O Centro Paroquial de Cachopo acolheu e deu trabalho a quatro migrantes timorenses dos que foram descobertos em setembro em Pias, no distrito de Beja, a viver em condições de grande precariedade, vítimas de redes de tráfico humano.
“Deparei-me com uma situação numa casa, aparentemente normal, em que estavam lá dentro 20 pessoas: a Madalena, que era conhecida por «mãe», a Fátima, a Alda (que não está aqui hoje) e a Arita. A casa só tinha uma torneira no quintal, uma casa de banho e não havia comida. E o resto não vou dizer. Quando desliguei a chamada fechei os olhos e fiz uma oração a Deus”, contou no passado sábado a representante do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) que encontrou os cidadãos timorenses. Paula Medeiros falava na sessão que teve lugar em Cachopo no âmbito da visita da embaixadora de Timor Leste em Portugal.
Isabel Guterres deslocou-se ali para conhecer as suas concidadãs que foram ajudadas por aquela instituição da Igreja Católica local. Depois da receção no Centro Paroquial de Cachopo, seguiu-se uma breve celebração na igreja paroquial. O vigário geral, em representação do bispo do Algarve, agradeceu à representante diplomática. “Senhora embaixadora, sabemos da riqueza espiritual do vosso povo. Nós é que estamos gratos pelos timorenses estarem aqui connosco. A sabedoria asiática, a sabedoria timorense ajudar-nos-á aqui na Europa a dar mais importância às coisas pequeninas, a dar mais importância ao silêncio”, afirmou o cónego Carlos César Chantre, considerando acontecimento “um abraço muito grande ao povo de Timor”. “Estes povos, quando vêm para a Europa, podem ajudar muito os europeus a redescobrirem as suas raízes”, acrescentou, considerando haver “uma sensibilidade muito forte aqui no Algarve para receber todos os migrantes, particularmente os timorenses”.
Antes do almoço que se seguiu na ‘Casa da Aldeia’, o presidente do Centro Paroquial de Cachopo contou ter visto “o rosto de Jesus na pessoa de cada uma” das migrantes acolhidas. “No fundo não é o migrante ou o refugiado apenas que acolhemos em nossa casa, na nossa aldeia, no nosso país, mas é Jesus que acolhemos”, complementou o diácono Albino Martins, justificando a decisão da instituição.
“Ao refletir breves segundos neste desafio do Alto Comissariado, logo fortalecido pelo contacto recebido do Centro Distrital de Segurança Social e da Câmara Municipal de Tavira, quando lhes demos conhecimento, sentimos o dever de agir em prol do acolhimento, proteção, promoção e integração destas cidadãs timorenses. Alojamento digno, contrato de trabalho, aprendizagem da língua, integração plena na vida comunitária, tudo isto foi proporcionado e a Madalena, a Arita e a Fátima são hoje cidadãos muito estimadas e as sentimos nossas, não como dependentes de nós, mas de pleno direito, como todos os que aqui vivem trabalham e ainda sonham”, prosseguiu.
Aquele responsável considerou ainda que “construir um futuro com os migrantes e os refugiados” exige também “reconhecer e valorizar tudo aquilo que cada um deles pode oferecer”. “A chegada destes cidadãos é uma fonte de enriquecimento, quer para o nosso desenvolvimento social, económico e cultural, quer para a nossa frágil natalidade e envelhecimento, necessitando nós urgentemente de ver a pirâmide invertida”, defendeu.
Ao Folha do Domingo, o diácono testemunhou que as quatro migrantes, das quais restam apenas três porque uma delas decidiu ir embora, chegaram com 50 euros nas carteiras fornecidos pela Segurança Social e quase sem saber pronunciar qualquer palavra em português. Concluído o burocrático processo da sua legalização e documentação que contou como apoio da embaixada, puderam então ser contratadas, ficando uma afeta à cozinha da instituição, outra ao apoio aos idosos na sala de estar e outra à valência de apoio domiciliário. Madalena Fonseca, de 41 anos, é oriunda de Viqueque, Arita Tilman, de 25 anos, de Suai (Cova Lima) e Fátima San, de 29 anos, de Dili. Esta última deixou a filha de dois meses ao cuidado do marido e pai da progenitora.
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Quem também destacou a vinda daquelas cidadãs para o apoio à freguesia foi o presidente da junta. Rafael Dias lembrou que a aldeia conta apenas com 505 habitantes. “Chegámos a um ponto em que não temos mão de obra para cuidar dos nossos idosos. A imigração torna-se assim um pilar essencial do nosso desenvolvimento na reocupação territorial”, afirmou o autarca, lembrando que “o interior tem postos de trabalho” e “necessita urgentemente de mão de obra”. “Estas cidadãs timorenses, rapidamente, deram um grande exemplo de integração. Mais venham. Necessitamos muito”, acrescentou.
A mesma ideia foi defendida por Paula Medeiros. A representante do ACM disse que “Portugal precisa desesperadamente de migrantes”. “A nossa população nos últimos anos reduziu 10%. Somos o terceiro país da OCDE mais envelhecido. É urgente recebermos pessoas que escolham um país tão pequenino e pobre como o nosso”, afirmou, considerando ser “preciso garantir-lhes algumas condições”. Aquela responsável disse haver migrantes acolhidos em Alcoutim, Portimão, Tavira e Vila Real. “Conheço casos em Faro que não estão a receber apoio financeiro do Estado e que se estão a integrar”, acrescentou.
A diretora do Centro Distrital da Segurança Social disse que no distrito foram acolhidos 24 cidadãos timorenses, com idades entre os 20 e 50 anos, 20 homens e quatro mulheres. “Atualmente temos 14 desses ainda aqui no Algarve na Pousada da Juventude de Alcoutim, em Portimão e no Centro de Acolhimento em Faro. O apoio da Segurança Social tem sido essencialmente a nível de alojamento, das refeições e aqui também temos contado com os municípios”, contou Margarida Flores, explicando que também tem havido “uma grande articulação com a rede social e também com os empresários da região na ótica da integração no mercado de trabalho”.
A presidente da Câmara de Tavira também realçou a falta de mão de obra existente “na hotelaria, na restauração e em vários outro setores económicos” que estes cidadãos vêm suprir. “Queremos acolher estas pessoas e que elas se sintam em casa, queremos facilitar a sua vida”, afirmou Ana Paula Martins, manifestando o desejo de “criar alojamentos e receber mais pessoas”.
A embaixadora de Timor Leste em Portugal agradeceu o acolhimento dado às suas concidadãs. “Obrigado ao Centro Paroquial por terem oferecido trabalho às minhas irmãs”, disse Isabel Guterres, deixando “palavras de esperança” às três imigrantes. “Aproveitem. Aprendam. Amem o vosso trabalho e não se esqueçam de um dia voltar para Timor, para a nossa nação porque também precisamos de pessoas. Respeitem e nunca se esqueçam de agradecer às pessoas que nos têm ajudado”, complementou.
Às três conterrâneas disse que também já foi refugiada como elas na altura em que a Indonésia invadiu a sua nação. “Era estudante naquela altura e tinha de sair de Timor para salvar a minha própria vida. Quando cheguei à Australia também não sabia uma palavra em inglês. Tinha de aprender. Na Austrália, o meu primeiro trabalho foi ajudar os idosos, trabalhar com as pessoas com cancro já na última etapa da sua vida. Aprendi inglês e fui para a universidade e depois da nossa independência em 1999 voltei para Timor. O que aprendi na Austrália levei para Timor”, contou.
A sessão contou com a atuação do pianista Luís Conceição e da cantora lírica Isobel Barton que interpretaram a ‘Ave Maria’ de Franz Schubert, ‘Noite Feliz’ numa adaptação de ‘Silent Night’ e ‘Nella Fantasia’ de Enio Morricone que serviu de banda sonora ao filme ‘A Missão’.