O principal desafio com que a AIPAR – Associação de Proteção à Rapariga e à Família se tem debatido ao longo dos seus 92 anos de existência tem sido o da adaptação ao evoluir dos tempos.

Fundada em Faro em 1932 por um grupo de mulheres da sociedade farense de que fazia parte a benemérita Teresa Ramalho Ortigão, a associação de inspiração cristã, inicialmente denominada Junta Diocesana de Faro da Protecção à Rapariga, foi membro da Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina.

O apoio prestado às raparigas incluía naquele tempo o acolhimento temporário, a preparação de enxovais, a busca de emprego e a assistência médica, inclusivamente para tratamentos que não estavam disponíveis na região. A instituição passou depois a lar de estudantes, que se financiava com mensalidades de jovens de classe média alta, permitindo acolher raparigas sem posses para prosseguir os estudos.

Maria Filomena Rosa, presidente da direção da AIPAR – Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

À associação, que em 1988 viu ser-lhe reconhecido o estatuto de IPSS, chegou em 1997 a atual presidente da direção. Maria Filomena Rosa liderou a partir de então a renovação da instituição que começou com a constituição dos seus órgãos sociais e a atualização dos estatutos, o que permitiu a reabilitação da imagem da associação.

Em 1998 foi projetada a atual sede na rua monsenhor Henrique Ferreira da Silva, que inaugurada a 10 de agosto de 2007, substituiu a degradada casa centenária no número 29 da rua Serpa Pinto que chegou a acolher algumas jovens.

Naquele ano entrou em funcionamento a primeira das sete valências com que a associação já conta: o Centro de Acolhimento Temporário (CAT). Esta resposta social para raparigas a partir dos 12 anos que recebe, enviadas pela Segurança Social (entidade que tem a gestão centralizada das vagas) como medida decretada pelo tribunal ou pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, tem capacidade para 20 utentes, 18 das quais com medida de acolhimento institucional. As restantes duas vagas são unidades de emergência para receção, a qualquer hora do dia ou da noite, de alguém que tenha de ser acolhido com urgência.

A presidente da direção lamenta no âmbito daquele serviço a falta de apoio pedopsiquiátrico na região para casos urgentes e graves. “É de tal forma medieval que já não tenho palavras para esta situação de aridez absoluta em termos de respostas no Algarve no âmbito do apoio à saúde mental infantil. Já não há grito de revolta suficiente”, critica, considerando que “aquilo que havia há 40 anos é aquilo que há agora”. “Se temos alguma jovem que precisa de ir à urgência, se for ao fim de semana, nem sequer já temos o Hospital da Estefânia. E se for durante a semana tem de ficar aqui a «marinar» para ver se aquela unidade tem vaga para internar. E temos agora um caso nessas circunstâncias”, lamenta, explicando que aquela unidade hospitalar em Lisboa também já não dispõe de pedopsiquiatras suficientes.

Presentemente, o CAT pode acolher raparigas até aos 25 anos, uma vez que as jovens, se estiverem a estudar, podem pedir ao tribunal para continuar na instituição depois dos 18 anos. “Este ano temos sete jovens na universidade”, testemunha Maria Filomena Rosa ao Folha do Domingo, garantindo que o número de utentes universitárias “tem vindo a aumentar todos os anos”. No entanto, aquela responsável refere que, “muitas vezes, a situação de imaturidade é tal que nem sequer estão em condições para o pedir ao tribunal”. “Quando vemos que a jovem tem perfil para continuar, trabalhamos para que ela própria escreva ao tribunal e peça a continuação”, acrescenta, lembrando ainda a lei que entrou em vigor em janeiro deste ano e que permite aos ex-acolhidos o regresso ao acolhimento institucional se se arrependerem da decisão tomada.

Aquela dirigente explica ainda que a relação das utentes com as famílias de origem é mantida “sempre que não haja medidas impeditivas” emanadas pelas instâncias judiciais. “Trabalhamos sempre a aproximação à família e sempre que possível vão a casa”, testemunha Filomena Rosa, que defender ser fundamental “trabalhar em rede” e manter “uma boa relação com todos os parceiros” que trabalham na área social. “Nada se faz isolado nem pensando que sozinhos é que somos bons”, adverte.

Em 2012, a AIPAR abriu uma cantina social que serve atualmente 50 refeições diárias em regime de takeaway a famílias do concelho de Faro no âmbito do Programa de Emergência Alimentar. Os beneficiários são avaliados pela ação social da Câmara de Faro ou pela Segurança Social. A cantina recebe bens alimentícios provenientes não apenas do Banco Alimentar Contra a Fome – a quem também fornece cerca de 20 refeições para os trabalhadores que ali colaboram – mas também do hotel Tivoli Marina, três vezes por semana, e da Refood.

Em 2015, a associação acrescentou mais duas valências. Adquiriu um apartamento para as utentes que aos 16 anos possam começar a fazer “exercícios de autonomia de vida” e criou o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) que oferece no domicílio das famílias um serviço de aconselhamento e apoio na área da parentalidade que visa a evitar a institucionalização.

Relativamente à primeira, Maria Filomena Rosa explica tratar-se de uma fase situação intermédia entre a institucionalização e a partida para a vida independente que tem como objetivo a “aquisição de competências, para aprenderem a estudar ou a trabalhar, a viver com uma mesada ou uma semanada”, realçando que o apoio é dado à distância.

Sobre o CAFAP diz ter “capacidade para apoiar 100 famílias que tenham crianças e jovens entre os 0 e os 18 anos, mas o acordo com a Segurança Social é para 75”. A diretora acrescenta que o apoio pode ir desde a formação em regras básicas de higiene à ajuda para encontrar trabalho. No âmbito daquele serviço foi ainda criado o ‘Ponto de Encontro’ que visa, por decisão judicial, possibilitar a relação da criança, acompanhada por técnica, com ambos os progenitores que se encontrem desavindos.

Tendo também em vista o apoio familiar, a associação criou o ‘Espaço Circular’, cuja finalidade é gerir bens doados para os mais carenciados.

Em 2019 seguiu-se a criação do Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI) de jovens com deficiência profunda que tem capacidade para 22 utentes com idade superior a 18 anos em acordo de cooperação com a Segurança Social e inclui mais duas vagas que não estão abrangidas por aquele acordo. A AIPAR assegura ainda o transporte de utentes oriundos dos concelhos limítrofes ao de Faro.

A última valência a ser criada pela AIPAR foi, em 2022, a do acolhimento familiar que pretende evitar a institucionalização das crianças e jovens que recebe.

A diretora da instituição explicou ao Folha do Domingo que, se algumas destas valências surgiram por sua iniciativa, outras foram-lhe propostas pela Segurança Social. Filomena Rosa refere ainda que, para fazer face a todos os encargos, incluindo o de mais de 40 trabalhadores que já emprega, a associação teve necessidade de assegurar “algumas formas de autossustentabilidade”. “Adquirimos uma moradia que recuperámos e que alugamos a estudantes e que também acolhe pessoas em situação de precariedade”, conta, denunciando haver “estudantes que vêm da Guiné vêm numa fragilidade absoluta”. “Criámos também uma empresa que presta um serviço de refeições para eventos e andamos a fazer coffee break’s por muitos seminários. Também instalámos em 2014 painéis fotovoltaicos e temos conseguido vender energia a uma média de 700 euros mensais, o que nos ajuda nas despesas de luz, água e gás”, exemplificou.

O “pilar” da espiritualidade e o respeito pelas crenças de quem acolhe

Aquela associação de inspiração cristã, que tem como diretor espiritual o cónego Manuel Rodrigues, diz ser fundamental “respeitar incondicionalmente as crenças de quem chega”, propósito que consta desde logo nos estatutos. “Se recebemos miúdas muçulmanas – e já tem acontecido – o respeito é até ao nível alimentar; se frequentam igrejas evangélicas, nós levamo-las aos cultos. O que me preocupa profundamente são aquelas que não trazem crenças nenhumas e que são a maioria”, refere, assegurando que, quando a utente abraça alguma espiritualidade, “ajuda muito”. “É um pilar em todas as dimensões. Noto diferença entre os que vêm com essa dimensão associada. Têm mais uma ajuda”, complementa.