
O conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, veio a Faro na passada sexta-feira explicar que o bispo do Algarve entre 1789 e 1816 foi o responsável pela introdução do neoclassicismo em Portugal.
Anísio Franco apresentou, no Seminário de São José de Faro, uma conferência sobre o tema “A encomenda de pintura figurativa pelo bispo do Algarve, D. Francisco Gomes do Avelar”, no âmbito do programa, promovido pela Diocese do Algarve, que assinala o segundo centenário da morte do prelado, natural do lugar de Matto, Termo de Alverca, atual freguesia da Calhandriz (concelho de Vila Franca de Xira).
Aquele técnico superior do Museu Nacional de Arte Antiga explicou que o prelado antecipou a introdução do Neoclassicismo em Portugal em cerca de 10 anos, frisando que a inserção do vocabulário neoclássico ocorreu não apenas em termos arquitetónicos, mas também de pintura.

Anísio Franco destacou o mecenato artístico de D. Francisco Gomes do Avelar, particularmente ao nível da importação de pintura, considerando que a ação do bispo também naquela área “marcou absolutamente”. “É um homem moderníssimo no seu tempo”, afirmou, lembrando que para a aquisição do apurado gosto artístico foi decisiva a passagem por Roma (Itália) durante dois anos, de 1786 a 1788, a convite do cardeal Vincenzo Ranuzzi, seu amigo e confessor. “O que é extraordinário é que em dois anos apenas, ele apercebe-se da movimentação estética e filosófica que está a acontecer. O gosto do bispo foi mudado nesse modernismo enquanto esteve em Roma”, constatou Anísio Franco, lembrando que a estadia de D. Francisco Gomes do Avelar em Itália permite-lhe contactar com a comunidade artística italiana, particularmente com o arquiteto Fabri que depois será o intermediário na importação de pinturas para os seus programas e o seu conselheiro particular.
O conferencista lembrou ainda que a maioria das encomendas é feita ao pintor Marcello Leopardi e, depois, a discípulos deste como Tommaso Conca, “mas já como recurso”. “O gosto de D. Francisco Gomes do Avelar estava mais próximo do Leopardi, a quem ele importa o maior número de pinturas que chegaram até nós e que são essenciais para o programa que o bispo desenhou”, afirmou.

A propósito disto, Anísio Franco sublinhou a posição de destaque que o Museu Municipal de Faro adquiriu no panorama museológico nacional por ser detentor de um grupo “ímpar” de obras de arte, particularmente de importação italiana, nomeadamente de produção barroca e tardo-barroca até ao neoclassicismo. “É muito significativo o número de obras de arte de gosto italiano, provavelmente importadas também pelo bispo [José Pereira de] Lacerda (1716-1738), mas também de outros, para além dele”, considerou, acrescentando que D. Francisco Gomes do Avelar deu continuidade a esta “tradição de encomenda e de importação” artística.
O conservador do Museu Nacional de Arte Antiga lembrou que deste período o Museu Nacional de Arte Antiga tem “muito pouca” pintura. “Nem o Museu de Évora tem. Setúbal, nem pensar. E Aveiro tem os que são depósitos nossos”, afirmou, sugerindo que o museu de Faro reorganize a sua exposição por forma a tirar maior partido do seu espólio de pintura desta época.
Na conferência, participada pelo atual bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, e pelo vigário-geral da diocese algarvia, o cónego Carlos César Chantre, e pelo vigário episcopal para a pastoral, o cónego José Pedro Martins, bem como por historiadores e vários técnicos e alunos da Universidade de Algarve, Anísio Franco considerou ainda que para esta significativa importação artística de Roma concorreram os acessos privilegiados, através de Sevilha, à bacia mediterrânica e equacionou que possam ter existido mais obras para além das conhecidas.
O conferencista lembrou que o arquiteto Fabri acabaria por ser chamado à corte nacional para ser o responsável, juntamente com o arquiteto régio José da Costa e Silva, pelo redesenho do anterior projeto tardo-barroco do Palácio Real da Ajuda para o novo gosto neoclassicizante, introduzindo assim o neoclassicismo em Lisboa.
O programa de comemorações do bicentenário da morte do bispo do Algarve, que prossegue conforme anunciado, iniciou-se no passado dia 20 de maio, na catedral de Faro, com a apresentação da ‘Cantata Mundi’, de Rodrigo Leão, com arranjos do barítono Rui Baeta e de Ana Margarida Encarnação, interpretada pelo Coral Ossónoba, orquestra e órgão histórico da catedral, tendo como solista o próprio Rui Baeta.