
A jornalista Aura Miguel regressou ao Algarve no passado sábado para deixar claro que os três últimos papas são “homens radicalmente diferentes”, mas todos marcados por uma “grande liberdade”.
A vaticanista, que trabalha desde 1985 para a Rádio Renascença, tendo começado no ano seguinte a acompanhar as viagens papais, considerou que em São João Paulo II essa liberdade ficou, sobretudo, bem patente na última fase da sua vida. “É preciso ter uma grande liberdade para se mostrar assim naquela fragilidade máxima”, afirmou, considerando que “saiu dali uma mensagem que tocou o mundo inteiro”.

“Ele tinha atrás da sua máscara de dor e de fragilidade uma certeza inabalável em Jesus porque não tinha medo e escancarou sempre as portas do coração a Cristo. Ele deu tudo a Nosso Senhor. Era completamente livre”, sustentou a jornalista na paróquia das Ferreiras na tertúlia que encerrou o ciclo daquelas iniciativas promovidas desde janeiro deste ano por aquela comunidade.
Aura Miguel considerou que Bento XVI, como “homem igualmente livre”, protagonizou uma atitude “oposta” à do seu antecessor, mas “pela mesma razão” porque ele “escancarou as portas do coração a Cristo também”. “Discernindo com toda a liberdade, percebeu de que já não tinha, fisicamente, forças para os desafios que a Igreja ia enfrentar”, comparou, acrescentando que o “mistério da liberdade também estava muito patente” no agora papa emérito, um homem que considerou “altamente inteligente com uma lucidez sobre o que se passava na Igreja e no mundo”.

“A lucidez do papa Bento XVI foi perceber que era preciso ter uma energia anímica que ele já não tinha porque estava gasto. Gastou-se ao serviço da Igreja. Mas, com a mesma liberdade com que o outro achou que tinha essa força anímica para ficar até ao fim e mostrou-se na cena janela com a fragilidade, este – que era tímido e que não tinha nada a ver com o caráter do outro –, com essa humildade e clarividência inteligente que o caracterizava, afastou-se”, complementou, considerando aquela atitude também “um sinal de grande santidade”.
Em relação a Francisco, a vaticanista disse que o papa atual manifesta igualmente um “sintoma de uma grande liberdade”, considerando-o também “um homem completamente livre”. Como “grande sinal” dessa liberdade, Aura Miguel destacou o facto de Francisco ajudar cada pessoa a “não se escandalizar que Jesus chama os pecadores”. Por outro lado, a oradora evidenciou que o papa argentino “desencadeia o pontificado com uma carga de problemas em cima que ainda hoje persistem”.

“Escancarar as portas do coração a Cristo é para todos, na modalidade de cada um, e isso é muito interessante”, acrescentou em relação aos três pontífices.
Aura Miguel, que já acompanhou 102 viagens papais, destacou a dimensão inovadora do pontificado do papa polaco que “rompeu protocolos”. “João Paulo II introduziu este arejamento, esta naturalidade de relacionamento com as pessoas que agora já estamos habituados com o papa Francisco. Foi o papa João Paulo II quem verdadeiramente deu início a este estilo”, afirmou, acrescentando tratar-se de um “estilo de ser papa que ainda hoje perdura”. “É uma intuição pastoral que ainda continua”, reforçou.

Relativamente a Bento XVI, que considerou ter “uma inteligência raríssima” “que se misturava com humildade” e ter sido “injustamente” “muito mal-amado” pela imprensa, a jornalista acrescentou que todo o seu pontificado serviu para “aprofundar verdadeiramente as razões da fé”. “A grande batalha do pontificado do papa Bento XVI foi tentar explicar e ajudar-nos a perceber que fé e razão dão-se bem uma com a outra”, referiu, considerando que o pontífice alemão “é o papa da consolidação da fé, um verdadeiro doutor da Igreja que vai ser reconhecido daqui a mais tempo de certeza pelo grande nível que ele manifestou em tudo o que escreveu, disse e ensinou, ao nível de um São Tomás de Aquino”.

A vaticanista evidenciou o papa Francisco como “um outsider,” porque vindo “de um outro continente”, “que ainda valoriza mais o estilo do ser próximo” de João Paulo II. Aura Miguel falou de um “novo estilo” que Francisco “está a tentar introduzir na Igreja para não ser distante, nem moralista, nem rígida, mas acolhedora”. A oradora aludiu a uma “clara preferência” do papa argentino por “contextos de sofrimento”, e concretamente pelos “esquecidos” e “marginalizados”, de modo que lhes “dedica mesmo várias horas”. “A questão da caridade tem a ver com as opções de viagens que ele também faz. Esta faceta da atenção ao outro é impressionante”, garantiu, acrescentando que gosta de pensar em João Paulo II como o “papa da esperança”, Bento XVI como o “papa da fé”, e Francisco como o “papa da caridade”.

Aura Miguel disse ainda que outra das facetas de Francisco é realçar também a “dimensão da fragilidade humana de Pedro”. “É o primeiro papa que se confessa publicamente”, sustentou.