O bispo do Algarve exortou ontem à noite as comunidades cristãs a assumirem “compromissos em relação ao futuro” por causa dos abusos sexuais de menores na Igreja, divulgados pelo relatório apresentado no passado dia 13 de fevereiro pela Comissão Independente, constituída pela Conferência Episcopal Portuguesa.

“Depois do retiro que realizaremos na Conferência Episcopal na próxima semana dedicaremos um dia a estudar e partilhar o resultado deste relatório e seguramente a assumir compromissos em relação ao futuro que não devem ser apenas dos bispos, mas de todas as comunidades cristãs porque só juntos conseguiremos fazer a diferença”, adiantou D. Manuel Quintas na Missa de Quarta-feira de Cinzas a que presidiu na Sé de Faro.

O bispo diocesano considerou que só em conjunto será possível criar uma “sensibilidade purificadora”, de modo a que aqueles “atos inqualificáveis” “nunca mais se repitam” e que fiquem “todos autorizados a denunciar sem esperar, sem hesitar porque é uma exigência que se impõe a cada um” dos membros da Igreja.

Recuperando a sua mensagem para a Quaresma que ontem se iniciou, o bispo do Algarve insistiu na obrigação de se “assumir as consequências”, de “promover ações de formação com todos os agentes de pastoral” e de “incutir nas comunidades cristãs, e através delas na sociedade em geral, uma nova sensibilidade de modo a prevenir e a denunciar situações que possam ocorrer na proteção e defesa das crianças, adolescentes e adultos vulneráveis”.

Lembrando que “a Igreja que é santa em Cristo mas pecadora nos seus membros e, por isso, sempre necessitada de se purificar e de se renovar pela penitência”, D. Manuel Quintas apelou a que todos possam ajudar “a superar estas fragilidades e limitações” e acrescentou que a Quaresma é “um tempo de conversão pela redescoberta do amor misericordioso de Deus”. “E a conversão pessoal será tanto mais autêntica quanto mais se inspirar na escuta mais prolongada, mais cuidada da palavra de Deus na resposta aos seus apelos”, advertiu.

Aquele responsável católico acrescentou ainda a importância do “encontro pessoal e mais íntimo com Cristo pela oração” e “pela partilha solidária e fraterna com os mais necessitados como fruto do jejum e de alguma privação que a própria Palavra de Deus pode sugerir”. “A oração, a esmola e o jejum são apontados, cada ano neste primeiro dia da Quaresma, como meios imprescindíveis para a conversão e mudança de vida”, frisou, sublinhando que “o importante é abrir o coração ao amor e à misericórdia de Deus e também aos mais necessitados”.

Realçando a importância do tempo liturgico que ontem se iniciou como “caminho de preparação para a celebração da Páscoa”, D. Manuel Quintas deixou claro que “o importante não é a Quaresma, é a Páscoa”. “O importante não é o caminho, é a meta onde queremos chegar”, sustentou. “A todos asseguro a minha oração para que a nível pessoal, familiar e eclesial percorramos unidos este caminho de conversão quaresmal daí resultando uma Igreja diocesana mais fraterna, ministerial e missionária”, garantiu.

O bispo do Algarve falou ainda sobre o destino das renúncias quaresmais deste ano, lembrando que reverterão a favor de um projeto dos Missionários de Santa Teresa de Jesus, “instituto diocesano ainda nos seus inícios” presente na Diocese de Viana, em Angola, que visa “construir uma casa de formação para os seus seminaristas que são 45 no curso de Teologia, cujas obras prosseguem a um ritmo lento, conforme a chegada de donativos para esta finalidade”.

D. Manuel Quintas regozijou-se na celebração com a participação dos estudantes da Universidade do Algarve que realizaram a ‘Missão País’ no concelho de Alcoutim.

A celebração de ontem à noite contou com a bênção e o rito penitencial de imposição das cinzas aos presentes. Tanto na Bíblia como na prática da Igreja, impor as cinzas sobre a cabeça é sinal de humildade e penitência. A sua imposição lembra aos fiéis a origem do homem – “recorda-te que és pó e ao pó hás de voltar” – e pretende simbolizar a renovação do compromisso de seguir Jesus, fazendo morrer o “homem velho”, ligado ao pecado, para fazer nascer o “homem novo”, transformado pela graça de Deus. Por isso, ao colocar uma pequena porção de cinzas sobre a cabeça, o ministro ordenado pronuncia a frase “arrependei-vos e acreditai no Evangelho”.
A Quaresma é um período de 40 dias (excetuando os domingos) que serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário dos cristãos.