Cavaco Silva acrescentou, ao final do dia na inauguração das obras de recuperação e ampliação do Hospital da Misericórdia de Loulé, que “em democracia, nenhum cidadão pode ser excluído do acesso aos cuidados de saúde por causa dos seus rendimentos e, por isso, podemos pedir às Misericórdias que prestem esses cuidados se o fizerem com melhor qualidade e eficiência”.

O Presidente da República destacou o Hospital da Misericórdia de Loulé como um “bom exemplo”, que combina uma componente privada e uma componente pública de parceria entre a Santa Casa da Misericórdia, a Câmara Municipal de Loulé e o Estado, para se referir à “distinção entre provisão de bens públicos e produção de bens públicos”. “A provisão de bens públicos diz respeito ao usufruto gratuito de serviços por parte dos cidadãos, serviços que cabe ao Estado prestar, mas isso não implica que a produção dos serviços seja feita pelo próprio Estado”, referiu, defendendo que “o conceito de serviço público centra-se na provisão pública, isto é, na satisfação com qualidade e eficácia de necessidades dos cidadãos e não na visão ideológica e obsoleta da exclusividade da produção por parte do Estado”.

“Face às dificuldades financeiras que o país atravessa há a obrigação de pensar, de forma objetiva e desapaixonada, a melhor forma de responder à emergência social que o país atravessa”, concluiu, acrescentando que “os hospitais das Misericórdias, no nosso país, devem ser vistos como parceiros do Estado na aplicação mais racional e mais justa dos instrumentos de proteção na doença”.

Cavaco Silva defendeu ainda que “cidadãos com diferentes rendimentos podem, eventualmente, dar diferentes contribuições para a distribuição dos encargos com a saúde” porque “a saúde não é imune ao princípio da justiça social”.

Cavaco Silva, que considerou que “a prestação de cuidados de saúde pelo Estado atravessa um momento de encruzilhada”, lembrou que “são vários os modelos que se têm discutido” e “várias as soluções que têm sido apresentadas” onde se sublinham os “elevadíssimos encargos com a saúde”, “o que requer uma gestão muito racional para que a saúde também contribua para a diminuição do desperdício e para o aumento da produtividade”. “Independentemente dos modelos e soluções que venham a ser adotados há um ponto que não podemos nunca ignorar: os cidadãos têm o legítimo direito a cuidados de saúde de qualidade e eficazes independentemente da sua situação económica”, sublinhou o chefe de Estado.

Também o presidente da Câmara de Loulé considerou que “o Estado não tem de ser o prestador direto dos serviços públicos mas o garante desses serviços, aumentando o seu poder regulador, forte e seguro” e que “a prestação de cuidados de saúde não deve ser olhada predominantemente do lado do negócio”. “Uma lógica empresarial no âmbito do Serviço Nacional de Saúde contém igualmente riscos que devem ser acautelados sob pena de subverter toda a filosofia e património de realização do bem-estar na área da proteção social dos cidadãos”, advertiu, defendendo como “urgente a procura de novos papéis para o Estado em matéria de regulação do setor da saúde e de reinventar a sua figura tutelar, isto é, uma nova política numa fase de desconstrução do chamado Estado de providência”.

Seruca Emídio, presidente da Câmara de Loulé, recordou que o projeto “foi uma autêntica prova de resistência ao longo de nove anos”. “Demos apoio a um modelo que garantisse em particular a missão e a vertente social e solidária da Santa Casa”, acrescentou, manifestando que o mesmo visa a “sustentabilidade financeira da Santa Casa da Misericórdia”.

O autarca dirigiu um apelo ao provedor da Misericórdia louletana, Manuel Roque Semião, lembrando que lhe “incumbe manter uma linha de orientação em que a solidariedade não seja palavra vã, dando resposta às demandas sociais tendo em conta a natureza dos serviços e cuidados de saúde aqui praticados”. “Exige-se hoje que, na esteira de outros provedores, que se consiga manter um elevado nível de intervenção social e manutenção de um património ideológico que sempre esteve associado ao papel das Misericórdias neste país”, disse.

Roque Semião, lembrou que a instituição “apenas tinha um edifício em ruínas e não tinha a capacidade técnica nem financeira para proceder à sua revitalização, pelo que se tornou necessário encontrar um parceiro com essa capacidade”.

A renovada unidade hospitalar, que abriu portas no último mês de março, integra agora duas componentes: uma unidade pública de cuidados continuados de saúde e uma unidade privada com consultas externas em diversas especialidades e bloco operatório.

No respeitante à parte pública, o hospital contempla uma Unidade de Longa Duração e Manutenção integra 21 camas de cuidados continuados, no âmbito de uma candidatura ao Programa MODELAR.

Uma particularidade do recuperado Hospital de Loulé é que a parte privada vai ser gerida por uma sociedade de médicos de várias especialidades.

O secular Hospital de Loulé, no Algarve, é um edifício do século XVI, instituição com quase cinco séculos de existência, que foi criado por D. Sebastião para dar resposta de retaguarda aos feridos que vinham do norte de África. Funcionou até 1975 como Hospital da Misericórdia, passando para a tutela do Ministério da Saúde durante muitos anos.

As obras de ampliação e recuperação representaram um investimento de 4,5 milhões de euros, sendo que a Câmara de Loulé apoiou com 1,25 milhões de euros.

Samuel Mendonça