
A diretora regional de Cultura do Alentejo veio ao Algarve dizer ao clero do sul do país que é necessária para a cultura uma “outra visão” que considerou mais “complexa” – mas “também com importantes contributos a dar para enfrentar e compreender os desafios” atuais –, que ajude a erradicar a “doença” da “patriamonialização excessiva”.
Ana Paula Amendoeira, que é simultaneamente a presidente do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, acrescentou – na atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, que decorreu a semana passada no hotel Jupiter em Portimão –, que o contributo da Igreja para essa “nova visão” está disposto na encíclica papal Laudato Sí.
Aquela oradora, que abordou na passada quarta-feira a dimensão cultural na primeira de duas mesas redondas que procuraram apontar as “Áreas prioritárias na Ação Pastoral da Igreja”, considerou que o “gosto pelo património” surgiu como “efeito secundário das destruições impostas pela modernidade”.
“Hoje sofremos de uma «doença» da patriamonialização porque temos uma dificuldade em lidar com a passagem do tempo, mas sobretudo porque não o compreendemos e deixámos de fazer dos lucros as perdas”, criticou, acrescentando que a “era da patriamonialização planetária” chegou na segunda metade do século XX, sobretudo a partir da década de 70. “Não tem, necessariamente, sido garante de sustentabilidade e de resiliência, embora tenha contributos positivos”, sustentou.
Ana Paula Amendoeira lamentou que, muitas vezes, nas intervenções contemporâneas de conservação e salvaguarda se ignore “a ligação e a intenção sagrada e simbólica da arte e da arquitetura, para além das técnicas e materiais de construção e decoração utilizados, com propósitos cultuais, sagrados e, por isso, culturais”. “Hoje, devido entre outras coisas a um corte com o passado nos modos de vida e visões do mundo, temos uma voragem patrimonializadora que, sem muitas vezes nos darmos conta, nos afasta, mais do que nos aproxima, do fundamento desse mesmo número que hoje designamos como património, mas que antes de o ser são lugares de culto, sagrados”, afirmou.

A diretora regional de Cultura do Alentejo considerou assim que “o que garante a sustentabilidade, a durabilidade dos territórios e a sua resiliência não é necessariamente um objeto e a sua preservação isolada, retirada dos seus contextos e a sua consequente vulnerabilização se não houver uma compreensão mais vasta que justifique a sua relevância para a vida e para o bem-estar e o bem viver das comunidades”.
“A verdadeira salvaguarda dos territórios, no que diz respeito à cultura, reside na continuidade da nossa competência de edificar e de habitar e de viver no território. Esse é o verdadeiro património e se atingirmos esse patamar de salvaguarda, de planeamento e de equilíbrio na «casa comum» podemos curar-nos da patriamonialização excessiva como atitude cultural”, defendeu, exortando a uma “outra visão”, “não apenas linear, progressista, nem apenas cíclica, patrimonialista ou culturalista”, apoiada numa “espiral de tempo e de território em que os diversos territórios, tempos e dimensões (também espirituais) interagem, se relacionam e se inter-significam”.
Na resposta à pergunta “como aproximar a Igreja da cultura”, a oradora afirmou que “a Igreja é cultura e a cultura está na Igreja”, criticando a “progressiva retirada e espiritualidade dos assuntos pragmáticos da governação, de políticas, incluindo a cultura”. “A Igreja tem funcionado ela própria, muitas vezes, para a cultura como uma periferia e, muitas vezes, como uma periferia de preconceito”, lamentou.
“O património cultural é hoje um dos pilares de maior e mais importante relacionamento, de cruzamento obrigatório e desejável da Igreja com a cultura. A arte, nas suas mais diversas expressões, a arquitetura e todas as formas de criação artísticas da história não podem ser ditas sem a dimensão religiosa e espiritual”, lembrou, considerando que “muitas vezes há uma arrogância da cultura que se sobrepõe ao culto e à vivência religiosa”. “Há uma lacuna de espiritualidade. Há um caminho muito grande a fazer. Temos de ver sempre qual é o interesse do bem comum”, aconselhou.
A atualização do clero das dioceses do sul, que se realizou de 16 a 19 deste mês, tendo como tema “Levar Cristo às periferias humanas e existenciais: os novos areópagos”, contou com cerca de 120 participantes, incluindo, para além dos bispos das quatro dioceses, o bispo emérito da Diocese de Singüenza-Guadalajara (Espanha), D. José Sánchez González, que também esteve presente.