A Federação Portuguesa pela Vida (FPV) organizou um encontro em Faro, no passado dia 28 de outubro, sobre “Os desafios da vida em risco: Gravidez, assistência às famílias e final de vida”.

O painel, que teve lugar no auditório da Escola EB 2.3 de Santo António e foi moderado por António Pinheiro Torres, vice-presidente da FPV, contou com as intervenções da presidente da FPV, Isilda Pegado, do organizador da ‘Caminhada pela Vida’, José Seabra Duque, da coordenadora do grupo da Pastoral Sóciocaritativa da paróquia da Sé de Faro, Rita Chaves, da presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, Catarina Pazes, e do responsável do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Faro, Giovanni Cerullo.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Isilda Pegado, que abordou o tema “O apoio à vida na gravidez”, considerou que desde os anos 60/70 do século passado, “Portugal tem sido bombardeado por uma ideologia que é contra a vida humana”. “O que marca profundamente o nosso tempo é percebermos se vivemos numa sociedade que defende o ser humano em qualquer das suas circunstâncias, nomeadamente nas de maior vulnerabilidade que são o início e o fim da vida, ou se, pelo contrário, vivemos numa sociedade de descarte onde os mais carenciados são deixados à sua sorte e, por isso, a pobreza cada vez é maior”, afirmou.

Aquela responsável garantiu “as soluções fáceis são sempre soluções de infelicidade, de destruição, que deixam feridas numa sociedade”. Isilda Pegado rejeitou que o aborto seja um “ato individual de decisão” porque “abrange toda a sociedade, toda a família e uma mulher que fica com um sofrimento para o resto da vida”. A oradora reconheceu “que há circunstâncias válidas, no sentido do sofrimento que trazem, que empurram as mulheres para o aborto”. “É preciso uma mão, um apoio, uma ajuda que se dê a essas mulheres”, realçou, acrescentando que a Misericórdia de Albufeira foi a primeira instituição no país que apoiou mulheres grávidas em risco.

A presidente da FPV disse que em Portugal, por ano, “há centenas de crianças que acabam por nascer” “porque houve ali uma mão de alguém que apoiou”. “É um trabalho de que nos orgulhamos, que temos a certeza que está a fazer história, que é para continuar, que é fonte de felicidade”, afirmou, reconhecendo que “não basta dizer para não fazer o aborto”. “É preciso acompanhar. É preciso mais do que a solidariedade, é preciso a caridade”, reforçou, garantindo que 30% dos abortos feitos em Portugal ocorrem na faixa etária dos 24 aos 32 anos e “por opção da mãe”. Isilda Pegado assegurou ainda que “mais de 95% das relações, mesmo casamentos, depois de um aborto, terminam”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

José Seabra Duque, que refletiu por videoconferência sobre “a sensibilização para o apoio à vida e as «Caminhadas pela Vida»”, defendeu que aquelas manifestações são um momento público de afirmação contra a “cultura do descarte”.

O orador assegurou que o “primeiro grande objetivo” da ‘Caminhada pela Vida’ é “afirmar que a vida humana é sempre digna – quando está por nascer, quando acabou de nascer, na doença, na velhice” – e que o “segundo grande objetivo” é “político”. “Infelizmente temos uma legislação que em muito viola o direito à vida e à dignidade humana. É preciso dizer ao poder político que há um povo que não quer estas leis”, referiu.

Seabra Duque explicou que a ‘Caminhada pela Vida’ começou em 2012 em Lisboa e depois se espalhou por 10 cidades, incluindo Aveiro, Porto, Braga, Viseu, Évora, Coimbra e Santarém. Clarificando que “não são 10 ‘Caminhadas pela Vida’”, mas “uma única ‘Caminhada pela Vida’ em várias cidades”, desafiou à realização também em Faro daquela iniciativa, cuja próxima edição ocorrerá a 6 de abril de 2024. “Lanço o desafio a todos de continuarmos a fazer crescer a Caminhada pela Vida”, exortou, apelando a que todos possam “lutar publicamente pelo direito à vida, por reconhecer que ela é sagrada e inviolável desde o momento da conceção e lutar pelo pilar sobre o qual está construída toda a civilização”, referiu, advertindo que “se nem o direito à vida é inviolável, então também todos os outros direitos não o são”.

Rita Chaves explicou que o grupo paroquial, constituído por sete voluntários, apoia atualmente 18 famílias (das quais fazem parte 41 pessoas, incluindo 18 crianças) com um cabaz mensal de alimentos, sendo intermediário do Banco Alimentar Contra a Fome. Aquela responsável disse que a organização conta com donativos de particulares e de empresas para a compra de alimentos frescos não fornecidos pelo Banco Alimentar do Algarve, para o pagamento de consultas de oftalmologia e para a compra de óculos, eletrodomésticos ou medicamentos. Para além disso ainda promovem a venda de bolos na festa de Santo António.

Rita Chaves, que abordou o tema “Famílias em crise e exclusão”, destacou a importância do acompanhamento de proximidade em que apostam, com expressão também na iniciativa intitulada ‘Rosto de Caridade’ que compromete ajudadores com beneficiários concretos. “Com a ida a casa temos sempre a noção de como a pessoa vive e de como é a relação de pais para filhos. Acaba por ser um acompanhamento de amizade, de família, de caridade e muita misericórdia porque pomos no outro sempre aquilo que queremos para nós. Essa relação faz com que muitas vezes a pessoa consiga evoluir. Conseguimos ou arranjar trabalho ou dar alternativas ou ajudar a pessoa a organizar o empréstimo”, testemunhou, acrescentando: “dá-nos um grande conforto e alegria quando as pessoas chegam ao pé de nós e dizem que já não precisam. Queremos ser esperança em cada família. Que não seja só o dar e receber, mas o dar, receber e resolver para as pessoas depois fazerem a caminhada”.

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Catarina Pazes apresentou os cuidados paliativos como uma “boa prática clínica” à qual todos têm “direito a aceder” quando precisam e lamentou que isso ainda não aconteça. Por outro lado, a presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos considerou que “outro problema grave é que as necessidades não são identificadas por todos os profissionais como deviam” e que “não está clara a necessidade” que daquela área clínica. “As pessoas em sofrimento por causa de doenças graves sentem-se abandonadas e sozinhas no processo de doença”, criticou na intervenção por videoconferência.

Aquela enfermeira lembrou que as “necessidades paliativas podem vir em qualquer fase da vida” e “não tem que ver com o fim da vida”. “Outra condição é o doente em situação paliativa. Aí estamos a falar de uma pessoa que tem uma doença grave, avançada, que está numa situação tão avançada de final de vida em que a sua situação é paliativa. Ainda assim uma situação paliativa não significa que a pessoa está nos últimos tempos da sua vida”, clarificou, rejeitando que haja uma “fase dos cuidados paliativos”. “Ou há ou não há necessidades paliativas. Se ao longo do percurso da pessoa, na vivência da sua doença lhe surgirem situações que lhe trazem sofrimento, então estou perante a necessidade de intervenção de uma equipa de cuidados paliativos”, sustentou.

Catarina Pazes defendeu que “os cuidados paliativos e as outras especialidades devem coexistir ao longo do processo de doença” e a “necessidade de que os cuidados estejam integrados e organizados entre si por forma a que o doente não seja alvo de cuidados partilhados”. A oradora considerou que “milhares de pessoas não terem acesso a uma especialidade que alivia sofrimento não pode continuar a passar impune”. “Não podemos continuar tranquilos a olhar para esta realidade e a não exigir uma mudança efetiva naquilo que são as políticas da saúde em Portugal. A nossa atitude perante uma pessoa que está em sofrimento por causa de uma doença tem de contar com todas estas facetas: compromisso ético, um sistema que seja eficiente, que use bem os recursos, que responsa às situações quando é preciso”, prosseguiu.

A especialista garantiu que só “10% das crianças que precisam é que têm acesso a cuidados paliativos pediátricos” e disse que são, na maior parte dos casos, “crianças com malformações ou paralisia cerebral”. “Não podemos falar de uma sociedade justa se continuarmos a falar de uma falta de acesso a cuidados absolutamente essenciais”, concluiu.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Por fim, Giovanni Cerullo lembrou que nasceu em abril deste ano a Comunidade Compassiva “Viver Compaixão”, fruto de uma colaboração entre o Centro Hospitalar Universitário do Algarve e a delegação de Faro-Loulé da Cruz Vermelha Portuguesa. “O objetivo é tentar minimizar o sofrimento das pessoas e criar a compaixão na comunidade”, ou seja, “criar uma comunidade que cuide do outro”, afirmou aquele médico responsável do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Faro, explicando que aquela organização assenta no voluntariado ao qual é dada formação.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Aquele encontro, que contou com o apoio da União de Freguesias de Faro, do Agrupamento de Escolas João de Deus e da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, foi ainda transmitido em direto nas redes digitais do jornal Folha do Domingo e da plataforma informativa Mais Algarve, por via da cobertura realizada em colaboração pelos dois órgãos de informação que permitiu também as condições técnicas para a intervenção dos oradores por participaram por videoconferência.