Bruno Manuel Diogo Valente
Embora nascido no Algarve, Bruno Valente, de 25 anos, foi batizado em Almodôvar, a terra natal dos pais, que vieram viver para o Algarve. A ligação à vizinha localidade alentejana nunca se perdeu por via da relação com o avô materno e a avó paterna residentes no concelho. A infância, vivida no Algarve, mas sem esquecer as raízes no Alentejo, foi vivida com normalidade. O testemunho da avó paterna influenciou-o desde cedo pela “beleza” da “forma muito simples, mas muito autêntica e genuína como era cristã”. “Procurou sempre mostrar que ser cristão é, sobretudo, ajudarmos os outros, principalmente aqueles que estão mais frágeis, que vivem uma situação mais delicada”, conta, lembrando ter sido “esta ideia de que ser cristão é ser para os outros”, mesmo com algum “sofrimento” pessoal, que o marcou. Residente na área da paróquia do Montenegro, Bruno Valente começou aos seis anos a frequentar a catequese paroquial e a sua relação com a Igreja tornou-se, a partir daí, mais consistente. O desejo de perceber melhor o que se passava no altar, durante a Missa, foi a motivação que precisou para se decidir a ser acólito, um marco que considera “muito importante” na sua caminhada cristã. O dinamismo e testemunho do responsável da escola paroquial de acólitos, que era também o seu professor de Educação Moral e Religiosa Católica, impulsionaram-no bastante a querer participar ativamente nas atividades paroquiais e “foi também o pontapé de saída para depois considerar a questão da vocação”. Mais tarde, já com cerca de 12 anos, começou a frequentar os encontros vocacionais do Seminário de Faro que também o marcaram muito, “sobretudo a alegria que via naqueles que eram seminaristas” e também no padre Pedro Manuel, um dos formadores da instituição, pelo gosto de “entregar a vida naquela missão concreta onde era feliz e também fazia os outros felizes”. “Estes primeiros encontros do Pré-seminário foram para mim um tempo de me deixar encantar e maravilhar pela ideia de ser padre que era para mim uma novidade e a partir daí comecei a ficar mais desperto”, conta. Os encontros do Pré-seminário e as atividades durante a Semana Santa e no verão começaram a ser rotina na sua vida e motivo de crescente entusiasmo até decidir entrar para o Seminário da Diocese do Algarve. Ter sido escuteiro no Agrupamento do Corpo Nacional de Escutas da Conceição de Faro diz ter também marcado a sua “forma de olhar para o mundo, para os outros”. Agora que vai ser ordenado sacerdote, no próximo domingo, 08 de junho, pelas 17h, na Sé de Faro, o diácono Bruno Valente explica em entrevista ao Folha do Domingo como projeta o exercício do seu ministério. |
Entrevista conduzida por Samuel Mendonça

No teu percurso no Seminário há algum acontecimento, episódio ou vivência que te tenha marcado particularmente?
Acho que nunca houve nenhum momento de destaque. Por volta dos meus 12/13 anos, marcaram-me os primeiros encontros no Pré-seminário e a novidade e alegria que me preenchia em descobrir Jesus Cristo e em descobrir a alegria que outros sentiam em fazer este caminho. Marcou-me no ano propedêutico a decisão de querer avançar, de querer discernir a minha vocação de uma forma mais séria e mais objetiva. E marcou-me o pedido que fiz para a ordenação diaconal, expressando a minha vontade livre e decisiva de me querer entregar no exercício do ministério sacerdotal. O ato de escrever o pedido e formalizar essa decisão obrigou-me a revisitar a história da minha vocação e consciencializou-me de que o caminho era por aqui. Dei expressão a este desejo e a esta vontade que fui amadurecendo durante vários anos e que agora se concretiza.
“Deus sempre foi muito generoso comigo porque sempre me deu muitos sinais e sempre colocou no meu caminho muitas pessoas que me foram guiando e ajudando a traçar um rumo
“ Sempre senti (…) que houve espaço para ser eu a decidir, houve sempre espaço para uma decisão minha em liberdade
E houve também outros aspetos que te tenham marcado no sentido de confirmar que era mesmo por este caminho que querias seguir?
Acho que Deus sempre foi muito generoso comigo porque sempre me deu muitos sinais e sempre colocou no meu caminho muitas pessoas que me foram guiando e ajudando a traçar um rumo. Eu nunca tive um momento que fosse de viragem na minha vida, em que me decidisse radicalmente a ser padre. Esta ideia da vocação foi surgindo com naturalidade através de todos estes acontecimentos e de todas estas pessoas que me foram ajudando — não de maneira direta, mas pelos seus gestos, pela sua forma de estar e de viver —, a perceber que o Senhor me chamava e que eu podia dar-lhe uma resposta muito concreta e muito objetiva nesta vocação específica que é a sacerdotal. Sempre senti, ao longo da minha caminhada, que houve espaço para ser eu a decidir, houve sempre espaço para uma decisão minha em liberdade. No final de todas as indicações, de todos os conselhos, tenho de ser sempre eu a decidir. E isto, por um lado responsabiliza-me, mas por outro também me faz sentir mais livre porque me dá a entender que a decisão é minha. Ninguém a toma por mim. É a história de Deus comigo, de uma forma muito concreta e muito bela.
Mas quando falas em sinais, que sinais foram esses?
Ao longo do caminho no Seminário ou ainda antes de entrar no Seminário?
Particularmente durante o tempo de Seminário.
O Seminário Menor foi, para mim, um tempo muito alegre e sentia que esta alegria de viver, com uma comunidade de irmãos que também se inquietavam vocacionalmente, me fazia sentir muito bem. Sentia-me bem disposto, sentia-me alegre e acho que isso era um sinal de Deus de que estava no caminho certo. Não sabia concretamente se aquela seria a minha vocação, mas sabia que aquele era um tempo e um caminho feliz e, por isso, devia continuar.
Entraste para o Seminário com que idade?
Entrei, com 15 anos, para o 10º ano e quando terminei o Seminário Menor fui para o Seminário de Caparide, em Lisboa, e aí já foi um tempo em que tive de pensar a questão vocacional de uma forma mais séria e objetiva. Marcou-me, sobretudo, aquele ano. Acho que fiz uma experiência muito bonita de encontro com Jesus Cristo, pelo ritmo de oração, no silêncio que a casa e aquele ano propedêutico nos convidavam a fazer. E acho que isso me deu também bases para depois me orientar no resto da minha caminhada vocacional. Acho que aquele ano e aquela experiência de encontro com Jesus consolidou muito a minha fé e me agarrou muito ao essencial daquilo que era ser padre e, sobretudo, daquilo que era ser cristão, que era estar unido e ter uma relação sólida e forte com Jesus Cristo.
Por outro lado, não estava nada à espera de ir para Lisboa. Como ia sozinho da minha diocese para Caparide e como não era habitual irmos aqui do Algarve para lá, acho que o sair do ambiente da minha diocese e do ritmo do Seminário Menor, ao qual estava já habituado, criou em mim uma maior disponibilidade interior para deixar que o Senhor me guiasse para onde Ele achasse que eu deveria ir. Foi uma experiência muito boa. Fui eu e Deus a construir esta história que, na altura, eu não sabia onde é que iria dar, mas que, com Deus, certamente iria dar a bom porto. E foi não só um apelo à minha confiança em Deus, mas também na Igreja que me haveria de guiar e orientar neste caminho.
O tempo do Seminário Maior já foi mais um tempo de descoberta, sobretudo pelo estudo da Teologia, daquilo que é a realidade da Igreja e daquilo que é o ministério presbiteral, procurando dar forma e densidade àquilo que me propunha a assumir, mas que tinha de conhecer com algum fundamento. O tempo em Évora serviu muito para isso, para dar robustez à ideia do que é ser padre e do que isso implica, a nível humano, espiritual pastoral, etc…

E a tua família como é que reagiu à tua decisão de entrares no Seminário?
Comecei a pensar nisso por volta do 9º ano e fui preparando a minha família. Lembro-me que, de vez em quando, dizia à mesa que havia outros jovens que iam para o Seminário. Dizia: “Se eu for para o Seminário, será normal e não sou o único porque há lá mais rapazes”. Lembro que deixava assim tudo muito em aberto, sem me comprometer com nada, de alguma forma a tentar testar qual seria a reação. Depois, com o terminar do 9º ano, as coisas começaram a ganhar um caminho mais concreto e tive de tomar uma decisão. Falei com o padre Pedro Manuel e restantes membros da equipa formadora do Seminário e com os meus pais que também falaram entre si e aceitaram com alguma naturalidade, mantendo sempre a possibilidade de o caminho não estar definitivamente traçado e de que não tinha de ir para o Seminário e, necessariamente, ser padre. Os meus pais sempre mantiveram a possibilidade de que, quando quisesse e em qualquer circunstância, poderia voltar para casa. Isso também foi muito bom porque não sentia qualquer pressão naquilo que estava a fazer. Os meus pais, como qualquer família, no início ficaram um bocadinho reticentes – até porque eu tinha 15 anos e ia sair de casa – mas também conheciam o padre Pedro e o padre José Pedro e acho que isso facilitou muito as coisas. Por outro lado, ia estudar na Escola Secundária Pinheiro e Rosa que era relativamente perto, pois vivíamos nas imediações da cidade. E aos poucos, os meus pais começaram a considerar que esta era mesmo uma possibilidade e não algo passageiro, nem um tempo de experiência e que vir para o Seminário poderia levar a que chegasse mesmo a ser padre. E isso foi-se confirmando à medida que fui avançando. Quando quis, já de uma maneira mais séria e comprometida, ir para Lisboa, os meus pais perceberam que a realidade assumia outra dimensão e quando fui para o Seminário de Évora, ainda mais. Acho que o tempo também foi ajudando a amadurecer a decisão.

E a tua irmã, como reagiu?
A minha irmã era ainda pequena quando fui para o Seminário. Ela tem seis anos a menos do que eu e acho que não percebeu logo que, a partir daquele momento, o ritmo de vida familiar iria assumir outra configuração. No entanto, acho que também foi fazendo o caminho dela. De vez em quando, os meus pais e a minha irmã também iam ao Seminário, encontravam-se com os familiares de outros seminaristas. No fundo, acho que fez parte do crescimento e do percurso dela também esta consciência de que tinha um irmão que estava a passar por aquela experiência que era viver no Seminário.

As experiências eclesiais mais recentes que fizeste, concretamente, a participação na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa, o Convívio Fraterno e a Missão País, também influenciaram ou tiveram algum peso no teu discernimento vocacional?
Sim. Na JMJ já estava no 5º ano do curso e acho que pude fazer uma experiência única daquilo que é a Igreja, pois nunca tinha participado em nenhuma JMJ. Em Lisboa, marcou-me especialmente, o facto de saber que ia estar com o Papa e com muitos outros jovens. Acho que isso me ajudou a fortalecer a minha identidade como jovem, como membro da Igreja, conhecendo também jovens de outras proveniências que vivem a mesma fé e o mesmo sentido de comunhão em torno do Papa. No fundo, foi uma experiência de Igreja alargada. Eu era mais um no meio de tantos que ali estavam, mas sentia-me parte daquela jornada.
Mas antes, marcou-me também muito a experiência das Pré-jornadas e toda a dinâmica daquela semana com o acolhimento de jovens de outras nacionalidades aqui na nossa diocese, que terminou com a Missa de envio, no estádio. Foi um momento em que pude estar mais envolvido ao nível da preparação e da organização. O facto de estar envolvido e empenhado em servir os outros foi uma experiência que, de alguma forma preparou o meu coração para a semana das jornadas, propriamente.
A experiência da Missão País surgiu por acaso, pois nunca tinha pensado fazê-la. Surgiu, o ano passado, a convite dos chefes gerais da Missão País da UAlg e, este ano, graças a Deus, também foi possível voltar a fazer a Missão. Essa experiência também ajudou a confirmar este desejo de entrega aos outros, conhecendo um bocadinho melhor a realidade de ser missionário em contexto universitário, que é um contexto muito próprio, num ambiente muito descontraído e alegre. Foi uma experiência que também me ajudou muito. Durante a Missão, pensava muito que a minha presença podia ser uma espécie de farol ou de sinal de alerta que poderia levar outros jovens a interrogar-se ou a pensar que há diferentes caminhos, diferentes propostas e que o Senhor também vai falando em diversos contextos. Alguns dos missionários acompanharam uma missão, sendo eu ainda seminarista, e outra, este ano, já como diácono. Portanto, aqueles que participaram nas duas acompanharam este caminho com mudanças visíveis e muito concretas. Foram percebendo que é possível fazer caminho, que o Senhor chama, que dá missões concretas e que as pessoas também vão descobrindo a sua identidade e o seu caminho, e, a partir, daí surgem frutos, ministérios e serviços em favor dos outros.
A perceber que, se Deus continua a chamar outros da idade deles, também eles poderão sentir-se chamados?
Sim, esta proximidade pode ser uma ajuda para ser mais fácil perceber.
Pelo menos a questionar essa hipótese?
Sim, sim. Acho que há muito trabalho que é Deus que faz. Às vezes, a presença pode ser uma interpelação ou levar a considerar essa possibilidade. Mais do que aquilo que disse ou que fiz na Missão País, foi o facto de lá ter estado. Esse é que foi o principal contributo.
E também fizeste o Convívio Fraterno, não foi?
Fiz. A experiência do Convívio também surgiu quase no final da minha formação, já no 6º ano do curso. Pessoalmente, a experiência foi de serenidade e de confirmação daquilo que era a história de Deus comigo e da relação que mantinha com Ele. Foi um redescobrir e avivar desta alegria e desta beleza que é encontrar-me e querer estar com Deus.
E também achas importante que alguém que vai ser sacerdote faça essas experiências?
Sim. Primeiro, porque participar nestas actividades é um testemunho para os outros do caminho, do discernimento e da descoberta que nós próprios vamos fazendo. E depois também é muito importante porque o Senhor também nos vai falando e confirmando através destas iniciativas. Eu não nasci com a minha vocação totalmente definida e estas pequenas experiências ajudam a confirmar, e no meu caso concreto, ajudaram-me a confirmar este chamamento a ser presbítero. No fundo, foram pequenas ajudas.
Mas a minha pergunta era também no sentido de saber se depois, como sacerdote, essa experiência adquirida poderá ser uma mais-valia.
Sim, porque se já estive no papel do outro, já sei, depois, como sacerdote, o que é que o outro poderá estar a passar ou a viver. E talvez, como sacerdote, seja mais fácil de o ajudar. Viver com os universitários aquela semana poderá dar-me um olhar pastoral mais atento na minha relação, como presbítero, com os universitários. Fazer a experiência do Convívio Fraterno e viver como jovem essa experiência, na vida pastoral poderá afinar o meu olhar e a minha atenção para o contexto que cada jovem poderá estar a viver e a necessidade concreta que poderá ter de uma determinada palavra ou ajuda. Acho que todas essas experiências são sempre uma riqueza. No meu caso concreto, ter passado também pelos escuteiros dá-me uma visão pastoral mais atenta à importância do escutismo na vida dos jovens e na vida da Igreja. Quem diz os escuteiros, diz outros movimentos e outras realidades. Acho que é sempre enriquecedor.
“Um dos desafios (…) vai ser o de aprender a ser padre, mas no concreto da vida das pessoas
E por falar em experiências enriquecedoras… Esta experiência de acompanhamento do bispo diocesano no seu trabalho pastoral que importância é que teve?
Acho que um dos desafios daqui por diante vai ser o de aprender a ser padre, mas a ser padre no concreto da vida das pessoas. E para que isso aconteça, primeiro é preciso conhecer a realidade, estar lá, conhecer as histórias, aquilo que aflige as pessoas, mas também aquilo que as alegra, entrar nos seus ritmos de vida. Isso é o primeiro desafio. E este ano, esta experiência de passar com o senhor bispo por diferentes comunidades e conhecer diferentes realidades, tem contribuído muito para esse conhecimento da realidade no terreno. Nesse sentido, tem sido uma experiência muito positiva porque me obriga a ir ao encontro dos outros. É literalmente estar no sítio, estar no terreno. É verdade que são passagens esporádicas ou mais pontuais, são pequenas experiências, mas dão uma visão de conjunto daquilo que é a Igreja e também do que é a vida das comunidades.

De pastor no meio das ovelhas?
Sim. Essa é uma definição muito bonita para este ano. No fundo, olho para a minha missão, durante este ano, como um auxílio, na medida daquilo que me é possível, ao nosso pastor diocesano, que também procura estar no meio das suas ovelhas. Depois do estudo, da parte teórica, vem uma pastoral mais da realidade, do concreto e com uma visão mais geral ou mais abrangente, mais a nível diocesano por estar a acompanhar o senhor bispo e não numa paróquia.
E era aquilo que imaginavas ou ficaste surpreendido?
Não, não era aquilo que imaginava. Mais uma vez, o Senhor foi-me mostrando o seu caminho e foi uma possibilidade que surgiu e que fui procurando acolher com naturalidade também.
A proposta foi feita pelo nosso bispo?
Foi feita pelo senhor bispo e depois foi-se tentando concretizar como é que podia acontecer, tendo presente a finalidade de acompanhar o senhor bispo nas visitas pastorais para um maior conhecimento da diocese. É verdade que sou do Algarve, que quase sempre vivi no Algarve, mas os sítios concretos, os locais, as suas características, tudo isso é necessário conhecer também e acho que este ano tem sido para isso.
E não se limitou às visitas pastorais?
Tem também sido o acompanhamento do senhor bispo noutras atividades pastorais que não propriamente as visitas, até porque as visitas este ano têm sido mais na região do sotavento. Mas há também atividades pastorais nas outras duas regiões: celebrações de crismas, encontros mensais do clero, atividades diocesanas, etc… E aí, muitas vezes, também tenho acompanhado o senhor bispo, sempre tendo em mente conhecer a realidade das pessoas e da Igreja algarvia. É um trabalho muito bonito porque vamos às paróquias, mas também a alguns lugares de culto, o que permite um conhecimento mais pormenorizado das diferentes realidades. Por outro lado, com a minha passagem pelas diversas paróquias, o senhor bispo tem procurado despertar as comunidades por onde vamos passando para a questão vocacional. Normalmente, o senhor bispo apresenta-me e renova sempre o apelo a rezarmos e a estarmos conscientes da necessidade das vocações sacerdotais na nossa diocese. E acho que este trabalho mais local também tem o seu interesse, reaviva a memória e a consciência desta necessidade.
E possibilitará daqui a uns anos colhermos os frutos?
Espero que sim. Deus fará o seu trabalho.
“Este ano, de alguma forma, alargo mais o horizonte e penso também o cuidado pastoral do pastor na ação diocesana
E essa experiência também tem ajudado a mudares a tua perspetiva em relação à missão do bispo diocesano?
Sim, sim. Eu não tinha uma consciência tão clara deste trabalho do senhor bispo e agora fico com a noção de que o cuidado pastoral do bispo diocesano pela diocese tem expressões muito concretas e uma delas (e muito bela) é este ir ao encontro das comunidades, o estar com as comunidades, o ouvir as comunidades. De uma forma muito simples, mas muito próxima. Antes, pensava muito a ação pastoral a partir da realidade da paróquia. O padre na paróquia exerce, como pastor, o cuidado daqueles que lhe estão confiados. Este ano, de alguma forma, alargo mais o horizonte e penso também o cuidado pastoral do pastor na ação diocesana. Não tanto nas questões mais burocráticas ou nas decisões mais formais, mas também neste contacto mais pessoal com as comunidades.
“Olho para o presbítero como aquele que é capaz de unir, de estabelecer diálogo e pontes
Vivemos hoje um período particular com alguns desafios, e alguns riscos também, que se colocam não só ao mundo, mas também à Igreja. Como é que entendes o lugar do sacerdote na sociedade de hoje?
Quando penso a missão e o testemunho de um sacerdote espero que seja muito um homem capaz de gerar comunhão, alguém que se coloca ao serviço dos outros, ao serviço de uma comunidade para que todos, por meio dele, se possam encontrar com Deus e viver num clima de verdadeira fraternidade. Olho para o presbítero como aquele que é capaz de unir, de estabelecer diálogo e pontes. Acho muito sugestivo e muito bonito este desejo do Papa Leão XIV de oferecer a mediação do Vaticano para resolver conflitos armados entre os diferentes países. Esta questão da comunhão e do diálogo marcam muito aquilo que desejo ser como presbítero: homem da comunhão e homem do diálogo. Que as pessoas possam olhar para o padre e pensar: «é sempre possível falar com ele. Independentemente de qual for a minha situação ou condição, esteja onde estiver, com mais ou menos fé, com mais ou menos dúvidas, o padre é alguém com quem posso sempre estabelecer diálogo». Isso é já uma grande porta de abertura para começar a fazer caminho.
“O primeiro desafio é aprender a ser padre para este tempo concreto
E qual achas que vai ser o maior desafio que encontrarás depois de ordenado?
Não sei. Essa pergunta é sempre difícil. Acho que o primeiro desafio é aprender a ser padre para este tempo concreto, com uma linguagem, com um modo de estar e de viver que seja, de facto, sinal da beleza e da alegria de Deus para os homens de hoje. Acho que esse é um grande desafio. Gosto muito daquela ideia de que o padre deve ter sempre junto da cabeceira a Bíblia e o jornal. É uma imagem clássica, mas que traduz muito esse desafio de ser capaz de transmitir, de falar, de passar bem a mensagem nos diferentes contextos e nas diferentes situações. No fundo, é ser uma espécie de um tradutor desta beleza e desta alegria do evangelho que é sempre a mesma e que é sempre desafiante, mas que, em cada época, contexto e situação, precisa ser apresentada com uma linguagem própria. E isso é um grande desafio. Mas, como dizia, antes de tudo é preciso conhecer bem a comunidade, as pessoas, para depois, a partir daí, trabalhar, viver.
Ser alguém muito enraizado e profundo conhecedor da realidade que se vive para depois, a partir dela, conseguir levar as pessoas até a Jesus?
Sim, acho que é muito a partir daí. Manter uma relação, partilhar um pouco a vida, o contexto e a partir daí ser anunciador, ser testemunha em pequenos gestos, em pequenos sinais, mas sempre neste tu a tu, neste encontro pessoal com cada pessoa, porque cada pessoa tem a sua história, cada comunidade tem também as suas características e esse conhecimento prévio é sempre importante para depois adequar a transmissão da mensagem. A partir daí é que se pode começar a propor um encontro com a pessoa de Jesus Cristo.
“ A questão da sinodalidade é muito complexa e muito desafiante, mas acho que (…) o meu percurso formativo também já foi sendo marcado por essa realidade
O Papa Francisco encetou alguns caminhos desafiantes para a Igreja, certamente sob inspiração do Espírito Santo. Tendo decorrido o Sínodo dos bispos depois de um percurso inédito de auscultação popular, o processo segue agora um tempo de acompanhamento e avaliação da fase de implementação pelo menos até outubro de 2028. Estamos a viver um momento de complexidade, a redescobrir uma forma nova de ser Igreja, a percorrer caminhos novos em conjunto. Como é que achas esta realidade concreta irá influenciar o exercício do teu ministério?
A questão da sinodalidade é muito complexa e muito desafiante, mas acho que, de alguma forma, o meu percurso formativo também já foi sendo marcado por essa realidade. Por isso, acho que o ministério sacerdotal, necessariamente, também ficará marcado por ela.
Mas foi um tema abordado durante a formação?
Também. Quando, em 2021 o Papa Francisco propôs à Igreja a realização de um sínodo sobre a sinodalidade, eu estava a estudar no Seminário de Évora e, na altura, acompanhámos o processo sinodal, participando na fase de consulta diocesana e procurando compreender melhor o que significava este “caminhar juntos” como Igreja que o Papa nos propunha. Por outro lado, acho que toda a reflexão em torno da sinodalidade também me ajudou a interpretar melhor a missão do ministro ordenado no seio da Igreja. A compreender que esta é, sobretudo, um serviço a todo o povo de Deus, sinal e expressão da forma como Jesus também exerceu o seu ministério: por meio do serviço. E depois, quando nos damos conta de que todos estamos na mesma estrada e de que a Igreja é enriquecida com dons e carismas diferentes que passam pelo ministério ordenado, mas não ficam nele, daí resulta uma riqueza que há que ser explorada e aproveitada. Tenho muita confiança na missão dos leigos e na forma como eles são chamados a interagir, a trabalhar e a corresponsabilizar-se no trabalho com os presbíteros. A partir daí abrem-se novas oportunidades para continuarmos a ser uma Igreja que escuta e responde às interpelações que o Espírito Santo hoje nos faz.
O Sínodo surgiu de há uns anos a esta parte, mas já antes se falava muito da questão da corresponsabilidade no trabalho pastoral. Era um tema que já estava muito em cima da mesa e que a Igreja já abordava bastante. Como é que esperas conseguir alcançar essa corresponsabilidade?
O primeiro grande desafio, no contexto paroquial, tem que ver com o funcionamento e a orgânica dos conselhos pastorais paroquiais. Isto, para quem está a começar, pode ser um grande impulso e ajuda na construção de uma comunidade a partir de um perfil sinodal. Começar o trabalho pastoral como presbítero, tendo presente, desde o início, esta dimensão e a importância dos conselhos pastorais paroquiais na consulta e na planificação da acção pastoral, é um bom pontapé de saída para dar impulso, dinâmica e vida às comunidades. O trabalho passa muito por aí. Fico feliz que não se centralize exclusivamente a ação pastoral na figura do pároco, mas que vá mais além e se deixe enriquecer e nutrir por tantos outros carismas que o Espírito vai suscitando na vida da Igreja e das comunidades para além deste ministério.
E que aspeto é que gostarias de valorizar no exercício do teu ministério sacerdotal?
O que disse há pouco: ser um homem que gera comunhão e um homem que está aberto ao diálogo.
“Gostava muito que olhassem para o meu ministério e para a minha entrega como presbítero como sinal do amor de Deus
Seres ordenado no Ano Santo da esperança é também um marco que ficará associado à tua caminhada vocacional?
Penso que sim. Para já, porque este Ano Santo é especialmente dedicado à esperança, como referiste, e, por isso, espero que o meu ministério também possa ser sinal desta esperança de que Deus ama o seu povo e continua a suscitar ministros que apascentam e que cuidam desse povo que Deus muito ama. Portanto, gostava muito que olhassem para o meu ministério e para a minha entrega como presbítero como sinal do amor de Deus, sinal de que não devemos vacilar na esperança de que Deus nos continua a amar, guiar e orientar, independentemente das dificuldades por que possamos passar.
É curioso, porque inicialmente não constatei logo essa coincidência. Comecei a dar-me conta, quando fiz o pedido para a ordenação diaconal, que provavelmente poderia vir a ser ordenado presbítero num ano jubilar. Fiquei especialmente feliz quando soube que este ano seria dedicado à esperança porque, olhando para a realidade a nível social e também a nível eclesial, acho que é um tempo muito bonito este que a Igreja nos convida a viver.
E que Igreja gostarias de ver ser realidade daqui a 25 anos?
Daqui a 25 anos, provavelmente estaremos novamente a viver outro Ano Jubilar. Portanto, espero que possamos ser novamente uma Igreja consciente da importância da vivência deste tempo de graça que nos é dado viver a cada 25 anos; uma Igreja que se deixou envolver e que viveu bem este Ano Jubilar e que colheu os seus frutos; uma Igreja amadurecida que foi fazendo este caminho também a nível da sinodalidade e continua a deixar-se guiar por onde o Espírito Santo a vai orientando; que continua a ser fiel à novidade e à alegria do evangelho e que, a partir daí, continua a propor Jesus Cristo aos homens e às mulheres do seu tempo, traduzindo na linguagem daqui a 25 anos, esta beleza e esta novidade. Espero que o caminho passe muito pela fidelidade ao evangelho, pela descoberta da alegria de ser cristão e pela capacidade de transmissão e de testemunho desta alegria no contexto da altura, a nível social, político, eclesial. Nessa altura, espero continuar a ser um servidor generoso e alegre da Igreja do Senhor.