Em resposta à pergunta que deu título à sua reflexão na atualização do clero das dioceses do sul do país — “Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional: caminhos paralelos ou comunhão pastoral?” —, o padre Carlos Carneiro referiu que “uma faz a outra” e que “não é possível uma sem a outra”. 

“São gémeas do mesmo desejo que a Igreja tem de ajudar cada um a descobrir-se em Deus”, sustentou aquele sacerdote jesuíta que se tem dedicado às duas dimensões da pastoral, explicando que dentro da pastoral juvenil, “a promoção das vocações distingue-se do acompanhamento de cada um”. “A chave está neste acompanhamento e no tempo que é preciso para acompanhar cada um no seu processo porque, muitas vezes, os tempos de Deus, os tempos das nossas instituições e os tempos das pessoas não coincidem”, constatou. 

Aquele especialista considerou “a pastoral das vocações como um serviço que a Igreja presta à juventude”. “Não a vejo como uma estratégia ou dinâmica, mas como uma obra de serviço, uma obra da caridade. A pastoral juvenil é uma expressão da caridade de Deus”, desenvolveu, acrescentando que “a pastoral da juventude ou a pastoral da promoção das vocações é um serviço que a Igreja quer prestar a quem se encontra nesta fase da vida e que é decisivo não só para o futuro da comunidade eclesial”, mas “para o futuro da humanidade porque a humanidade não é a mesma com ou sem a Igreja, o mundo não é igual com ou sem católicos”. 

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O orador considerou, por isso, que este “não é um tempo adverso, mas oportuno” para levar a cabo essa pastoral. “A vocação é um dinamismo da ação criadora e criativa de Deus e Deus não deixou de cuidar da sua Igreja”, advertiu, acrescentando que “a vocação é tarefa, processo, mas é graça do Senhor”. “É um chamamento, mas também é uma resposta. É um encontro de duas liberdades que se procuram, de um Deus que acredita em cada um. O homem responde a Alguém que acredita em si”, sustentou.

O jesuíta exortou, por isso, a uma atitude ativa. “O que o Senhor nos pede é que, mais do que incomodados, vivamos profundamente comovidos, tocados pela realidade que somos chamados a transformar e não apenas a aceitar de uma forma resignada”. “O que é que o Espírito diz à Igreja e está a dizer à nossa condição sacerdotal na Europa pelas condições em que nos encontramos?”, questionou, aludindo à “capacidade de propor o Evangelho às gerações atuais como elas são”. “Será que perdemos a capacidade de sermos profetas de um anúncio absolutamente original, fascinante e único que mais ninguém tem?”, interrogou.

O padre Carlos Carneiro considerou que “dois mil anos é muito pouco para definir que a Igreja chegou a um estado que já não pode crescer, evoluir, transformar”. Nesse sentido, lembrou que a “fidelidade” também “pede o dever de mudar” e de “alterar”. “A verdade é que será essa fidelidade, que vive entre a firmeza e a leveza, que nos permitirá permanecer como peregrinos que acompanham quem procura”, completou, considerando que o que juventude “espera” do clero é a sua “própria fidelidade ao chamamento e ao seguimento do Senhor”.

A título de exemplo dessa necessidade de fazer diferente, lembrou a experiência na “parte mais urbana e juvenil” do centro de Londres onde um grupo de “mais de 200” jovens percorre todas as noites os bares com uma vela na mão para perguntar aos clientes se não gostariam de aprofundar o conhecimento de Deus. Numa capela próxima, no contexto de adoração eucarística, estão sempre 10 sacerdotes disponíveis, das 23h às 04h, para atender quem aceite o convite. “É a essa radicalidade a que o Evangelho nos chama”, considerou, acrescentando que a experiência “tem ajudado muitos que vivem na periferia da sua certeza e também da fé a reencontrarem uma experiência gozosa que é muito mais do que serem felizes”.

Frisando que “a pastoral da juventude só tem futuro quando não é uma pastoral de animação, mas uma pastoral de conversão e de transformação”, o sacerdote defendeu que, “hoje, o que a juventude mais precisa e procura não é só um sentido de identidade plural, mas um sentido de unidade”. “A identidade e a unidade têm imensas afinidades com a vocação porque a vocação é uma conversão à própria identidade, à vida verdadeira”, relacionou, alertando para o “perigo” de se “pensar que é uma pastoral da auto-descoberta”. “Ficarmos apenas por uma fé que nos leva à descoberta de quem somos sem nos levar à descoberta de para quem somos. Não há nada de mais cristão do que perceber que eu não sou para mim e não vivo para mim, mas para os outros”, esclareceu, considerando, por isso, que “não há mais crises de vocações ao sacerdócio do que crises de vocação ao matrimónio”. 

A atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal está a decorrer desde segunda-feira em Albufeira e contou hoje também com a participação do núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) em Portugal, D. Ivo Scapolo.