Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A comunidade algarvia das Carmelitas Missionárias promoveu no passado sábado uma conferência que pretendeu “ajudar a compreender a doutrina” do seu fundador, o beato Francisco Palau y Quer, inspirada no livro do Apocalipse, o último da Bíblia, da autoria de São João e de cariz fortemente simbólico.

“A vivência do mistério da Igreja no padre Palau tem muito do livro do Apocalipse, sobretudo esta imagem da cidade”, explicou a irmã Leonor Bernardino ao Folha do Domingo, referindo-se à “cidade santa”, a “nova Jerusalém” ou a “Jerusalém celeste”, como aparece descrita na obra.

A carmelita missionária acrescentou que a “experiência mística” que Francisco Palau faz da Igreja passa pela descoberta que ele faz daquela cidade, “uma cidade que se concretiza no hoje, e que ele define como a sua relação íntima mística com Deus”, mas que também “se concretiza no serviço aos irmãos”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A iniciativa, sob o tema “Cristo e a Igreja no simbolismo do Apocalipse”, teve lugar no Seminário de São José, em Faro, com a participação de cerca de 65 pessoas e foi apresentada pelo padre Mário de Sousa. O sacerdote, como já tem feito diversas vezes, voltou a fornecer o acesso a “chaves de leitura” para descodificação do livro do Apocalipse.

O formador evidenciou que aquele livro da Bíblia pretende mostrar que a história está na mão de Deus que terá a última palavra sobre o mal. “O livro do Apocalipse é um convite incessante a contemplar o poder de Deus que é muito mais forte do que a maldade dos homens”, afirmou.

O sacerdote referiu-se a “uma Igreja que só se entende à luz da cristologia”. “Temos de começar sempre de Jesus que é quem ocupa o lugar central e a Igreja é uma consequência da fé e da amizade com o Senhor porque se vive esta amizade e esta fé em comunidade” afirmou ao Folha do Domingo.

Evidenciando a diferença entre a linguagem descritiva (informativa) e a linguagem evocativa (simbólica) de que se serve o livro do Apocalipse, o padre Mário de Sousa explicou que “a mentalidade oriental expressa-se muito” através desta última. “Nós também temos essa experiência. Quando queremos falar de sentimentos e de algo que não é descritível usamos a poesia, o símbolo precisamente porque nos leva muito mais longe do que aquilo que é possível através de uma linguagem jornalística descritiva. Muitas das asneiras que se aplicam à Bíblia tem a ver com isto, de não saber fazer esta destrinça. Os fundamentalismos bíblicos vêm desta asneira”, afirmou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Por outro lado, o orador destacou que “o próprio processo histórico permite uma releitura contínua da linguagem simbólica”. “Em cada época a comunidade poderá encher as formas do símbolo com um conteúdo concreto”, sustentou.

O orador lembrou que o simbolismo naquela obra literária se desdobra em simbolismo cósmico (cosmos), teriomórfico (animais), aritmético (números), cromático (cores) e antropológico (mundo dos homens).

O sacerdote explicou que, por exemplo, no caso do simbolismo aritmético, os números não são apenas quantitativos, mas têm qualidade. “O 7 implica totalidade; o 3,5 [três e meio], metade de 7, implica parcialidade; o 6, que não chega a 7, implica imperfeição e, por isso, o 666 três vezes imperfeito, completamente imperfeito, mas que tem grande poder”, exemplificou.