O presidente da Congregação para a Evangelização dos Povos, da Santa Sé, exortou ontem o clero das dioceses do sul a “tocar as feridas do mundo”.
O cardeal Luis Antonio Tagle foi o orador que abriu a edição deste ano da atualização de bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal e que, pelo segundo ano consecutivo por causa da pandemia, se está a realizar online através da plataforma Zoom.
O cardeal, que participou na formação a partir do seu país natal, as Filipinas, especificou referir-se a “pessoas e relações feridas”. “As causas são tão diversas como são as feridas”, complementou na sua intervenção nas jornadas, este ano sobre o tema “Testemunhar com audácia o Evangelho, força renovadora da humanidade”, participadas por cerca de 90 membros do clero.
Neste sentido, e partindo da experiência do apóstolo Tomé, acrescentou que “ver e tocar as feridas de Jesus é fundamental para a profissão de fé e para a evangelização”. “O medo das feridas isola-nos e torna-nos indiferentes às necessidades dos outros”, advertiu.
“A Igreja renova-se quando o Evangelho e os gritos do mundo se encontram”, disse também na sua intervenção em que abordou dois temas: ‘Evangelização Ad Gentes e Nova Evangelização: as duas faces duma mesma missão’ e ‘Como anunciar Cristo, no meio da indiferença, do agnosticismo e da adversidade? O exemplo das novas Igrejas’”.
O mesmo disse acontecer quando a Igreja se encontra com as “culturas do mundo”. “O Evangelho é tão profundo que não pode limitar-se a uma só expressão cultural”, alertou o cardeal Luis Antonio Tagle, acrescentando que “toda a cultura tem potencial de ser portadora do Evangelho, desde que esteja aberta à transformação e à comunhão com outras culturas” e que “as culturas são dinâmicas e mudam constantemente ainda que alguns elementos perdurem”.
“É necessário que os peregrinos e evangelizadores dialoguem com os povos e as suas culturas”, reforçou, enumerando algumas das que considerou “significativas”, “com as quais os batizados devem caminhar numa peregrinação de evangelização”: as “culturas dos povos indígenas de várias partes do mundo”; as “culturas dos jovens de hoje, com as quais a Igreja necessita caminhar e aprender”; a “cultura gerada pela revolução digital”; a “cultura das pessoas com deficiência ou capacidades diferentes”; e a “dramática peregrinação chamada migração forçada”.
Garantindo que “jovens procuram o ambiente de uma família na comunidade”, aquele responsável considerou que “a Igreja deve escutar os jovens que não praticam a fé ou que a abandonaram para lhes perguntar qual é a sua impressão da Igreja, a sua experiência da Igreja”. “Estes jovens são também profetas para a Igreja”, afirmou.
Aquele responsável afirmou que “os católicos praticantes frequentemente não compreendem plenamente a linguagem dos seus bispos e sacerdotes” e acrescentou que “as palavras humanas deviam ser portadoras de aliança”. Nesse sentido disse que “falar da verdade da Palavra de Deus requer também estar enraizado na verdade da condição humana”. “Quando nós, sacerdotes, falamos, o que ouvem as pessoas: desespero, condenação, denúncia, ira ou uma canção? Ou uma oração?”, questionou.
O cardeal afirmou ainda que “a verdadeira missão deve estar enraizada numa espiritualidade de abertura à ação do Espírito Santo”. “O seu papel principal é estar aberta ao Espírito Santo para discernir a ação do espírito e atuar segundo o que o espírito sugere”, sustentou.
Enumerando alguns contextos em que disse ser necessário “viver a espiritualidade missionária, em particular para o clero”, o presidente da Congregação para a Evangelização dos Povos falou da necessidade de ir ao encontro das periferias e exortou a “evitar a separação entre a pastoral e a missão”. “Podemos mostrar ao mundo como se pode encontrar a alegria, saindo das nossas zonas de conforto, entrando nas periferias, com o único desejo partilhar a palavra de Deus, de derrubar os muros, o isolamento, através da comunhão e a solidariedade, e aprender com a sabedoria proclamada desde a periferia”, afirmou, referindo-se também à importância de experimentar a “alegria de aprender” com quem ali vive.