
Juntamente com o Natal, a Semana Santa é a mais importante festividade cristã, pois celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. “A Paixão de Cristo” que, segundo a teologia cristã, corresponde aos acontecimentos que vão da Última Ceia até à Crucificação e Ressurreição de Jesus, inspirou ao longo dos séculos milhares de artistas que expressaram através da arte a fé e devoção dos povos cristãos pelo Filho de Deus.
Dada a sua importância no contexto regional, a cidade de Faro, elevada a sede de Bispado em 1577, gerou uma significativa encomenda artística que, como não poderia deixar de ser, incluiu várias pinturas representando as diferentes cenas da Paixão de Cristo. Entre os exemplares mais representativos que atualmente subsistem nas coleções de pintura da capital algarvia, destacam-se 4 tábuas datadas do final do século XVI, representando: “Jesus no Horto”, “Flagelação”, “Ecce Homo” e “Cristo com a Cruz às Costas”.
Acredita-se que estas pinturas, em exposição no Museu Municipal de Faro, tenham sido executadas para o altar quinhentista de uma das igrejas da cidade, talvez a da Misericórdia, que foi incendiada pelos corsários do conde de Essex em 1596. Independentemente das atribulações porque terão passado, as 4 tábuas foram reaproveitadas, tendo sido recolhidas na Ermida de Santo António do Alto e posteriormente integradas pelo Professor Pinheiro e Rosa nas coleções do Museu Municipal.
Aproximadas por Vítor Serrão à oficina de Gaspar Dias, estas pinturas revelam, na opinião de Joaquim Caetano, a influência de António Campelo. Ambos os artistas foram bolseiros régios na cidade eterna, e o seu estilo romanista influenciou profundamente a geração de pintores portugueses ativos durante o ultimo quartel do século XVI e o primeiro quartel do século XVII, sendo muito provável que o anónimo autor das 4 tábuas de Faro seja o representante de uma oficina regional algarvia que realizou a sua aprendizagem na oficina Lisboeta de um destes mestres.
Agonia no horto
Então, Jesus chegou com eles a um lugar chamado Getsémani e disse aos discípulos: “Ficai aqui enquanto eu vou além orar”. E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. Disse-lhes então: “A minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai comigo”. E adiantando-se um pouco mais caiu com a face por terra, orando e dizendo: “Meu Pai, se é possível passe de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas, como Tu queres”. Mateus 26:36-39.

Esta cena da Paixão de Cristo que serviu de inspiração a artistas como Andrea Mantegna, Luca Giordano, El Greco e Carl Bloch, foi bem representada pelo pintor “farense”. Todo o conjunto apresenta as características da pintura maneirista, nomeadamente o alongamento excessivo das figuras e uma certa deformidade das poses que, aliada a um cromatismo forte, contribui para o sentido de teatralidade que caracteriza o maneirismo.
Na mesma Exposição de Pintura Antiga do Museu Municipal de Faro, onde se encontram estas 4 tábuas, é também possível apreciar um “Cristo Flagelado”, obra do século XVI. Desconhece-se o seu autor, mas trata-se de uma pintura que segue o estilo da Escola Italiana, pois é, segundo o Professor Joaquim Caetano, uma réplica do modelo leonardesco.
Jesus é sepultado
Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, ainda que em segredo por medo dos judeus, pediu a Pilatos para levar o corpo de Jesus. Pilatos permitiu-lho. Veio, pois, e tirou o corpo. Veio também Nicodemos, aquele que anteriormente, se dirigira de noite a Jesus, trazendo uma composição de quase cem libras de mirra e aloés. João 20:38-39.
Esta cena da Paixão de Cristo, brilhantemente representada por artistas como Peter Paul Rubens e Rembrant, permitiu ao português Diogo Teixeira demonstrar o seu talento numa “Descida da Cruz”, que se encontra presentemente na sacristia da Igreja de São Pedro. Trata-se de uma pintura a óleo sobre madeira de castanho que muito provavelmente terá integrado, juntamente com outras pinturas, o retábulo quinhentista da capela-mor desta igreja.
Nesta obra, considerada por Vítor Serrão como um dos mais importantes exemplares da pintura maneirista que subsistem no Algarve, Diogo Teixeira revela a sua mestria no uso da cor e na criação de formas e volumes de grande expressividade que dão vigor às figuras.
Na Igreja de São Pedro podemos ainda encontrar uma “Ultima Ceia”, atribuída a Domingos António Sequeira, um dos mais importantes nomes do neoclassicismo português. Segundo o Professor Horta Correia, esta obra foi encomendada no início do século XIX pelo Bispo D. Francisco Gomes do Avelar para o refeitório do Seminário Episcopal, revelando na sua composição a influência do grande pintor francês Nicolas Poussin, em particular a série dos Sete Sacramentos1. Dado o estado de degradação em que se encontrava, a paróquia de São Pedro enviou recentemente esta importante pintura para um laboratório de restauro, motivo pelo qual não poderá, durante alguns meses, ser apreciada pelos crentes e os turistas que visitam a igreja.
De grande beleza e significado religioso, estas pinturas constituem não só importantes tesouros artísticos, essenciais para compreender a história da arte portuguesa, mas também preciosos testemunhos de uma vivência da fé que encontrou na arte um dos principiais instrumentos do culto católico.
Jorge Carrega
1Inventário da Pintura do Concelho de Faro, CMF, 1999, p. 171.