «onde é que eu posso encontrar Deus?». E tradicionalmente quais são as fontes para procurar Deus? Que ferramentas é que tenho? Normalmente vamos aos textos, aos rituais, à história, mas qualquer um desses objetos é o produto de uma relação quotidiana entre comunidades, entre si, com Deus. E ficamos sempre no domínio da palavra. Se quiser ter em conta o quotidiano, a palavra entra mas não é o único reservatório da experiência. Ou seja, a vida comunica-se e comunica-nos através de muitos canais: a dimensão cultural, estética, urbana. Portanto, o objeto também não é indiferente. Se quero um objeto que se aproxime da experiência do quotidiano, então esse objeto tem de ter algumas das camadas que o quotidiano também traz. No caso do hip-hop, é atual, portanto a questão do quotidiano está presente, e abarca várias dimensões. No hip-hop temos o rap, da palavra; temos o hip-hop só, enquanto música; temos o hip-hop dança, como inclusão do corpo; temos o hip-hop graffiti, a questão e estética das imagens, e, ligado a isso, temos o hip-hop urbano, os bairros, os gangues e os grupos que andam à volta do hip-hop; e o hip-hop das temáticas, ligado à justiça ou às injustiças, a luta, o conflito, a agressividade, os sons. Como um mesmo objeto, o hip-hop tem muitas dimensões e num certo sentido é um objeto que pode deixar falar a vida. Podemos falar da vida a partir do hip-hop sem ser muito artificial. Foi essa a razão.
Depois, o encontro com Deus. Se o pudéssemos resumir ao máximo, o encontro com Deus é o encontro com outro, alguém que é diferente de mim. Simbolicamente, pode ser tratado de muitas maneiras, mas se o trouxer ao quotidiano, o outro é todo aquele que encontro na rua. O encontro com os outros faz parte da minha experiência de encontro com Deus. Não é secundária. Eu queria é que permitisse retratar num objeto. O objeto tem de representar aquilo que quero dizer. Se quero um objeto que retrate a diversidade tenho de ir para um sítio onde os outros que encontro na rua sejam diferentes. O outro mais diferente de mim é o que pertence a outra tradição religiosa. E a escolha do Líbano foi porque há hip-hop libanês e porque os outros fazem parte da forma como o Líbano se construiu, com muita diversidade religiosa.
Residia a 15 minutos do local da explosão no porto. Nunca mais vai esquecer os gritos das mães a chamar pelos seus filhos?
Ficou gravadíssimo. Aquele momento é indescritível. Coisas que não dá mesmo para descrever. Foi muito visceral. Parecia quase estar a ver o ‘Apocalipse Now’. Há um momento no filme, quando eles estão a fugir da guerra, em que o helicóptero descola e se vê a imagem de uma aldeia em chamas e há um fulano que corre em chamas. Não vi ninguém em chamas, mas vi aquela imagem de desorientação generalizada, de pânico e de desorientação. A isso assisti e é difícil retratá-la. Assim como é difícil retratar o sentimento de estarmos numa terra que já conhecemos, totalmente desfigurada de um momento para o outro. É incompreensível como num piscar de olhos uma cidade fica totalmente desfigurada. A esse primeiro nível, o choque foi forte e tenho uma série de memórias associadas a isso. Mas também houve um lado muito bonito de ver como as pessoas vieram para a rua ajudar-se umas às outras. Há um lado muito bonito de admiração, de gratidão até pelo que deu para aprender ali com as pessoas naquela fase. Foi uma experiência difícil, mas rica.
“As secretárias de madeira maciça pareciam manteiga, voltadas com os vidros cravados que pareciam estalactites
E nos momentos seguintes à explosão, o que é que fez?
Estava a trabalhar na tese nesse momento, nos espaços de uma biblioteca de umas irmãs das quais era capelão. A minha casa, o sítio onde estava a trabalhar e o porto eram equidistantes, muitíssimo perto do sítio da explosão. Mal ocorre a explosão, por sorte não me aconteceu nada, mas quando abro a porta não havia nada. Os tetos tinham caído, os vidros estavam todos rebentados, as secretárias de madeira maciça pareciam manteiga, voltadas com os vidros cravados que pareciam estalactites. Uma coisa indescritível! Aquele era um condomínio de prédios grandes, onde as irmãs tinham um andar. Ouvia-se os ares condicionados a cair, os estores a cair, os vidros a cair e as tais vozes dos vizinhos completamente em pânico. A primeira coisa que fiz foi tentar situar-me. Há vários meses que se desconfiava que a guerra pudesse começar e a primeira coisa que pensei foi: «começou a guerra». Mas não sabia ao certo se era um míssil e só descobri o que tinha sido muitas horas depois, já madrugada adentro, em casa, depois de termos começado a limpar os estilhaços.
Quando saí do sítio onde estava, vim para a rua, liguei para as irmãs para saber se estavam bem, mas estavam completamente em pânico. Estive uma hora e tal a fazer primeiros socorros a pessoas. Eu e outros. Depois disso levámos várias pessoas para o hospital, a superiora da comunidade das irmãs pediu-me para ficar a tomar conta da casa delas e das irmãs mais velhas, para ela poder sair. A nossa casa, curiosamente, tinha tido ao até ao dia anterior jesuítas que se tinham ido embora. Iam para o tal estágio na nossa formação. Um tinha voltado para a Jordânia e outro para o Egito. Felizmente não estava ninguém em casa. E o libanês com quem eu vivia felizmente também não estava em casa. Mas estávamos preocupados para saber como estava a casa. Pedimos a um vizinho que fosse a nossa casa e o vizinho mandou-nos um vídeo. A casa não tinha portas, janelas, havia paredes caídas, estava tudo destruído. Quando voltei para casa aquele que era um caminho de 20 minutos levei uma hora e meia a fazê-lo porque estava de chinelos e as ruas eram um mar de vidro. Do convento das irmãs até a nossa casa parecia quase uma peça de teatro em diferentes atos. Chegado a casa foi agarrar numa das vassouras e começar a limpar.
Mas apesar de a casa ter ficado nesse estado vocês ficaram sempre lá.
Ficamos sempre a dormir em casa, não sei quantos meses sem estores, janelas e vidros. Ficámos assim bastante tempo. Nós e toda a gente. Por isso, a primeira semana foi a sensação de um dia muito longo. Como se o mesmo dia não tivesse acabado. Mas houve coisas muito bonitas como ver os vizinhos logo a mobilizarem-se com os voluntários. Havia um sem-abrigo que costumava estar na rua imediatamente à frente do porto. Era uma rua cheia de turistas ao final da tarde. Felizmente por causa do Covid havia menos gente. Pensei que esse sem-abrigo tinha morrido, até porque no café à frente do qual ele costumava estar morreram umas 20 pessoas. Dois ou três dias depois passei por lá e encontrei-o. E ele, com toda a simplicidade, disse-me que nesse dia tinha mudado de sítio.
Foi uma experiência muito forte ver a resiliência da população.
“Todas as relações de vizinhança [entre sunitas e cristãos ortodoxos], são boas, corre bem
Como era a relação entre sunitas e cristãos ortodoxos?
Todas as relações de vizinhança, são boas, corre bem. Tudo o que tem a ver com a representação das comunidades, corre mal. Se forem chefes, representações políticas, corre mal. Se forem vizinhos, a coisa é mais tranquila. Também depende das zonas do país. Há zonas onde as coisas são mais delicadas. A questão é mais complexa, mas de uma forma geral, apesar de a guerra civil ter deixado muitos conflitos entre as populações, as relações são boas, as pessoas respeitam-se. Agora, durante a Quaresma, os nossos amigos muçulmanos enviam-nos mensagens a desejar boa Quaresma, na Páscoa a desejar boa Páscoa e nós quando começar o Ramadão vamos também enviar a desejar feliz Ramadão.
E a música é um ponto de confluência e de diálogo inter-religioso?
Sim. A Fairuz, que é a «Amália» do Médio Oriente, é ouvida por toda a gente, cristãos, muçulmanos… Há um tipo de comunicação que supera esse tipo de fronteiras e as pessoas encontram-se, gostam de fazer festa. As pessoas no geral gostam de fazer festa e de conviver, mas nós, às vezes, atrapalhamos um bocado isso. Claro que há sempre umas rivalidadezitas, mas isso faz parte porque até entre clubes de futebol é assim. Mas nem sempre essas rivalidades têm de ser explosivas. Habitualmente, as pessoas respeitam-se e à noite os libaneses gostam de ir para a rua e estar no mesmo quiosque onde estão cristãos e muçulmanos, xiitas, sunitas. E as pessoas sabem perfeitamente quem são. As pessoas gostam de conviver e a música tem esse condão, fala de coisas com as quais nos identificamos e à volta das quais nos podemos encontrar.
“A religião é um campo onde a violência também é trabalhada. Resta saber se bem ou mal
Mas se nas bases já há esse nível de entendimento, tolerância e convivência a nível superior falta qualquer coisa.
Há sempre os medos de querer lutar pelos direitos dos meus. Posso perceber que um líder de uma comunidade tenha de lutar pelos direitos dos seus, mas se eu estou sempre a olhar para o outro como o meu adversário, estou a fazer com que o outro me olhe a mim sempre também como adversário. Ao invés disso, devemos é começar a treinar-nos para o bem comum. Se lutarmos para aquilo que é bom para todos então isso também nos vai beneficiar individualmente. Isto é muito bonito de se dizer mas depois nas políticas concretas vai sempre esbarrar em coisas mais difíceis. Mas, de qualquer forma, acho que a haver lutas que sejam lutas positivas, de diálogo, por coisas que vão beneficiar o bem comum. E isto não é nada evidente. Tendencialmente, olhamos o outro sempre numa lógica adversarial e se a postura em relação à diferença for essa, é complexa. Claro que a situação no Médio Oriente é mais difícil porque há uma história de conflitos entre as comunidades. Normalmente não tem nada a ver com questões religiosas, mas depois vai bater às questões religiosas. Não é a religião a promovê-la, mas a religião muitas vezes também não dissuade. As pessoas precisam de linguagens para a sua revolta. As artes ajudam a dá-las e, às vezes, a religião também. E isso pode ser uma mistura explosiva. Porque a violência tanto pode ser curada, como pode entrar para ser encorajada. A violência existe dentro de nós e ela vai-se exteriorizar. A religião é um campo onde a violência também é trabalhada. Resta saber se bem ou mal. Há uma história em que nem sempre a religião, seja por parte de comunidades cristãs ou muçulmanas, tem ajudado a integrar bem a violência porque o perdão é difícil para todos.