O cónego Mário de Sousa disse ao clero do sul do país que “o medo do desconhecido não pode paralisar a Igreja”, lembrando que “a sinodalidade não é uma questão de moda”. “É uma questão de fidelidade ao Evangelho, a Jesus”, afirmou aquele biblista que refletiu sobre “Sinodalidade e unidade no Novo Testamento” na atualização que reúne bispos, padres, diáconos e alguns seminaristas e que está a decorrer desde segunda-feira em Albufeira.
O professor de Novo Testamento no Instituto Superior de Teologia de Évora, que promove a formação, acrescentou que “o confronto com o ambiente adverso não deve levar a uma atitude de defensiva e combativa como queriam os fariseus, mas à coragem de perceber que mais importante que uma cultura específica e que as tradições é o cumprimento da vontade de Deus”. “A universalidade da salvação e da Igreja obrigam à superação da tentação de transpor e generalizar aquilo que é próprio de uma determinada experiência. A missão e a evangelização não são expansão de uma cultura nem de um tempo, mas a expansão do Evangelho”, desenvolveu.

O orador deteve-se no “episódio modelo” do Concílio Apostólico de Jerusalém relatado em no livro dos Atos dos Apóstolos, que se tornou na figura paradigmática dos sínodos celebrados pela Igreja. “Apresenta-nos um verdadeiro modelo de sinodalidade no contexto de um momento decisivo e grave da vida da Igreja”, realçou o sacerdote, sublinhando que implica “duas dimensões no que se refere à vida interna da Igreja e no que respeita à sua relação com o exterior”.
“Este episódio modelo apresenta-nos em sete etapas um procedimento exemplar no que significa não só resolver os conflitos na comunidade cristã, como procurar o caminho da fidelidade ao Senhor e ao seu projeto de salvação”, afirmou, destacando que naquele exemplo “o desentendimento sobre perspetivas diferentes não é ignorado”. “Os problemas não se varrem para debaixo do tapete. O problema é sujeito a um debate em que todos são escutados”, defendeu, acrescentando: “escuta-se, ouve-se e tem-se em conta o que aqueles que se consideram prejudicados ou ofendidos tem a dizer. Ninguém é mandado nem calar nem silenciar”.

O sacerdote enumerou ainda que naquele episódio “os ministérios assumem a sua responsabilidade própria”. “Ninguém é dispensado. Todos fazem parte do corpo, têm uma palavra a dizer, embora com a consciência de que nem todos tem a mesma missão. O critério de discernimento é procurado na Escritura e a partir dela procura-se que, com uns e outros, olhem para a sua própria experiência pessoal para tentar compreender a posição contrária e reelaborar interiormente a sua própria posição, não a partir da minha posição mas a partir daquilo que Deus quer”, acrescentou, identificando ainda que “a argumentação está vinculada àquele que é o critério fundamental e que é imprescindível ter em conta numa tomada de posição feita a partir da fé: a vontade de Deus”. “Procura-se uma forma de compromisso que permita ser fiel à vontade de Deus e ao mesmo tempo manter a comunhão” e “a decisão é transmitida à parte que se considera prejudicada por uma delegação procedente das duas posições presentes”, constou ainda.
Lembrando que “a mudança de mentalidade leva muito tempo e a conversão é um processo”, o cónego Mário de Sousa, frisou que “a comunhão, o caminho, implica a fidelidade à verdade. A comunhão não é um valor absoluto. É um valor relativo à verdade que é Jesus”, alertou.
O orador lembrou que “na comunidade primitiva de Jerusalém”, “apresentada como uma comunidade modelo”, já existiam “tensões” e que “as resistências humanas à voz de Deus são uma constante ao longo da história da salvação e, portanto também, no caminho da Igreja”.

O sacerdote evidenciou que “em todos os momentos da história, Deus vai manifestando a Israel que há um percurso a trilhar, um êxodo a realizar, uma necessidade permanente de ir mais além, rompendo acomodações nos esquemas cristalizados e ideias preconcebidas”. “Em todas as circunstâncias, o Senhor apresenta sempre um caminho, que, antes demais, é interior e que tem implicações: a capacidade de discernir o projeto de Deus, sabendo que quase sempre interfere com os projetos e as ideias pessoais; vontade de o aceitar e disponibilidade para enfrentar as incertezas que o caminho sempre traz consigo; capacidade de deixar”, complementou, acrescentando que esse caminho “implica abertura para abandonar esquemas antigos, habituações, modelos pessoais de viver ou de olhar para a realidade”.
“Escutar o outro implica ter a consciência de que ele é mesmo o outro e não uma caixa de ressonância das minhas opiniões ou sensibilidades. Mas também o critério das diferentes perspetivas não pode ser o do gosto ou do sentir de cada um e nem sequer uma questão de estratégia. O problema que levou à reunião de Jerusalem não tem uma razão mesquinha. Trata-se de descortinar o projeto de Deus e, uma vez feito o discernimento, de a Ele submeter todas as opiniões. Não é que as opiniões sejam anuladas, mas é criar comunhão a partir desse discernimento e da conclusão a que se chegou sobre aquilo que Deus quer e não daquilo que eu quero.
O sacerdote, que destacou a “tríade” do “caminho, verdade e vida” que “ilumina e guia qualquer percurso sinodal, lembrou que na Assembleia de Jerusalém a “forte discussão inicial” deu “lugar à alegria e à consolação que é fruto da presença e ação do Espírito”.
O padre Mário de Sousa alertou para “uma situação que sempre há-de fazer parte do peregrinar da Igreja: os que andam atrás com saudades do passado”, “irmãos que, por convicção ou, às vezes, apenas por uma questão de sensibilidade, pretendem impor o seu próprio caminho ao caminho conjunto, ao caminho de toda a Igreja que é inspirada, ela sim, pelo Espírito de Deus”. “Um dos critérios apresentados pelo episódio modelo da assembleia modelo de Jerusalém é o de que, uma vez apresentados os argumentos das diferentes perspetivas e, depois de à luz da Escritura se ter feito o discernimento, acabou. É tomado uma decisão, há um único caminho a percorrer, de maneira a salvaguardar a comunhão e a unidade da Igreja, sobretudo como forma sine qua non de permanecer na fidelidade à verdade de Jesus”, concluiu na formação que hoje está também a ser participada pelo núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) em Portugal, D. Ivo Scapolo.