Ricardo Zózimo veio na passada sexta-feira ao Algarve garantir aos gestores e empresários que está a haver uma “mudança drástica” nas grandes multinacionais motivada pela “crise ambiental” e que o sistema económico, como resposta ao aumento da temperatura, “está a mudar e muito rapidamente”. Aquele professor da Nova School of Business & Economics (SBE) assegurou que enquanto “as empresas antes existiam para fazer dinheiro”, hoje estão empenhadas também em “servir os objetivos do desenvolvimento sustentável”.
“Em 2019, mesmo antes da pandemia, um grupo de CEOs das maiores empresas americanas elaborou uma declaração em que assumiu que antigamente achavam que o propósito das duas empresas era fazer dinheiro para os acionistas, mas isso não é mais possível”, afirmou o docente de sustentabilidade e empreendedorismo, acrescentando que o seu objetivo agora “tem de ser, para além de fazer dinheiro para os acionistas, investir nos empregados, proteger o meio ambiente e lidar com a cadeia de valor”.

Na conferência sobre o tema da “Liderança Sustentável”, promovida pelo núcleo algarvio da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, que apresentou em Faro, no auditório da Região de Turismo do Algarve, Ricardo Zózimo explicou que aquelas empresas têm agora “um propósito de fazer diferente” que passa por “distribuir valor com todos”. “Uma empresa não pode só criar valor económico. Têm de criar também valor social e valor ambiental. Uma empresa transformou-se num negócio socialmente responsável”, sustentou, evidenciando o contraste entre duas economias, uma “muito baseada no interesse próprio” e outras “no cuidado pela terra e no cuidado dos outros”.

O orador garantiu que essa mudança está a ser forçada pelos governos através das entidades financeiras. “O Estado obriga agora neste momento os bancos e as instituições financeiras a terem no seu portefólio empresas que tenham projetos sustentáveis. O Estado, como não consegue obrigar as empresas a serem elas mais sustentáveis, a combater o aquecimento, partilha essa responsabilidade nos bancos e nas instituições financeiras”, afirmou, explicando que isto ocorre sob pena de pesadas sanções.

Ricardo Zózimo referiu-se assim a um mundo “meio baralhado”, onde “a proposta de valor social e a proposta de valor económico se juntaram”. “Temos uma crise ambiental, temos um mundo em mudança muito rápida com uma série de paradoxos muito ligados à digitalização e temos as empresas responder ao sistema financeiro e não aos governos”, identificou na sua intervenção no âmbito do ciclo de conferências denominado ‘Uma realidade que transforma as empresas’.

Aquele especialista em empreendedorismo é um dos portugueses que tem dinamizado no país o movimento ‘Economia de Francisco’, uma reflexão iniciada em 2019 pelo Papa Francisco com jovens economistas e empresários de todo o mundo, com inspiração em São Francisco de Assis. Partindo da experiência de ter sido um dos convidados do líder da Igreja Católica para aquela reflexão, garantiu que “o Papa não vem propor modelos económicos”. “O Papa vem trazer humanidade, vem propor questões que põem as pessoas no centro da economia, vem chamar a atenção para a centralidade das pessoas”, afirmou.
Ricardo Zózimo acrescentou que foram três os “grandes desafios” deixados por Francisco – a luta contra a pobreza, o combate à cultura do isolamento e a promoção do trabalho digno – e considerou que o Papa teve a clarividência de perceber que a mudança tem de ser feita a partir dos jovens porque eles “têm uma ambição ambiental que nunca existiu”.

O docente da Nova SBE assegurou que haver “líderes que querem mesmo fazer esta viagem, mas não sabem como” e que há empresas empenhadas nesta transformação. “Se queremos acelerar esta mudança temos de descobrir onde é que andam os líderes que podemos utilizar nas nossas organizações para fazer esta mudança”, aconselhou, defendendo ser preciso reconhecer “três talentos” – “cabeça, mãos e coração” – dentro das organizações. “Temos de conseguir trazer estas três dimensões para a liderança para a sustentabilidade”, completou, acrescentando que o sucesso tem de ser medido não só por índices financeiros, mas também pelos sociais e ambientais.
Entre empresas que estão disponíveis para esta mudança apresentou os exemplos de uma produtora de telemóveis modelares com materiais certificados que não são provenientes de zonas de guerra, em que os componentes podem ser substituídos por outros em caso de avaria, e de um motor de busca na Internet que “planta uma árvore” por cada três pesquisas que realiza.
“As novas gerações não vão tolerar que uma empresa sirva só os acionistas”