
Luís Paulino Pereira, médico de medicina familiar no Centro de Saúde da Ajuda, em Lisboa, veio ao Algarve evidenciar que a eutanásia é “um ato que tem por finalidade acabar com a vida e não com o sofrimento”.
“Que ninguém se iluda. Eutanásia é acabar com a vida e é pôr na consciência dos médicos a responsabilidade da decisão dos doentes”, afirmou no passado dia 1 de outubro na conferência que proferiu no Centro Paroquial de Portimão, promovida pela paróquia matriz em parceria com a Paulus Editora .
Aquele clínico geral, que escreveu o prefácio da edição portuguesa do livro “Contra a eutanásia” do médico francês agnóstico já falecido, Lucien Israël, deixou claro que “não há eutanásias sem médicos”. “Um doente diz que quer morrer mas precisa de um médico para o matar”, lamentou, considerando que “uma coisa é a pessoa querer morrer, outra coisa é pedir ao médico que a mate”.

Neste sentido advertiu que “o médico deixa de ser um aliado do doente para passar a ser um carrasco da sua auto-condenação”, lembrando que “não há médicos ao serviço da morte” e considerando que se algum dia a eutanásia for posta em prática em Portugal, a imagem da medicina no país “ficará irremediavelmente afetada”.
Considerando que o problema da eutanásia tem a ver com a falta de valores, o conferencista lembrou que “um médico não é um profissional qualquer que não tem valores”. “Cada vez temos mais licenciados em medicina e menos médicos”, criticou, evidenciando que “um médico é um profissional que está ao serviço da vida”. “A nossa classe, infelizmente, tem vindo a perder o prestígio. Os médicos têm de ter vocação para exercer a medicina e, acima de tudo, estar ao serviço da vida. E é por muitos não pensarem assim que abrimos a televisão e encontramos pessoas com responsabilidades no nosso país que vêm defender coisas que um médico em circunstância alguma pode defender”, acrescentou.

Aquele profissional de saúde disse ter quase 2.000 utentes inscritos na sua lista do centro de saúde, incluindo “muitas pessoas acamadas, idosas e com problemas terríveis”. “Curiosamente não houve uma única pessoa até hoje que me tocasse no assunto, nem tampouco que me viesse perguntar o que era. Isto vale o que vale, mas quer dizer alguma coisa”, testemunhou.
“Será que este assunto é mesmo importante para as pessoas, de maneira a imporem este tema à sociedade? Ou é a sociedade que o impõe às pessoas? Não será a sociedade, carregada por esta falta de valores, que impõe às pessoas todos estes movimentos?”, questionou, lembrando outros temas como o do aborto ou a adoção de crianças por homossexuais.
“Não seria mais lógico e importante a sociedade preocupar-se em tentar saber os motivos que levam as pessoas a dizer que querem morrer para ir ao encontro dos seus verdadeiros problemas? Não seria mais importante fazer-se uma análise para ir ao encontro das necessidades e dos problemas das pessoas em vez de estar a tentar passar a mensagem de que a única coisa que há a fazer é a morte?”, prosseguiu, considerando que “estes movimentos não aparecem por acaso”. “É preciso haver um terreno fértil para que estes ventos de mudança possam penetrar”, alertou, convidando a ler o livro, cujo prefácio assina e que considerou “um hino à vida”, para “ajudar perceber o que é que está por detrás disto tudo e quais são os objetivos”.
Neste sentido desafiou a sociedade a “abordar o problema da família, indo ao encontro do sofrimento psíquico das pessoas, e a falar nos cuidados paliativos e na investigação da ciência”. “Se a sociedade não olhar para estes aspetos, estamos a criar todas as possibilidades a que surjam estas tempestades que, de vez em quando, temos de suportar”, advertiu, considerando que, na maioria dos casos, as reportagens sobre a eutanásia são feitas “com uma determinada orientação” para levar as pessoas a pensar que o melhor é aceitá-la.

Citando o escritor e filósofo francês François René de Chateaubriand, constatou que “outrora a velhice era uma dignidade” e que “hoje é um peso”. “E o pior é que as pessoas se sentem mesmo um peso, um fado pesado para a família e para os amigos. E essa sensação, esse complexo de inutilidade, pode levar à angústia e desespero e a pessoa em desespero fica sensível a tudo aquilo que lhe possam meter na cabeça”, lamentou, acrescentando que “no Oriente não é assim”. “O velho com a sua experiência e sabedoria é uma mais-valia, é alguém à volta de quem toda a sociedade se revê”, acrescentou, aludindo à necessidade de a sociedade se “mobilizar em torno do problema da família”.
Aquele médico católico fundamentou ainda a rejeição da eutanásia em dois aspetos. “As verdadeiras maravilhas da medicina até aos nossos dias em nome da vida e tudo aquilo que é preciso fazer para a preservar. Destes dois aspetos nascem as razões pelas quais não podemos, de maneira nenhuma, aceitar a eutanásia”, frisou.
Neste sentido lembrou os “avanços da medicina” e da “biologia molecular” e as suas consequências no incremento do tempo e da qualidade de vida. “Hoje a medicina tem uma série de respostas que antigamente não tinha, de modo a que o prognóstico do cancro hoje anda à volta de 80% em alguns casos”, destacou, lembrando que a preservação da vida tem de continuar com a investigação e o investimento em áreas como os cuidados paliativos ou na preservação das células estaminais.