
Na passada quarta-feira, a atualização do clero do sul do país, que decorreu em Albufeira, contou com duas mesas redondas sob o tema “Diálogo em várias frentes”, que num primeiro momento abordou as questões da ética e das ciências da vida e do diálogo interreligioso.
O casal Isabel e Michel Renaud, que se referiu à primeira dimensão, disse aos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que “atualmente existe um acordo quase geral para distinguir o sexo da sua dimensão biológica e fisiológica e o género como a maneira como cada um quer identificar-se”.
Michel Renaud disse haver “muitas pessoas que consideram que há mais do que dois sexos”. “Em primeiro lugar consideram que é preciso reconhecer que há bebés que são intersexos, 2% aparentemente”, acrescentou, lembrando que desde 2011 a lei portuguesa “permite a transexualidade”. “Isto é, permite e paga a operação cirúrgica que possibilita a um homem fazer-se mulher e o contrário”, explicou aquele antigo membro da Direção da Associação Europeia dos Centros de Ética Médica e ex-membro da Comissão do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Acrescentando que em Portugal “há só quatro hospitais que estão autorizados legalmente a praticar transexualidade” e que têm recebido entre 10 a 20 pedidos cada um por ano, aquele membro efetivo da Academia de Ciências de Lisboa disse que a proposta de lei do Bloco de Esquerda pretende alargar o âmbito da lei de 2011. “Isto é, [pretende] alargar a possibilidade para que cada ser humano possa decidir a sua identidade e possa ir ao Registo Civil declarar que quer mudar de sexo. A lei de 2011 já o permitia, mas agora o que o Bloco de Esquerda quer é que não seja necessário passar por uma avaliação do foro neurológico ou psiquiátrico”, explicou.

Michel Renaud acrescentou aos cerca de cem participantes nas jornadas de atualização que a proposta pretende “que mesmo os menores de 16 anos tenham a possibilidade de mudar o seu sexo no Registo Civil sem sequer fazer uma análise do foro psiquiátrico”.
Renaud lembrou que na Alemanha já é possível “registar uma criança sem determinar o seu sexo”. “Chama-se a suspensão da identidade sexual”, observou, acrescentando haver também “americanos que consideram que o sexo, mesmo o físico, é uma determinação social e não natural”. “Nos Estados Unidos [da América] há mesmo uma obrigação legal de ensinar o que eles chamam de ideologia do género para mostrar e ensinar o direito à autodeterminação do género”, prosseguiu, adiantando que, na bioética, já se fala “na possibilidade de os homens poderem fazer a gestação”.
Isabel Renaud, que apresentou uma distinção entre ética, moral e sabedoria quântica, considerou que “hoje há uma falta de educação porque não se percebe a distinção entre ética e moral, entre o privado e o público”. “É preciso criar na vida privada grupos de conselho. Entrarmos em diálogo com poucos sobre os problemas da vida privada”, defendeu aquela oradora que é membro fundador do Centro de Estudos de Bioética.
Susana Mateus, que se referiu à questão do diálogo interreligioso, considerou que “o diálogo intercultural e interreligioso tem sido um elemento que tem contribuído para a harmonia social”.
Aquela investigadora do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa acrescentou que “a promoção de um diálogo interreligioso amplo e bem sedimentado é um fator fundamental para a construção da paz e da coesão social”.
Referindo-se aos dados de 2011 do Observatório das Migrações, acrescentou que “em Portugal é a rara a discriminação por motivos religiosos”.
Aquela investigadora desafiou ainda as dioceses do sul à “criação de comunidades católicas inclusivas que aceitem também o diálogo com as outras minorias religiosas” e “também com novos fenómenos de religiosidade emergentes e desconhecidos”.