
Os alunos do 5º ao 9º ano de escolaridade do Agrupamento de Escolas Professor Paula Nogueira, em Olhão, ofereceram 63 mochilas com diverso material escolar para alunos carenciados de São Tomé e Príncipe.

As mochilas destinam-se a estudantes da Escola Mãe Clara do Projeto de Desenvolvimento Integrado de Lembá (PIDL), gerido pela Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC), que abrange o 1º e 2º ciclos do ensino básico com cerca de 1200 alunos.

O apoio ao PIDL está a ser promovido pelos sacerdotes da Congregação do Espírito Santo (espiritanos), também conhecidos como Missionários do Espírito Santo, no âmbito do ‘Abraçar a Missão’, um projeto de voluntariado missionário internacional de curta duração daquela congregação, iniciado em 2016 com Angola e alargado o ano passado a São Tomé e Príncipe.

Na passada sexta-feira, o material escolar foi entregue ao representante do projeto que se deslocou ao Algarve. “Quero dizer-vos do fundo do coração em nome dos meninos de São Tomé e Príncipe: muito obrigado!”, agradeceu o padre Nuno Rodrigues, sacerdote espiritano, que veio acompanhado do padre Paulinus Anyabuoke, da mesma congregação, que trabalha nas paróquias de São Brás de Alportel e Santa Catarina da Fonte do Bispo.

“Não somos só cidadãos de Olhão, nem cidadãos só de Portugal. Somos do mundo inteiro e isto significa que temos de saber abraçar o mundo em todas as circunstâncias e não pensar só onde vivo e nas condições em que vivo”, afirmou o sacerdote, desafiando cada um dos presentes a “estar em contínuo ato de solidariedade” e a não esperar que “haja terramotos ou inundações”. “Não fiquem indiferentes, de braços cruzados. Procurem, acima de tudo, fazer sempre algo pelos outros”, pediu.

“O que é que custa dar um lápis ou uma esferográfica? Nada!”, acrescentou, assegurando que esse simples gesto ajuda à formação de outras crianças e jovens e que os “gestos pequeninos” permitem “mudar o mundo”. “Vi os professores a pegarem num caderno agrafado de 80 folhas, desagrafarem-no e fazerem dois de 40 folhas. Vi os professores a partirem um lápis em três para dar para três alunos. Se vos perguntar quantos lápis vocês gastam durante um ano letivo ultrapassa os quatro. E eles, com aquele pedaço de lápis, tem de aguentar todo o ano, não partem, não afiam à toa”, contou, explicando que a criança que receber o material das mochilas doadas vai partilhá-lo “com três, ou quatro ou cinco colegas ou com os irmãos em casa”. “Eles partilham muito as coisas. Cheguei a dar uma bolacha na rua a uma criança e depois aparecem logo um monte de crianças. Essa criança pega na bolacha, parte em bocadinhos e partilha com os outros”, exemplificou, confessando ter aprendido “lições de vida espetaculares”.

O padre Nuno Rodrigues contou que a ideia da iniciativa ‘Mochila Solidária’ surgiu o ano passado quando foi a São Tomé e Príncipe com mais 13 missionários do ‘Abraçar a Missão’ e constatou que “a maior parte dos alunos” não tem material escolar. “Muitos ficavam fora da escola porque os pais não tinham condições de comprar”, testemunhou, acrescentando que “os filhos mais velhos têm que ficar em casa a trabalhar e só os mais novos é que tem a sorte de vir à escola”.

Para além disso, o sacerdote contou que os alunos acordam às 5h e têm de caminhar descalços cerca de sete quilómetros até à escola. “Começava a dar as minhas aulas às 7h30 da manhã e percebia que no primeiro tempo as meninas e alguns rapazes desmaiavam”, relatou, explicando que para além de se levantarem cedo e andarem longas distâncias a pé, os estudantes “vinham para a escola em jejum porque não tinham pequeno-almoço para tomar em casa”.

Não obstante estas dificuldades, aquele missionário, que já trabalhou 14 anos em Cabo Verde, destacou que os alunos têm “grande vontade de aprender”, lembrando que a escola tem apenas oito salas de aulas. “Muitas aulas, dava debaixo da árvore ou então ia com os meus alunos para a praia”, recordou.

O padre Nuno Rodrigues acrescentou que foram agora enviadas para São Tomé e Príncipe 35 bicicletas novas, oferecidas por uma cadeia de lojas de material desportivo e disse que está também a promover uma campanha de doação de plasticina para levar no próximo verão. “Sei que quando for lá agora em agosto, quando a plasticina lá chegar vai ser uma festa de todo o tamanho”, antecipou, acrescentando que o mesmo acontecerá com as mochilas que serão carregadas num contentor no dia 29 deste mês. “Vocês não vão imaginar a alegria. Eles não vão ver se é de marca. Vão abrir, vão ver o que é que tem e vão estar sempre a dizer uma palavra, felizes com os olhos a brilhar: obrigado!”, prosseguiu.

O sacerdote, que apresentou um vídeo do trabalho realizado no último verão, deixou ainda um último desafio aos alunos. “Gostava que dois, três ou quatro fossem a São Tomé e Príncipe com um ou dois professores. Desafio-vos a isso sabem porquê? Porque os vossos olhos têm que ver outra realidade. Acredito que se vocês forem, vão aprender muita coisa boa e o vosso coração vai transformar-se”, propôs.

Ao Folha do Domingo, o padre Nuno Rodrigues explicou que tem havido muita adesão das escolas portuguesas à iniciativa das mochilas e também as catequeses paroquiais têm contribuído com doações de material escolar. O sacerdote acrescentou que também no Algarve tem havido “uma grande divulgação”.

O Paulinus Anyabuoke, que tem estado a promover a iniciativa das mochilas no Algarve, acrescentou que a mesma “está a dar um bom resultado”. “Já visitamos várias paróquias e também algumas escolas e estamos a ter uma boa colaboração da parte dos párocos, dos jovens, da catequese e catequistas. Está a correr bem”, considerou.

O padre Nuno Rodrigues adiantou que a próxima campanha será de alimentos não perecíveis para a cozinha e refeitório social em construção na Escola Maria Clara, orçamentado em 55.000 euros, que vai possibilitar a distribuição de refeições diárias não só às 1.200 crianças desfavorecidas, mas também a idosos abandonados. “Temos de lançar o banco alimentar porque as irmãs Franciscanas gastam cerca de 9.000 euros por mês para dar estas refeições”, afirmou, desejando que a inauguração da cozinha e do refeitório se possa realizar em setembro deste ano.

O diretor do Agrupamento de Escolas Professor Paula Nogueira agradeceu a participação dos alunos. “Fiquem imbuídos deste espírito para futuras campanhas porque nós desperdiçamos muito e podemos aproveitar muito mais daquilo que são as nossas possibilidades”, pediu-lhes Carlos Gaspar.

“Queria também agradecer à Igreja Católica por trabalhar em São Tomé e criar melhores condições para os vossos colegas e também agradecer por nos dar esta possibilidade de aprendermos a ser solidários”, prosseguiu aquele professor que contou ao Folha do Domingo que a iniciativa partiu da Igreja Católica e que o agrupamento aderiu por perceber que se tratava de uma “campanha para ajudar a sério”.

A coordenadora pedagógica do agrupamento escolar que implementou a iniciativa explicou que o desafio foi lançado aos diretores de turma. “Cada miúdo trouxe aquilo que podia. Alguns trouxeram as mochilas completas, outros trouxeram lápis, borrachas ou canetas. Os diretores de turma uniram-se e foram completando as mochilas. Os que traziam a mais ajudavam a completar as mochilas de outros colegas. Muitos professores também deram o exemplo e também compuseram a sua mochila solidária”, contou Corina Jesus.

Na sessão de entrega das mochilas, aquela professora deixou ainda um desafio ao representante dos delegados de turma. “No início do próximo período espero que juntes um maior número de alunos para passar a mensagem de tudo o que ouviste hoje. Na próxima campanha temos de ser mais”, pediu ao aluno.