No discurso proferido perante um auditório cheio no campus da UAlg nas Gambelas, Faro, após lhe ser outorgado o doutoramento Honris Causa, Lídia Jorge afirmou sentir-se honrada por ser distinguida pela Universidade da região a que disse “pertencer de coração” e recordou a sua infância e adolescência em Boliqueime, de onde é natural.
“Devo ao Bom Acaso o facto de ter nascido numa família de camponeses que amava livros”, disse a escritora algarvia, frisando que a leitura “era o único estímulo cultural” e na adolescência teve os “professores certos”, que lhe deram a conhecer livros e cultura.
“Passava as longuíssimas férias do verão no alto do nosso monte de Boliqueime, aprisionada numa casa de lavoura, e os livros estavam todos lidos. Mas o Bom Acaso fazia que a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian passasse por ali e o condutor bibliotecário escolhesse por mim os livros grossos”, contou.
Esses livros, segundo a escritora, permitiram-lhe fazer viagens que não fez e “a formular perguntas fundamentais que justificam os livros”, de uma forma que os jovens de hoje “acharão bizarra” e “dificilmente poderão compreender”, porque as suas histórias “nada têm a ver com escassez”, mas sim com “abundância de meios, excesso de oferta”.
Mas Lídia Jorge defendeu que há um elemento comum com os jovens de hoje, porque também precisam do “Bom Acaso” e “fazer bons encontros com quem os faça desembaraçar da profusão dos meios” e “ajude a desocultar o que é precioso e indispensável e está escondido sob a morraça da superficialidade”.
“Penso na figura tutelar dos professores junto dos seus alunos, como o Bom Acaso, e em particular nos professores de Humanidades e Português, aqueles que em princípio mais estão ligados a esta causa, e melhor precisam de compreender a delicadeza do momento que passa”, defendeu a escritora.
Lídia Jorge recebeu o doutoramento Honoris Causa das mãos do reitor da UAlg, João Guerreiro, numa cerimónia que contou com a presença da ministra da Cultura, Maria Gabriela Canavilhas.
Ao justificar a distinção, o vice reitor da UAlg, Pedro Ferré, disse que Lídia Jorge “é uma escritora maior” porque “a sua vasta obra revisitou a consciência mais íntima da humanidade nossa contemporânea” e “procurou refletir sobre o real e o modo de o representar, questionando o seu ofício com inovadoras soluções que não cessam de sempre surpreender, pela eficácia do estilo e aperfeiçoamento das técnicas narrativas”.