Beatriz Bernardo, de 21 anos, nasceu em Lisboa, mas com apenas dois anos veio viver para Armação de Pêra com a família que é toda algarvia.

No dia 23 de setembro passado chegou a São Tomé e Príncipe para uma missão de pelo menos um ano pela mão da ‘Leigos para o Desenvolvimento’, uma ONGD (Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento) católica ligada aos jesuítas.

Aquela missionária, que participou na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa como voluntária na área da segurança, refere que antes daquela experiência “a decisão já estava tomada, mas foi uma ótima forma de a confirmar”. “A ideia da alegria missionária, de nos desinstalarmos sem medo, de ir ao encontro do outro e ir sem medo. Ou ir mesmo com medo. Houve ali muitos pontos importantes para confirmar que era este o caminho”, explica.

Beatriz cresceu ligada à paróquia de Armação de Pêra, tanto na catequese como no coro, mas, quando a passagem para o ensino secundário a obrigou a ir estudar para Portimão, integrou-se no grupo de jovens da paróquia de Nossa Senhora do Amparo daquela cidade.

Conheceu então os sacerdotes jesuítas, ao cuidado dos quais se encontra aquela paróquia, e mais tarde, quando foi estudar para Lisboa, integrou o CUPAV – Centro Universitário Padre António Vieira, organização também ligada aos jesuítas a que já os seus pais haviam pertencido.

Foto © Leigos para o Desenvolvimento

Nos últimos dois anos na capital começou a participar nas Eucaristias naquele espaço e foi numa delas que descobriu a ‘Leigos para o Desenvolvimento’. “Conheci a organização numa altura de angariação de fundos, em que no final da Missa foi apresentado o projeto e explicado o que estava a ser feito. Fiquei curiosa e comecei a segui-la nas redes sociais. Na altura achei o projeto mesmo interessante e que também encaixava comigo, mas como estava no primeiro ano da faculdade não me fazia ainda totalmente sentido por não ter ainda a disponibilidade para o aceitar”, testemunha.

“Este ano, no Instagram, apareceu um anúncio a dizer que ia haver uma reunião. Inscrevi-me e comecei a conhecer melhor o projeto e a perceber que a preparação incidia muito sobre a formação humana. Por isso, mesmo que não pensasse partir em missão, fazia-me muito sentido essa componente formativa”, acrescenta, explicando que desde a primeira reunião, em novembro do ano passado, continuou a participar nas reuniões quinzenais no CUPAV até seguir para São Tomé e Príncipe.

Aquela preparação incluiu ainda, no final de cada módulo formativo, um encontro de fim de semana em cada um dos quatro núcleos espalhados pelos país. Para além destes encontros, fazem ainda exercícios espirituais de seis dias que diz serem um “tempo privilegiado” para o discernimento. “É nos exercícios que também confirmamos aquilo que andámos a discernir ao longo do ano. Uns vão com já muitas certezas, outros com muitas incertezas. Eu já ia com uma decisão meio tomada que foi muito confirmada durante os exercícios”, conta.

A missionária confessa que desde cedo sentiu o apelo a se “desinstalar” para se colocar “ao serviço” num país de missão, mas sublinha que a oportunidade ter aparecido no final da licenciatura em Matemática Aplicada foi perfeito. “Foi o juntar de uma coisa de que eu gostava muito com o timing certo”, considera, explicando que “África era uma possibilidade, mas se fosse noutro lugar também iria”.

Beatriz Bernardo seguiu para São Tomé e Príncipe com mais dois jovens: Lourenço Sarávia e Pedro Bacalhau. Estão alojados no bairro da Madre de Deus da cidade de São Tomé, numa casa da diocese local. Os missionários portugueses estão a trabalhar no projeto “Roteiro da Boa Morte”, um roteiro interpretativo naquele outro bairro da periferia da capital são-tomense que lhe empresta o nome e que acolhe cerca de 6.000 habitantes.

A iniciativa de turismo comunitário — nascida no âmbito do Projeto ReCriar o Bairro, dinamizado pela ‘Leigos para o Desenvolvimento’ e financiado pelo Instituto Camões e pela Fundação Calouste Gulbenkian — apresenta-se como um “produto único, diferenciado e focado na promoção e divulgação da enorme riqueza cultural” ali existente, agregando história, arte e artesanato. “É uma forma diferenciadora de conhecer a alma, as pessoas, de entrar na vida são-tomense”, resume a missionária, explicando que é muito fácil visitar o país, as praias e os pontos turísticos, sem conhecer o âmago daquele povo e que o projeto “é mais vocacionado para uma faixa etária jovem porque os jovens são muito dinâmicos e muito bons a contar a história” local.

A organização missionária refere que “à semelhança de outras realidades das periferias dos centros urbanos, registam-se focos de pobreza, dificuldades no acesso ao emprego, à formação, à educação e à saúde e fracas condições de habitabilidade”. “Muitos dos seus habitantes migraram das «roças» para a cidade na expectativa de melhorar as suas condições de vida, mas a proximidade ao centro da cidade não significa em muitas das vezes um acréscimo de oportunidades e aqui deixaram de ter acesso à terra que lá lhes garantia a subsistência alimentar básica. O bairro revela um dinamismo associativo e comunitário atípico, com grande número de grupos informais de teatro popular, dança, música e desporto”, acrescenta.

“Estamos a fechar a missão no bairro da Boa Morte e o objetivo é entregá-la à comunidade em junho. Os projetos já estão autónomos e nós terminamos este processo de acompanhamento. Em junho vamos começar a missão em Praia Melão, uma zona mais perto do mar”, refere Beatriz Bernardo, explicando que Pedro Bacalhau começará a introduzir-se naquela localidade para fazer o reconhecimento de entidades que devam integrar o grupo de trabalho. “Os nossos projetos começam todos a partir de um grupo comunitário que reúne diversas entidades de vários setores das comunidades. É a partir daí que se discutem os problemas que existem para chegar a conclusões”, realça, acrescentando que os projetos da ONGD católica surgem de necessidades que a própria comunidade identifica.

A jovem explica que os missionários são enviados pela Igreja, mas os projetos “não estão vinculados com a Igreja”. “Muitas vezes, as pessoas com quem trabalhamos são de outras Igrejas que não a Igreja Católica ou nem sequer estão ligadas a nenhuma religião”, acrescentou, explicando que isso acontece até “para não ser um entrave” ao trabalho com todos.

Em Praia Melão, o projeto “Bairro Limpo” surge da perceção da comunidade de que a gestão do lixo é uma questão importante. “Não há sequer caixotes de lixo. Reciclagem também não existe. Neste bairro, os caixotes de lixo serão implementados por este projeto, bem como a recolha de lixo. Também é muito bom perceber que eles são sensíveis a isso e que é um problema que querem solucionar”, conta a missionária.

Beatriz Bernardo conta que o último mês e meio foi de “adaptação a uma nova vida, a uma nova cultura”. “Agora conseguimos sentir-nos adaptados. Já estamos mais inculturados. De facto, é uma cultura completamente diferente da nossa”, constata, testemunhando que “as pessoas estão todas à vontade umas com as outras”. “Tem sido uma riqueza tudo o que tem acontecido”, avalia, adiantando que no final de maio do próximo ano os missionários voltarão a realizar exercícios espirituais para perceber “se faz sentido ou não” prolongarem a experiência.