Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O Município de Faro voltou a associar-se às Jornadas Europeias do Património, que se celebraram nos passados dias 28, 29 e 30 de setembro, este ano sob o tema “Partilhar Memórias”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A Câmara de Faro tem procurado dedicar a iniciativa a monumentos emblemáticos do concelho e este ano o programa, dinamizado, uma vez mais, pelo Museu Municipal, centrou-se na ermida de Santo António do Alto, propriedade da autarquia.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

No sábado à tarde, na visita guiada por Francisco Lameira, historiador de arte e professor na Universidade do Algarve, o diretor do Museu Municipal de Faro frisou que o objetivo foi “partilhar a memória” daquele espaço, “não só a memória histórica, artística e decorativa, mas também a memória intangível, oral, de várias gerações” que por ali passaram.

Referindo-se também à importância da “educação patrimonial” na “componente pedagógica” que o património também representa, Marco Lopes apontou ainda outra finalidade, mais abrangente. “Também queremos abrir o debate no sentido de perceber o significado e a importância que tem o património hoje aqui em Faro e que pode ter no futuro”, observou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“A ermida de Santo António do Alto tem passado mais tempo fechada do que nós desejaríamos”, lamentou, acrescentando haver “várias possibilidades, vários projetos e várias ideias para a poder reabilitar e dinamizar”. “Temos de perceber que o património não pode ser só entendido numa perspetiva museológica, como um edifício que quase não se pode tocar e que é sagrado. O património tem dinâmica, pode ter alegria e pode ter uma componente viva, com energia”, acrescentou, aludindo à importância da “proximidade da comunidade com o património”. “Por isso é que nós marcamos estes eventos e estas atividades também para a comunidade local poder estar perto dele, respeitá-lo e também preservá-lo”, prosseguiu.

Neste sentido, anunciou que a ermida foi alvo de um projeto, que esteve na votação final até domingo para o Orçamento Participativo do Estado, e que visa a sua reabilitação e dinamização do ponto de vista turístico e cultural, tendo sido apresentado por “duas cidadãs exemplares e empenhadas no património”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O historiador Francisco Lameira lamentou o “estado de abandono e degradação” da ermida. “O edifício está em muito mau estado de conservação e mostra que não tem sido devidamente preservado”, criticou, aconselhando inclusive ao derrube da componente “demasiado recente” que disse ter sido acrescentada no período do Estado Novo à atalaia medieval. “Aquela estrutura neste momento já não tem funcionalidade e tem um peso enorme. Significa que um dia, se porventura houver um pequeno tremor-de-terra, vai cair lá de cima e vai partir a igreja toda”, alertou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Aquele professor da Universidade do Algarve criticou ainda que se tenha exposto o arenito da estrutura porque “é uma pedra que se desfaz”. “Isto devia ser tudo rebocado e caiado porque a chuva ao bater aqui vai entrar dentro da parede e danificá-la”, advertiu, observando haver no edifício arenito “almofadado”, caraterístico dos finais do século XVI e princípios dos XVII.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Lamentando também o “mau restauro” da atual imagem do padroeiro que “parece ser do século XVIII”, Francisco Lameira lembrou que foi a existência já no século XIII da atalaia que ali se mantém que motivou mais tarde “a colocação de um pequeno nicho com uma imagem de Santo António que hoje já não existe” e que terá também justificado a toponímia do eixo viário “mais importante da cidade”, construído para lhe dar acesso e mais tarde interrompido pela construção do liceu de Faro. “Essa ligação a Santo António vai fazer com que a Câmara Municipal de Faro criasse aqui um pequeno templo que só tinha como função, uma vez por ano, sobretudo na véspera do dia de Santo António, trazer aqui as pessoas”, contou, explicando que a ermida não servia para a celebração de outras missas, para além da da festa do patrono.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Francisco Lameira lembrou ter sido no século XVIII que se acrescentou a nave única do edifício, que, nos finais do século seguinte, recebeu a visita do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia.

O historiador destacou ainda a açoteia com gárgulas cerâmicas, a “janela de falsa capela-mor” da segunda metade do século XVIII e o duplo beirado no telhado de quatro águas, “solução muito interessante que surge no século XVI, permanece no século XVIII e no século XIX tende a desaparecer para começar a ser substituído pelas platibandas”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Lameira referiu-se ainda às janelas “caraterísticas da segunda metade do século XVIII, tal como o brasão e o frontão”, e aos trabalhos de massa “típicos da época barroca”, por cima do portal que considerou pouco comum. “É tão distinto dos restantes que não vos sei dizer se é original. Desconfio que possa ser um revivalismo”, afirmou, referindo-se já no interior da ermida às restantes “especificidades muito interessantes” daquele templo.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo
Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O historiador evidenciou que uma delas é que a capela-mor tem a mesma largura da nave, construída posteriormente e diferenciada do presbitério por “duas pilastras monumentais com uma arquivolta”.

Por outro lado, Francisco Lameira disse ainda que o entalhador “resolve utilizar na capela-mor uma solução que era frequente em retábulos laterais”. “Os retábulos com arco não se usam em capelas-mor, usam-se em capelas laterais”, observou, sublinhando que técnicos que ali trabalharam eram “dos melhores que havia no Algarve”. “Em termos de arquitetura temos conhecimento que esteve cá o Diogo Tavares e em termos de entalhe temos conhecimento do Manuel Martins que trabalhou para a Sé, para igreja do Carmo, para Ordem Terceira de São Francisco”, referiu, acrescentando que o entalhador já não conseguiu terminar a obra que foi acabada em 1742 pelos seus sucessores.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O historiador destacou no retábulo, cuja matéria-prima é o “castanho que vinha da serra de Monchique”, alguns pormenores “que já não são da época da sua construção” como a “concha turgida e assimétrica” que aparece à direita e à esquerda. “Aqueles dois elementos já têm de ser posteriores a 1751, quando o Rococó chega ao Algarve”, notou, acrescentando que a mesa do altar apensa deverá ser do século XIX ou até já do XX.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Justificava-se um retábulo tão grande e que custou tanto dinheiro quando só havia aqui dois ou três dias de missa? Não, mas era uma forma de prestígio da própria Câmara Municipal”, considerou, estimando que a obra em talha dourada tenha custado cerca de 500 mil réis. “Era muito dinheiro. Uma coluna de igreja de São Pedro custava 40 mil réis e um operário que já tivesse alguma qualificação ganhava por dia 250 réis”, sustentou, lembrando que a Câmara de Faro, detentora de mais duas confrarias – São Sebastião e Nossa Senhora do Repouso –, administrava a ermida através da Confraria de Santo António do Alto.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Sobre os retábulos laterais, que também identificou com o período Rococó, o orador justificou a sua construção com uma provável “mudança de função” da ermida. “A existências destas duas mesas de altar pressupõe que houve necessidade de se celebrar mais missas. Provavelmente deve ter havido fiéis que mandavam sufragar missas aqui ao capelão”, afirmou, referindo-se também aos dois painéis de azulejo do princípio do século XVIII. “Não sei se são de origem. Deve ser aproveitamento de azulejo que veio de outro sítio”, admitiu.

O programa da Câmara de Faro teve início na sexta-feira, com uma atividade dinamizada pelo serviço educativo do Museu Municipal de Faro, com o objetivo de partilhar junto dos mais novos as memórias dos tempos de meninice de Altina Manhita, em torno daquela igreja e da sua ligação ao seu patrono, popularmente conhecido como casamenteiro.

Na ermida também teve lugar, naquele dia, a celebração da eucaristia presidida pelo padre Rui Barros Guerreiro e no sábado à tarde realizou-se também um concerto com Ricardo Martins e Trio que apresentou temas do álbum “Cantos e Lamentos”. À noite decorreu no exterior do templo a projeção de cinema com curtas-metragens dedicadas a Santo António pelo Cineclube de Faro e no domingo realizou-se um concerto em flauta de bisel pelo grupo F3, tendo o programa sido concluído com muitas memórias e viagens pelo imaginário de Luís Carmelo, contador de histórias.