
A actividade missionária dos primitivos cristãos é muitas vezes referida através dos textos bíblicos mas, a alusão da presença de S. Paulo na Hispânia (“Epístola aos Romanos” 15,24 e 28) é uma referência do “Novo Testamento” que não deverá ser desprezada. Atesta uma ancestral congregação cristã (Eclésia) no território provincial ibérico e, no espaço geográfico mais afastado de Roma (“Hispaneae Ulteriore”). A extraordinária acção apostólica de S. Paulo, ter-se-á estendido naturalmente até à antiga província da Ibéria. A sua presença evangelizante no extremo da “Oikoumene” (“terra habitada”) e na “Lusitaniae” parece-nos quase “inconcebível” mas, sem razão. A dispersão territorial da Eclésia na Lusitânia foi um facto, atestado pelos historiadores logo no século II mas, essa difusão ainda não é assinalada por lacuna arqueológica interpretativa, e sucedida a partir da centúria “nascente” e mais “primitiva”. Ao abordarmos o século I, tudo se torna nebuloso e inverosímil, no entanto, essa fase apostólica existiu deveras. Tal como as primeiras personalidades históricas da Patrologia apostólica (Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna), sendo atestado arqueologicamente “que a Basílica de S. Clemente, em Roma, se eleva sobre os alicerces da sua residência” (3) do século I-II, precisamente. Toda a História da Eclésia tem de assentar no cristianismo primitivo e, nessas “colunas” que são os primeiros “Discípulos”, “Diáconos”, “Varões” e “Apóstolos”, junto com a acção de muitos outros relevantes evangelizadores ulteriores. Toda a Patrística protocristã fundamenta esse facto, e essa imensa “assembleia” de “Padres da Igreja” e distintos literatos dos séculos I, II e III não se limitaram ao Oriente. A sua marcante missão educativa foi ecuménica e, paralelamente, junto aos influentes autores clássicos Platão, Aristóteles, Cícero e Virgílio, estendendo-se até ao extremo ocidental, incluindo a Bretanha. Ou a setentrião europeu, pisando os territórios da antiga Germânia.
No nosso território (“Lusitaniae”), existem suspeitas de actividade missionária (“7 Varões Apostólicos”) e, através da lendária acção de S. Tiago. Depois, é igualmente preparada pela actividade literária e evangélica, “inaugurada com a dispersão dos helenistas” (4) oriundos do norte de África e da primitiva Escola Cristã de Cartago. São inúmeras as lápides funerárias espalhadas pelo Algarve e Alentejo com nomes gregos, atestando a antiguidade destes locais de culto e Ensino protocristão, bem como de baptistérios e cemitérios importantíssimos ligados, paralelamente, às respectivas “Eclésias” ou antigas “Basílicas”. A lacuna arqueológica e arquitectónica dos séculos I-II, apenas se relacionam com a ainda diminuta família protocristã e, sobretudo pela sua antiguidade, com a obliteração dos vestígios primitivos em alterações construtivas adicionais e, de períodos subsequentes. Muitas das Basílicas espalhadas pelo antigo império romano assentam em primitivas “Casas”, com muitos subterrâneos arqueológicos, vestígios ancestrais que estão visíveis e patentes por todo o mundo.
A relação concomitante com o paganismo, também contribuiu para o aparente obscurecimento dos sinais e testemunhos arqueológicos nitidamente cristãos. A Ara de “Tatianus” com caracteres gregos e do séc. II-III, achada no Algarve, é bem paradigmática dessa herança confusa pagano-cristã. Hoje, ainda se estuda no Seminário de S. José em Faro, a sua origem protocristã, investigando-se com base na língua grega a sua significação reveladora cristã mas, com evidências formais e simbólicas híbridas, e paralelas herdadas do paganismo. Jovens seminaristas têm tido um papel importante nessa pesquisa ancestral, firmada na Patrologia, e do tempo da vetusta “Ossonoba” mas, também a partir da enigmática cidade de “Balsa”.
(continua)
*ARQUITECTO E ENSAÍSTA
(2) "Judaísmo e Cristianismo Antigo", p.114.
(3) "Patrologia", p.55.
(4) "Judaísmo e Cristianismo Antigo", p.110.
O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico