Na intervenção, em que refletiu à luz da Doutrina Social da Igreja (DSI), o sacerdote lembrou que “Deus não criou o mundo e os seus recursos para alguns, mas para todos” e que “ninguém é dono absoluto dos bens” que “devem ter sempre uma função social”. “A propriedade privada, segundo a DSI, é entendida como responsabilidade social e não como privilégio que exclui. A propriedade privada não é um direito absoluto mas relativo. Nada do que temos nos pertence: tudo existia quando chegámos e tudo ficará quando partirmos. Até a própria vida é dom que nos é dado para partilhar. Não partilhar significa ficar com algo que não me pertence e isto, em boa linguagem, tem um nome”, afirmou.
O orador criticou casos em que “uma empresa explora tudo e todos e depois cria uma creche e diz que tem responsabilidade social”. “A empresa deveria definir-se por um encontro entre o capital (patrão) e o trabalho (trabalhadores). Porque que é que a empresa é apenas propriedade do capital? As máquinas e os edifícios são propriedade do capital que as adquiriu mas a empresa é resultado também do trabalho. Por isso as decisões deveriam passar também pelos trabalhadores naquilo que é interesse de todos”, defendeu.
Neste sentido, o sacerdote lembrou que já o Papa João XXIII “assinalava a possibilidade de os trabalhadores serem associados à propriedade e gestão da empresa ou participarem de algum modo dos lucros que ela proporciona”. “Isto é uma legítima aspiração dos operários. Mas também se põe a questão quando há prejuízo”, complementou, acrescentando que “a empresa tem responsabilidade social em relação aos trabalhadores mas os trabalhadores têm também responsabilidade social em relação à empresa”. “A responsabilidade social implica que o trabalhador contribua com o seu trabalho para a construção do bem comum, que passa pelo bem da empresa, dos donos também e dos outros trabalhadores”, sustentou.
O padre Mário de Sousa advogou assim que, “em tempo de crise e perante as dificuldades da empresa, esta tem de se tornar um viveiro de relações verdadeiramente humanas que se fundamentam na caridade”. “Perante a diminuição dos lucros e o consequente espetro do desemprego, é necessário que o empresário seja solidário com os trabalhadores, renunciando a uma parte substancial dos lucros pessoais”, defendeu, pois “todos somos responsáveis por todos”. “Sem o outro, eu não consigo encontrar o sentido profundo do viver”, acrescentou.
Segundo o orador é necessário, então, que “o empresário seja solidário com os fornecedores, pagando a tempo e a horas”. “O facto de que se tenha generalizado o vício de não pagar a horas, não torna a situação eticamente aceitável. Ficar com o que não me pertence –, e ainda por cima prejudicando gravemente o legítimo proprietário –, é pecado social e pessoal porque é um roubo. Ficar com o que não é meu –, mesmo que seja por determinado espaço de tempo –, é um roubo”, advertiu, pedindo também aos trabalhadores que “sejam solidários com o empresário, renunciando a ações injustas e greves injustificadas que ponham em causa o futuro da empresa ou que a prejudiquem gravemente”. “Os trabalhadores sejam solidários com os outros trabalhadores, mesmo que isso implique ajustamentos salariais. Perante a inevitabilidade do despedimento de alguns, a caridade manifesta-se no congelamento ou no abaixamento do ordenado de todos para que o emprego de todos fique salvaguardado”, acrescentou, admitindo, contudo, poder “haver outros condicionalismos”, até porque “o despedimento, às vezes, é inevitável”.
O padre Mário de Sousa deixou claro que “a Igreja reconhece a justa função do lucro como indicador do bom funcionamento da empresa”, “todavia o lucro não é o único indicador das condições da empresa”. “O lucro é o regulador da vida da empresa mas não o único. A ele se deve associar a consideração de outros fatores humanos e morais. O lucro tem como objetivo o incremento do capital mas também a melhoria do salário que satisfaça as necessidades humanas, não apenas do trabalhador mas da sua família, os serviços sociais, a capacitação técnica, a pesquisa e a promoção cultural”, justificou.
O assistente da ACEGE do Algarve lamentou que o “desejo do lucro desenfreado” tivesse levado a que se considerassem seres humanos como “instrumentos de trabalho para poder ganhar mais” e lembrou que “o sujeito, o fundamento e o fim de qualquer organização social é a pessoa humana”. “O trabalhador deve ser considerado, não apenas como um meio, mas um fim. Ele não existe apenas ao serviço da empresa, mas empresa também existe em função da realização do trabalhador como pessoa humana”, sustentou,
Citando João Paulo II: “o trabalho deve realizar a pessoa, valorizá-la e dignificá-la e não, degradá-la. Por isso a qualidade do trabalho é tão importante quanto a quantidade”. “E isto refere-se quer ao trabalhador, quer ao empresário, porque o empresário também é trabalhador da empresa. Nenhum deles pode ser visto como um mero meio para atingir fins: lucro ou salário”, acrescentou.
Neste sentido, recordou que “há um primado, inalienável da pessoa sobre as coisas”. “O trabalho realiza a pessoa humana, forma-a e transforma-a e está ao seu serviço e não o contrário. O homem não é apenas trabalho, define-se e realiza-se como pessoa humana pela pertença ou participação numa série de estruturas fundamentais ou complementares que tornam o viver verdadeiramente humano”, disse, aconselhando os empresários a “preferir mais a riqueza do amor do que o amor à riqueza”.