
Foi apresentada no passado dia 25 de março a publicação “Mãe Soberana: A Força do Amor”, composta por 163 fotos de três fotógrafos – Fernando Correia Mendes, Luís Henrique da Cruz e Vasco Célio – sobre a festa de Nossa Senhora da Piedade, em Loulé, com curadoria do historiador João Chagas Aleixo.

Na sessão de apresentação, que teve lugar no espaço da Assembleia Municipal da cidade, foi dito que “este livro pretende dar a conhecer o olhar destes artistas sobre esta manifestação religiosa e cultural com imagens capturadas desde os anos 80 do século passado” até ao ano 2016 e que integraram duas exposições que estiveram patentes no Convento de Santo António de Loulé de março a junho de 2016 e de abril a maio de 2017 com um total de 10.974 visitantes.

“Trata-se de um álbum fotográfico que mostra as várias dimensões do culto a Nossa Senhora da Piedade, localmente venerada como Mãe Soberana. Mas é também mais um passo no caminho da salvaguarda e da valorização desta manifestação de Património Cultural Imaterial, cuja candidatura ao inventário nacional do Património Cultural Imaterial foi iniciada já em 2015”, explicou-se.

Isso mesmo o confirmou a diretora municipal Dália Paulo ao lembrar que a ideia de reunir aquele acervo fotográfico partiu do desafio que lhe foi apresentado por Vasco Célio quando ainda era a responsável da divisão de cultura da Câmara de Loulé. “Disse que tinha um contributo a dar para o trabalho feito no âmbito da inscrição no inventário nacional de Património Cultural Imaterial”, recordou, lembrando que a proposta do fotógrafo incluía a participação dos outros dois autores.

João Chagas Aleixo explicou que o seu papel enquanto curador “foi sempre, em intenso diálogo com os autores, a seleção das imagens para a presente edição”. “Foi minha intenção efetuar uma abordagem mais antropológica e sociológica do culto em geral e da festa em particular”, explicou o historiador, que, para além do texto preambular, escreveu ainda uma introdução para cada um dos portefólios individuais. “Cada uma dessas introduções constitui assim uma espécie do meu olhar sobre cada um dos olhares individuais dos artistas”, justificou.

O curador acrescentou que “no portefólio do Fernando de Mendes foi utilizado um critério mais histórico, selecionando artérias e equipamentos que há já alguns anos deixaram de fazer parte do percurso processional”. “No trabalho do Luís da Cruz foram privilegiados um maior conjunto de momentos, tanto públicos como privados, o sentimento vivido e demonstrado pelos devotos e, finalmente, as múltiplas faces do amor: o amor paternal, o amor filial, o amor entre colegas, o amor entre amigos, o amor entre casais e o amor entre familiares. Portanto, a força do amor”, prosseguiu, acrescentando que no portefólio de Vasco Célio o critério tido em conta “foram as características cinematográficas e dramáticas da função dos homens do andor”.

Chagas Aleixo evidenciou a diferença também notória ao nível da edição cromática, explicando que Fernando Mendes, não presente na sessão de apresentação por residir fora de Portugal, optou pela v0065rsão monocromática de todas as suas imagens, Luís da Cruz por algumas fotografias a preto e branco e outras a cores e Vasco Célio por todo o seu trabalho a cores.

O historiador destacou ainda que a obra contém “duas formas diferentes de fotografar o mesmo objeto de estudo: por um lado a forma escolhida pelo Fernando Mendes e, por outro, a forma a eleita pelo Luís da Cruz e pelo Vasco Célio”. “Fernando Mendes escolheu a retratar as festas à distância, espreitar a festa de fora, olhar de fora para dentro e, por isso, nunca integrou o cortejo processional. Por outro lado, Luís da Cruz e Vasco Célio preferiram idealizar e realizar um trabalho mais intimista porque próximo. Para tal idealizaram uma abordagem mais próxima, tendo escolhido para o efeito e incorporar o cortejo processional. As abordagens do Luís da Cruz e do Vasco Célio tratam-se assim de abordagens mais concretas e objetivas, justamente porque ambos preferiram deambular pelo corpo da procissão, captando-a através de enquadramentos e de ângulos mais aproximados”, afirmou o historiador que na publicação se refere assim a uma “trilogia dos olhares” dos fotógrafos.

Luís da Cruz testemunhou que a sua contribuição para a obra “parte da grande vontade de fotografar” a procissão da festa. “Eu queria dar prioridade à narrativa. Queria criar uma linha, uma pequena história com princípio meio e fim da festa. E foi assim que constitui o meu corpo de trabalho”, contou.

Vasco Célio disse que “cada fotógrafo que olha para esta festa com alguma seriedade consegue recolher imagens e ir guardando um bocadinho da história”. “É isso que este livro é. É um bocadinho de história de vários anos”, considerou, frisando que a recolha fotográfica surge “por interesse pessoal”. “A única coisa que queremos é ir criando o nosso olhar e ter uma obra artística, autoral, sobre aquilo que são as manifestações do nosso concelho”, disse, manifestando-se a favor da continuidade do presente trabalho, que considerou “um ato de amor” dos autores, com “um projeto mais ambicioso de fazer um arquivo concertado de fotografias sobre a Mãe Soberana”.

O pároco de Loulé, padre Carlos de Aquino – que resumiu o culto à Senhora da Piedade num soneto de sua autoria que dedicou aos homens do andor “presentes e aos que já foram” – garantiu que a comunidade crente “se sente muito orgulhosa por mais este contributo”.
O presidente da Câmara de Loulé assegurou que “tudo o que disser respeito à identidade profunda dos louletanos só pode merecer o apoio sem reservas, nem preconceitos de qualquer espécie, da parte do executivo municipal”. “A Mãe Soberana pode e deve constituir um traço identitário patrimonial”, reforçou Vítor Aleixo, evidenciando o valor da “obra iconográfica” apresentada. “Estas fotografias são extraordinárias, tem uma força fora do comum. Aqui vemos o amor à Mãe Soberana. Aqui vemos a força dos homens do andor. Aqui vemos o homem colocar-se no seu lugar perante o desconhecido e perante aquilo que é muito superior à mera dimensão humana”, observou.

A edição da Câmara de Loulé, constituída por 211 páginas com tradução em línguas inglesa e francesa, apresenta pormenores de realce como a impressão a ouro na capa e na lombada ou a cinta com a impressão do hino à “doce Mãe da Piedade”.