Em Milreu (Estoi), Centro arqueológico e Religioso, o retrato da “Augusta Julia ”, mulher de Domiciano (81-96), um magnífico busto em alvinitente mármore e achado nesta “Domus” ossonobense, faz jus a outra relação imperial mas, coexistindo com muitos outros achados escultóricos de grande relevo (cabeças de Adriano e Galiano), em paralelismo administrativo, governativo mas, essencialmente, numa ligação íntima privada cristã. O outro excelente busto marmóreo da imperatriz “Agripina minor”, perfaz a quarta personalidade de índole imperial, e é também de Milreu, e do século I. É a mais antiga escultura representativa, e é precisamente a mãe de Nero (54-68) e, diz-se, às mãos deste imperador “eliminada”, noutra intempestiva acção deste César “sanguinário”. Mas, acima de todas estas representações escultóricas imperiais, e junto aos valiosos mármores com o busto de Adriano (117-138) e, sobretudo do imperador Galiano (c. 253,260-268), reconhecemos uma relação religiosa filo-cristã de facto, e na marcante transposição entre os séculos II-III.

Doutro dicionário, retiramos o relevante significado arquitectónico do termo “Adrianeus”: “Igrejas construídas em Roma pelos primitivos cristãos, com autorização do Imperador Adriano, de quem tomaram o nome”(10). O Augusto “Adrianus”, e o seu precedente Antonino “Pius” (138-161), pertenceram à “primeira” fase de paz religiosa, época tolerante relativa aos principais imperadores “Antoninos” do século II. E o imperador Adriano foi considerado benevolente para com os cristãos, legislando nesse sentido, e como reflexo da sua amenidade institucional e judicial. É dessa época que se assiste à maior difusão da nova religião, e que “atingiu as províncias ocidentais e penetrou nos círculos intelectuais e militares”(11). Entretanto, pequenas fases intervaladas e de perseguições geralmente curtas mas, acutilantes, interrompem a paz religiosa.

A função militar também teve um papel preponderante na difusão do Cristianismo e, a partir da África setentrional (Cartago). É relevante o papel irradiador da falange de cavaleiros (“Vexillationes”), desde muito cedo no período dos Antoninos, e estabelecidos na Hispânia acantonados na actual cidade de León na Galiza e a que deu o nome: “Legio VII Gemina”. Esta legião teve também testemunho epigráfico na monumental cidade arqueológica de “Italica” (cerca de Sevilha, Santiponce) e, considerada a cidade “berço” de Adriano. Muitos vestígios da sua origem norte-africana fazem com que estas tropas romanas, fundassem também outro elo importantíssimo com a religião cristã, e a “Legio VII Gemina” mostrou-se decisiva no estabelecimento da “pax romana”, sobretudo na província da Bética mas, também na Galécia.

Com Galiano, sabe-se que este imperador foi o novo impulsionador dos “Vexillationes”, a tal cavalaria que se desenvolveria já em pleno século III. Este César seria determinante para o marcante início do período da “Pequena Paz” de 40 anos de expansão religiosa e já atrás apontada, e outro príncipe tolerante para com o cristianismo junto à imperatriz e “Sanctissimae Augusta” Cornélia Salonina, ponderada sem dúvida como filo-cristã. O historiador Eusébio, em relação a este imperador, refere-se a ele por várias vezes e, abonando ser “mais santo e mais agradável a Deus” («H.E.» L.VII, 23,4). No mesmo capítulo, “Reinado de Galiano”, afirmaria (citando por sua vez outro “Padre da Igreja”, Dionísio), e com convicção, que teria sido através da “paz sob Galiano” que se constituiu outra fase fecunda da Igreja nascente, e a “pulverização” cintilante do cristianismo pelo “império … ”. E ainda reconfirmando que, devido a esse período pacífico e expansivo, o império “ … agora floresce de forma mais brilhante; visível de lugares mais distantes, mais longe é ouvido e difunde-se por toda a parte” («H.E.» L.VII, 23,3). O mesmo terá acontecido à instituição eclesiástica hispânica que, liberta da atitude persecutória anterior de Valeriano, teria tido uma expansão significativa a partir do tempo de Galiano, e mais exactamente desde o ano de 260. (continua)

Vitor Cantinho
Arquitecto e ensaísta

(7) «Judaísmo e Cristianismo Antigo», p. 116.
(8) «Patrologia», p.215.
(9) «A History of Rome», p.392
e 397.
(10) «Dicionário de Termos
de Arte e Arquitectura”, p.16.
(11) «A History of Rome», p.310.

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico