O bispo do Algarve está a celebrar 50 anos de vida consagrada e para assinalar a efeméride visitou, de 9 a 23 deste mês, as dioceses angolanas de Viana e Luena, onde estão os missionários da sua Congregação, as mesmas às quais a diocese algarvia destinou as renúncias quaresmais deste ano. Acabado de chegar de Angola, D. Manuel Quintas, em entrevista ao Folha do Domingo, explicou a motivação e como correu a experiência missionária. Entrevista por Samuel Mendonça
Qual a razão desta viagem a Angola?
O que motivou a minha ida a Angola, com o meu colega de noviciado e de experiência missionária em Moçambique – Pe. Isildo Silva, atualmente na Madeira – foi a celebração dos 50 anos de vida consagrada em “ano missionário”.
O facto de visitar os lugares aos quais se destina a renúncia quaresmal diocesana, deste ano, motivou ainda mais esta minha decisão, tomada antes desta opção da nossa diocese.
A nossa visita abrangeu as dioceses de Viana (arredores de Luanda) e de Luena (a uma hora e meia de avião), situada na parte Este do território angolano (fronteira com a Zâmbia e a República Popular do Congo) e, ainda nesta mesma diocese, a missão do Luau (340 km ao norte de Luena: viagem de seis horas de comboio).

Parece não ser habitual, um bispo religioso, celebrar este jubileu.
Acredito que esta comemoração possa suscitar alguma confusão, descaindo inadvertidamente para a celebração do jubileu presbiteral ou episcopal. É uma data que, na vida consagrada, é habitual dar-lhe o devido realce, para além das efemérides ligadas ao ministério ordenado.
A consagração a Deus, na família dehoniana, constituiu o meu primeiro compromisso público e oficial, ainda que de forma não definitiva. Todas as opções posteriores (padre e bispo) têm esta primeira decisão como seu alicerce e fundamento.
Por outro lado, o bispo oriundo da vida consagrada ao aceitar o pedido que lhe é feito de servir a Igreja nessa condição, não lhe é pedido que renuncie à consagração que fez como opção de realização da vocação batismal: a consagração na vida religiosa. A Igreja dispensa-o das obrigações inerentes à vida comunitária e à dependência dos superiores do Instituto, mas a dimensão carismática permanece, por ser essa a fonte inspiradora da vivência da vocação batismal (à santidade).
Angola porquê? Não seria mais lógico visitar Moçambique?
Certamente que sim se, ambos, não tivéssemos já visitado Moçambique após a nossa experiência missionária ali realizada. Angola por constituir uma presença dehoniana de quinze anos, ainda jovem e desconhecida para nós, e pelo facto de ali se encontrarem missionários (os mais velhos), que foram nossos contemporâneos dos estudos teológicos e, sobretudo, os nossos formandos (os mais novos) na sua juventude. Acompanhámo-los nos estudos secundários, como postulantes e eu, pessoalmente, a alguns como noviços. Portanto, em idades de decisões para a vida, espontaneamente geradoras de alguma cumplicidade, que perdura no tempo.
Também sentíamos uma “dívida de gratidão e reconhecimento” para com a Igreja em África,
pela experiência que fizemos, durante dois anos, na Zambézia, no Gurué (Moçambique), já como religiosos, mas ainda antes dos votos perpétuos e da ordenação sacerdotal. Foram dois anos que muito contribuíram para a decisão da nossa consagração definitiva e a ordenação sacerdotal, num período política, religiosa e socialmente conturbado, com origem no “25 de abril”, em que se via e vivia tudo como provisório (até os governos), inclusive uma opção pela vida consagrada e pelo sacerdócio.
Pessoalmente, sentia que celebrar os 50 anos de consagrado, visitando uma parcela da Igreja de África, neste caso Angola e pelas razões referidas, poderia constituir uma expressão pessoal de reconhecimento e gratidão, que me ajudaria a reviver tudo o que recebi dessa experiência missionária dos inícios da década de setenta.
Esta visita permitiu-lhe, igualmente, aperceber-se da oportunidade da decisão diocesana sobre o destino da renúncia quaresmal…
Certamente, tive a possibilidade de verificar “in loco” a necessidade e a oportunidade desta e de todas as ajudas que possam chegar àquelas paragens, orientadas para a evangelização (espaços de formação cristã e de culto) e para a promoção humana (educação, saúde, alimentação, criação de postos de trabalho permanente…).
Puder verificar, igualmente, a importância do serviço dos leigos voluntários (jovens e adultos/reformados), sobretudo pelo que recebem, a diversos níveis, e influencia a sua vida e as suas opções, após o seu regresso. Contatei sobretudo com um grupo de seis leigos voluntários dehonianos e assisti ao “render da guarda”: partida e chegada de quatro deles.
Este ano concentraram a sua ação em Luena. O seu projeto era colaborarem (financiamento e mão de obra) na construção de duas novas salas de aulas, duma escola já ali existente, com apenas duas salas, que não consegue satisfazer os muitos pedidos das crianças que, por isso mesmo, não vão à escola, apesar de ser habitual em todos lado haver dois turnos diários. Ali chegados, o missionário responsável por aquela paróquia, disse-lhes que se dispusessem para a construção de quatro salas e não de duas… Quanto ao financiamento, que confiassem na Providência de Deus.
No início desta semana, o primeiro grupo transmitiu ao segundo as quatro salas com as paredes já concluídas… Há ainda muito a fazer para este grupo e outro que chegará a meados de agosto.
Parte da renúncia quaresmal algarvia é destinada a este apoio, se necessário, bem como para delimitar (construção de um pequeno muro) o terreno destinado a recinto escolar e a um espaço de formação cristã e de culto, este em fase adiantada de construção, no qual se inserem as salas de aula, já a funcionar.
Apostar na educação das novas gerações, e não só, revela-se uma das maiores urgências que encontrei, à qual também os missionários procuram responder. Mas a necessidade é tanta que é muito difícil satisfazê-la, inclusive no que respeita a uma devida formação de professores. Fica-se com a ideia de que são mais os que nascem do que a escolas que se constroem para os acolher e do que os professores que se formam para os educar.
Teve oportunidade de levar já algum valor?
Sim, levei e entreguei a quantia recolhida até aos primeiros dias de julho: dez mil euros, incluindo o donativo dos finalistas deste ano, quantia que me foi entregue na celebração de bênção das pastas. Esta quantia foi distribuída de acordo com os missionários, tendo presente as urgências do momento, bem como a sua finalidade: participação em projetos ligados a respostas na educação e na dimensão social. Manifestaram todos um profundo reconhecimento à diocese do Algarve por esta partilha, da qual garantiram dar-lhe o devido destino.
Aliás, já não é a primeira vez que, como diocese, para ali destinamos a nossa renúncia quaresmal. O pároco da Paróquia de Nª Sª do Rosário (Viana) teve oportunidade, no domingo passado, de o recordar. Aconteceu há cerca doze anos, quando a paróquia estava a reconstruir a igreja e a construir espaços para a formação.
Esses dez mil euros em Angola darão para construir muito mais do que dariam aqui.
Um euro corresponde a cerca de 390 kwanzas. Se é verdade que a mão de obra é muito baixa, também é verdade que os materiais de construção são muito elevados e não é fácil encontrá-los, pela dificuldade do seu transporte.
E o valor da renúncia quaresmal que falta apurar, tendo em conta a média dos últimos anos, será de quanto?
Nos últimos anos tem andado à volta de quinze mil euros. Se bem que não seja indiferente a quantia recolhida, e que fica sempre distante das urgências e necessidades locais, o importante é a partilha, com igrejas com menos recursos económicos, como sinal e expressão de comunhão eclesial.
Seja qual for a totalidade da quantia recolhida, esta visita serviu também para garantir que terá o destino que lhe demos. Independentemente dos números em que ela se traduza, fica o reconhecimento destas comunidades com as quais há alguns laços de proximidade pelo “carisma dehoniano” do que as servem, aqui e lá, como forma caraterística de “construir e ser” Igreja.
Aliás, gostaria de salientar que os missionários têm como objetivo, construídas as estruturas, o que obriga a grandes despesas, procurar gradualmente um caminho de autossustentação.
Foi o que encontrei em Luau. As entradas que provêm da Escola (670 alunos), da distribuição diária de água potável à população (cerca de 35 mil litros), bem como uma pequena moagem, a ser ultimada, para serviço local e diversos serviços especializados da sua oficina, permitem-lhe caminhar nessa direção.
A Escola, na qual trabalham também as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (aqui presentes antes no Colégio do Alto e em Olhão) recebe alunos da pré à sexta classe e tem o projeto de construir mais três salas, para acolher alunos até à nona classe. A distribuição da água numa cidade onde não há água canalizada, nem saneamento básico, surge como resposta a uma necessidade essencial, até como contributo para a saúde pública. As entradas garantem o trabalho permanente a professores da escola e mais de uma dúzia de trabalhadores do centro missionário, a reposição do desgaste dos veículos que prestam diariamente este serviço, bem como o apoio social aos mais necessitados.
A missão de Luena, situada nos arredores desta cidade num ambiente de pobreza extrema, é quase totalmente dependente da ajuda externa e onde este ano se centrou o apoio dos leigos voluntários.
A Paróquia de Nª Sª do Rosário na diocese de Viana, (Km 9, B) situa-se num ambiente caraterístico dos inúmeros e infindáveis bairros que pululam à volta de Luanda, conhecidos pelo número dos Kms que distam desta cidade. A sensação de quem os percorre é de estar num ambiente de grande pobreza (habitação e higiene), de profunda desordem urbanística, de confusão organizada (tráfego), de insegurança…
O acesso à água potável é um problema.
É um problema sério porque é um bem de primeiríssima necessidade. Tendo a missão no seu espaço um poço, com um caudal de captação de grande volume, não fazia sentido não organizar e distribuir a água pela população, sem a possibilidade de a ela recorrer de outro modo. Todos constroem as casas com depósitos próprios, à espera, não se prevê quando, que chegue a água canalizada. Há dois meios de transporte adaptados para o efeito, cuja primeira e quase permanente função é atender os pedidos para distribuir água e encher os depósitos particulares.
O bispo de Luena alertava, há pouco, para a destruição da fauna e da flora associada também à dependência do carvão. O senhor bispo apercebeu-se dessa realidade?
A Diocese de Luena tem uma superfície duas vezes e meia maior do que Portugal. O seu bispo, D. Tirso, missionário salesiano argentino, tem um dinamismo impressionante por todos reconhecido, pela sua aposta na visita às comunidades (distâncias enormes) e pelo seu empenho social. Não foi possível encontrar-me com ele, por se encontrar em vista pastoral a cerca de 300Km do lugar de Luena, uma visita há muito programada com a dedicação de uma nova igreja, mas era conhecedor da minha presença e desta dificuldade.
Não me admira essa sua afirmação, constatável particularmente, na viagem que fiz de comboio: uma extenso planalto e com pouca vegetação. Compreendo que para os que ali vivem (com bastante frio nesta época do ano, devido também à altitude), recorram à desflorestação para se aquecer e para sobreviverem, o que como sabemos não é forma de vida, em relação ao futuro. Este constituía igualmente um problema grave em Madagáscar. Certamente que D. Tirso apelava, a quem de direito para que se promovam projetos alternativos.
Apercebi-me de outras realidades como a carência na saúde. Onde falta água potável, falta higiene e abundam doenças de diversa ordem. Os leigos missionários enviaram no contentor diverso material hospitalar de apoio e de longa duração, cuja entrega presenciei no Hospital do Luau. O seu diretor ficou mesmo comovido. A nível da saúde, o mais gritante é a incapacidade para responder ao sofrimento humano dos doentes.
O senhor bispo também levou material médico.
Pouco. Levei apenas o que me tinha sido pedido alguns dias antes de partir para uma criança albina, que estes leigos voluntários encontraram na escola, marcada pela exposição ao sol, muito difícil de evitar naquele ambiente.
E os professores, que formação têm?
Pelo que me referiram e, sobretudo, relativamente a zonas do interior, distantes dos grandes centros, a formação é bastante deficiente, faltando por vezes bastante ao trabalho. Claro que isto são exceções, uma vez que penso eu a maioria serão bons professores, alguns deles colocados nestas Escolas e pagos pelo próprio Estado, o que revela a aprovação e o empenho do governo em mantê-las, se bem que não na sua totalidade. Acontece que, por vezes transfere os melhores destes e não coloca lá outros. É a Escola que tem de assumir e pagar aos novos professores.
Os leigos voluntários, sobretudo os jovens, desempenham uma ação muito positiva nestas Escolas, pelo seu contributo quer junto dos professores, quer junto dos alunos.
Os já reformados, portanto mais velhos, empenham-se na angariação de fundos para a construção de estruturas materiais e contribuem com o seu trabalho diário. O ano passado enviaram daqui um contentor com material para construir um parque infantil com a ajuda de muita gente que contribuiu, incluindo o pagamento do contentor, o transporte e tudo o que ele levou. Uma vez ali, construíram este parque na Escola de Luau, que tive a oportunidade de verificar, com eles na visita que juntos ali fizemos, a sua utilização pelos alunos e o seu bom estado de conservação.
Este ano enviaram outro contentor para Luena com material escolar diverso. Quando os apoiantes (mesmo empresas) verificam a utilidade e o destino dos seus contributos, dispõem-se a colaborar ainda mais. Foi assim que este ano tiveram a oferta de 40.000 lápis, para distribuir pelos alunos das Escolas.
Portanto, durante estes 15 anos, os missionários dehonianos, e também as irmãs franciscanas, têm ajudado não só ao crescimento das comunidades eclesiais, mas também na reconstrução do próprio país e na formação na área da educação?
E na construção de espaços, de estruturas, seja a nível da evangelização – capelas e centros pastorais –, seja também para a educação, para a formação. É a grande aposta. As irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena (comunidade de Paderne), também estão em Viana há muito tempo e ajudaram muito os primeiros dehonianos quando chegaram à Paróquia de Nª Sº do Rosário em Viana. Ali têm duas comunidades: o postulantado e noviciado e a “Escolinha da Paz”. É “Escolinha”, nome sugerido pelos primeiros alunos, que agora são mais de dois mil.
Foi com o seu apoio que os dehonianos adquiriram um terreno, onde se encontra a residência paroquial e o seminário dehoniano, presentemente com 18 jovens a frequentar filosofia e em regime de candidatos ao noviciado. Serve igualmente como «plataforma giratória» dos missionários e leigos voluntários que chegam ou partem.
Estes leigos são pessoas que disponibilizam as suas férias laborais para esse serviço?
Alguns sim, sobretudo os mais jovens que estudam e alguns já a trabalhar. Outros os mais velhos, já reformados, podem ficar mais tempo e até escolher a altura que mais lhes convém a eles e aos missionários. É tudo devidamente organizado e calendarizado, no que respeita ao tempo e ao lugar.
Gostaria de salientar que todos estes leigos aceitam realizar aqui uma preparação adequada ao tipo de serviço que vão prestar, bem como a lugar (inclusive o país) onde se realiza. Esta preparação contempla, não apenas aquilo que todos supomos, mas também uma preparação de ordem espiritual que lhes permita dar o testemunho de vivência e prática cristã. É gente de eucaristia diária e de recitação do ofício (Laudes e Vésperas).
E que Igreja é que lá encontrou?
A esse nível, estes 15 dias foram, para mim, como um retiro espiritual e a experiência que fiz de contacto com diversas comunidades, jovens ainda, – pelo seu dinamismo, pela sua alegria, pelo entusiasmo como celebram, como vibram, como se comprometem e como se organizam – foi como que um «banho regenerador» do Espírito Santo.
Ali vemos uma Igreja essencialmente ministerial. Uma Igreja que se apoia em diversos serviços e ministérios, como resposta às necessidades de cada comunidade. Os ministros do acolhimento não exercem apenas a função de acolher, mas também de contribuir para que a celebração decorra de modo frutuoso para todos (decoro, silêncio, participação), com normalidade e com a participação de todos. No fim da missa dominical no Luau um deste grupo veio dizer-me que nela participaram cerca de duzentos adultos e trezentas crianças…
A diocese de Viana (1.830 Km2), desmembrada de Luanda em 2004, é constituída por vinte e duas paróquias e dois santuários (Nª Sª da Conceição de Muxima e de S. José de Calumbo). Nela trabalham 14 Institutos religiosos masculinos e trinta femininos.
Gostaria de me referir, de modo particular, à Paróquia de Nª Sª do Rosário (33 Km2 de superfície), confiada há quinze anos aos dehonianos e que fiquei a conhecer melhor. Desde essa altura, já deu origem a seis novas paróquias. Neste momento há mais três já em fase adiantada de autonomia e elevação a paróquias. Para além destas três grandes comunidades (designadas como Centros Pastorais: S. João Paulo II, Stª Josefina Bakhita e Stª Maria Mãe de Deus) têm mais dezasseis Capelas (designadas como Comunidades de Fé) com espaço próprio de formação e culto.
Eu tive a oportunidade de conhecer, para além da sede paroquial estes três Centros Pastorais, onde celebrei a Eucaristia em dias de semana, em dois às seis e meia da manhã e noutro, por ser sábado, às sete e meia. A hora não deve causar estranheza porque ali a vida começa muito cedo (as aulas começam às sete e meia da manhã). Em cada um dos Centros compareceram mais de quinhentas pessoas, que nos acolheram com muita alegria, caraterística peculiar do povo africano no que diz respeito à hospitalidade. Verifiquei que, a par da preocupação da construção dos espaços, existe uma boa estruturação pastoral com todos os serviços a funcionar, catequese, liturgia, dimensão sociocaritativa, pluralidade de movimentos e ministérios distribuídos por um grande grupo de membros da comunidade. Cada centro tem, por exemplo, diversos grupos corais que se distribuem pelas diversas celebrações da semana e do mês.
Alguns debatem-se ainda com a conclusão das suas igrejas. É o caso do Centro Pastoral de Santa Maria Mãe de Deus que tem já erguidas as paredes daquela que será a sua igreja paroquial, à qual falta ainda o telhado, mas que não impede que já celebrem dentro e se sirvam do espaço construído. Trata-se de um grande espaço de culto (70mx50m), opção do Pároco e da comunidade com apoio do bispo local, por ficar incluída num lugar de grande densidade populacional. O pároco referiu-me que na celebração de final de ano já ali reuniu alguns milhares de fiéis. Como ainda não tem bancos, nem corredores (nem portas e janelas) todo o espaço pode ser ocupado. O espaço do coro, que acompanha o seu cumprimento e largura, permite-lhe ali acolher algumas centenas de fiéis. Há algumas entidades locais (Sonangol), que destinam verbas para apoiar inclusive a construção destas estruturas, pertencentes a diferentes Igrejas.
É uma realidade contrastante com aquela que nós vivemos. Ali há uma Igreja em crescimento.
Sim, é uma Igreja com caraterísticas próprias e que está a crescer. Aliás, eu trouxe as estatísticas (2018) da paróquia de Nossa Senhora do Rosário, que anualmente se apresentam para ser enviadas para a Santa Sé. Neste ano tinha 5.400 catecúmenos: 3.989 dos 7 aos 15 anos e 1.378 com mais de 15 anos. Os batizados foram 1.047: 27 até um ano de idade, 224 de 1 ano aos 7 anos e 796 depois dos 7 anos. Fizeram a primeira comunhão 386; crismaram-se 516 e realizaram-se 79 matrimónios.
Em todos os seus Centros e Comunidades de fé tem à volta de oito mil crianças na catequese. Não refiro os grupos e movimentos… fica apenas estes números para nos apercebermos que estamos perante uma realidade muito diferente da nossa. Por todo o lado se vêm crianças e jovens – o que não abunda por estes lados – a começar nas famílias. O futuro de um país são as pessoas. Quem as tem, sobretudo a este nível etário, tem futuro. E quanto mais se apostar na formação a todos os níveis, maior será a qualidade desse futuro. Eu olho para aquele país e para aquela Igreja local, com muita esperança, apesar de todas as dificuldades em que vive. É um povo com este sentido de esperança. Quando encontramos um grupo de crianças, pode-lhes faltar aquilo que consideramos essencial, mas parece que a alegria nunca lhes falta.
Devido ao muitos anos de guerra, a igreja de pedras ficou bastante afetada, mas a Igreja de pessoas manteve-se sempre viva?
Sim, encontrei alguns “cemitérios de guerra”, sobretudo na viagem que fiz de comboio entre Luena e Luau, ou seja, muito material de guerra abandonado. Junto à residência paroquial do Luau (um antigo mosteiro beneditino, construído após a 2ª guerra mundial, inaugurado em 1948) podemos ainda ver uma palmeira com o tronco furado… que ali perdura como memória do que se terá passado à sua volta. Quando os dehonianos receberam a Paróquia do Luau (Stª Teresinha), da igreja paroquial restavam apenas as quatro paredes: totalmente esventrada e sem teto; a própria torre fora derrubada, por ali se terem escondido alguns combatentes do partido contrário aos atacantes… Felizmente está tudo restaurado e foi tudo recomposto, inclusive o clima de paz em que atualmente se vive.
E teve a oportunidade de ir a Luanda?
Sim, mas só de passagem e na véspera de deixar Angola. Encontrei-me com o bispo de Viana. D. Emílio Sumbelelo, sábado passado, na celebração da Missa da Profissão Perpétua duma religiosa. No almoço pude também encontrar-me com o arcebispo de Luanda, D. Filomeno.
Em Luanda, a sensação que se tem é de estar numa cidade europeia. Nem parece que se está em Angola.
Sim, sim, cidade europeia ou de outras partes do mundo, com uma beleza natural única. A extensa e cativante baía, a moldura dos grandes edifícios, alguns da era colonial, outros já posteriores, muitos outros presentemente em construção… Mas basta sairmos do seu perímetro para nos apercebermos duma realidade muito diferente e que é caraterística dos grandes aglomerados humanos, em todas as partes do mundo. Vê-se que há progresso, com a preocupação de ir inserindo esta parte da população em novas cidades construídas nas zonas limítrofes.
Lá dentro deslocou-se de comboio e de carro?
E de avião. Para ir de Luanda para Luena é um pouco mais de um hora de avião. São à volta de 1.300 kms. De Luena para Luau são 350, de comboio. Por estrada, a maioria não alcatroada, é a mesma distância, mas com muito mais incómodo.
E os transportes já são seguros?
São. Quer os comboios, quer os aviões que utilizei, revelavam estabilidade e segurança. Aliás, a linha do Caminho de Ferro de Benguela, que faz ligação com a República Democrática do Congo, foi totalmente restaurada com investimento chinês.
De que forma é que esta sua experiência poderá ser aproveitada agora pela Diocese do Algarve?
Tendo presente este mês missionário que o papa Francisco instituiu, mas que a Igreja em Portugal, pela sua histórica e marca missionária, alargou um ano, levou-me a querer passar algum tempo, fazendo uma experiência de contacto direto com a Igreja que vive essa realidade de modo mais visível. Se bem que quando referimos a dimensão missionária da Igreja, é muito mais do que fazer o primeiro anúncio do Evangelho em países, ou determinadas zonas geográficas. A missão é muito mais vasta do que isso, diz respeito a todo o batizado e deve viver-se em todos os lugares e situações. Daí aquele título tão expressivo da Nota Pastoral da Conferência Episcopal para este ano missionário – ‘Todos, tudo e sempre em missão’ – que traduz bem aquilo que é a dimensão missionária da Igreja e de cada cristão naquilo que diz respeito à sua identidade e essência, condição sem a qual a Igreja e cada cristão não será verdadeiramente fiel ao mandato de Cristo e àquilo que Cristo quer e espera de nós. O papa Francisco convida-nos e impele-nos, com tanta veemência e de modo repetido, a sermos esta Igreja missionária, a fazermos do anúncio missionário o paradigma de toda a pastoral na Igreja. Quando a Igreja (incluindo a nossa diocese, as nossas comunidades e paróquias) é missionária naquilo que programa e naquilo que faz, isso constitui o paradigma, o termómetro que mede a fidelidade a Cristo e ao Evangelho e a verdade também da nossa própria vida cristã.
Gostaria que esta minha experiência pudesse ajudar os meus irmãos, cristãos algarvios, a ficarem ainda mais despertos para este apelo do Papa e para um compromisso missionário, onde cada um está, ou também a partir, ou simplesmente a ajudar quem lá está, como é o caso da nossa renúncia quaresmal.
E há muitos jovens lá a fazer voluntariado?
Bem, conheço apenas os que são acolhidos pelos dehonianos. Hoje mesmo partiu outro grupo com destino a Moçambique. Mas a nível nacional, este ano, são algumas centenas, quase mil jovens e adultos, e com tendência para aumentar.
Há algum aspeto que ali encontrou do qual pretenda fazer uma referência particular?
Sim, chamou-me a atenção um movimento eclesial, nascido numa diocese e que se estendeu a todas as outras dioceses e, segundo me referiram, com a participação dos organismos do Estado denominado PROMAICA – Promoção da Mulher Angolana da Igreja Católica. Apostar na promoção da mulher é apostar na família. Com a mulher, toda a família se promove porque a mãe tem uma ação contínua e direta sobre os filhos, sobre a família.
Pensa voltar a fazer uma experiência destas?
O futuro a Deus pertence. Esta foi positiva e não programada com muita antecedência. Por outro lado, à medida que os anos se somam, corremos o risco de dar mais trabalho a quem nos acolhe.
Desta vez os meus irmãos dehonianos aproveitaram da nossa presença e deste jubileu para celebrar e anunciar a realidade da Vida Consagrada na Igreja, uma vez que tantos e tantas foram os consagrados que contribuíram e continuam a contribuir para o crescimento desta Igreja local em Angola.
Foi uma visita muito enriquecedora, que nos permitiu mais uma vez verificar como a dimensão missionária renova e rejuvenesce a Igreja.