Numa intervenção marcadamente filosófica, com referência a várias personalidades incontornáveis da Filosofia, o orador começou por evidenciar o homem como “ente que precisa principalmente de ser”. “Trata-se de priorizar o ser em relação ao ter”, clarificou Ferreira Patrício, esclarecendo que a “relação entre ter e ser não é de exclusão”.
O conferencista, que lembrou que a “dimensão corpórea do homem obriga-o a incluir a dimensão do ter na sua vida”, defendeu que “ser é mais importante do que ter, mas ter não é, em si, mesmo negativo”. No entanto, ressalvou que “só Deus é absolutamente”.
Considerando que “a nossa época caracteriza-se pela exmonia do ter na vida humana”, lamentou que “o homem contemporâneo não aposta na interioridade” porque “não lhe importa o ser e só lhe importa o ter”.
Lembrou que “a vida, segundo o ser, é aquela que permite ao homem descobrir-se a si mesmo” e denunciou a “perversão do ter” em que o “possuidor passa a possuído”. “Esta inversão da relação faz com que a realidade humana deixe de ser vida, mistério e alegria”, lamentou, defendendo que o “lugar do desespero tem de ser ocupado pelo lugar da esperança e alegria”.
Criticando a ideologia que defende “Eu sou o que tenho e o que consumo”, lamentou que em Portugal ainda hoje seja assim. “Ninguém nem nada, fora de nós mesmos, pode conceder um significado à nossa vida”, observou, advertindo que “a raiz profunda do modo de ter é a cobiça”. “Associadas a esta surgem o desejo de poder, a inveja e exploração dos outros”, acrescentou, apelando ao “combate ao desejo patológico do lucro”.
Na segunda parte da sua intervenção, criticou a presença do ter no Portugal de hoje que classificou como um “problema candente”. Ferreira Patrício considerou que o ter ocupa o espaço “quase todo” e quase todas as áreas da governação, sobretudo a Educação. “Tudo o que foi a aposta, durante séculos, no tocante à orientação espiritual subjacente às políticas e práticas educativas, públicas e privadas, mergulhou numa crise profunda”, lamentou, lembrando que “a Igreja sempre prestou serviço público de educação”. “Começámos por desinvestir na própria identidade”, salientou, criticando que “todos os cuidados” sejam “mobilizados para a tecnologia e ciência entendida redutoramente”.
A terminar, propôs um conceito de “vida de qualidade” e não de “qualidade de vida”que disse trata-se de “qualidade material de vida”. “A vida de qualidade aposta na ordem do ser”, elucidou, evidenciando que ter grande qualidade de vida não implica ter vida de qualidade.
Samuel Mendonça
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico