Já há 37 anos que o Algarve não assistia à fundação de uma Santa Casa da Misericórdia. A última tinha sido a de Boliqueime, também no concelho de Loulé que passa agora a ser, a par do de Portimão, o que tem maior número daquelas instituições no Algarve. Cada um conta com três Santa Casas da Misericórdia.

O ato fundacional da Misericórdia de Quarteira teve lugar na última terça-feira à noite no edifício do Centro Autárquico, numa sessão que contou com a presença do presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e da qual resultou a eleição de uma Comissão Instaladora de entre os irmãos fundadores que tem como presidente Telmo Pinto, vice-presidente Armindo Vicente e vogal Marta Pimentel.

Aquele órgão terá agora como objetivos “apoiar os trabalhos e conduzir a realização da assembleia geral de irmãos fundadores, reunida para aprofundar o compromisso da Irmandade da Santa Casa da misericórdia da Quarteira”; “procurar obter a homologação deste compromisso tendo em vista a ereção canónica junto da Diocese do Algarve”; “assegurar que com a constituição da Irmandade se inicia um percurso que respeite a expressão, ação e participação por parte dos irmãos fundadores eventuais irmãos aderentes”; “elaborar o plano de ação e o reconhecimento do estatuto de Instituição Social de Solidariedade Social, como também toda a normalização jurídica da instituição, designadamente em matéria de regulamentos concretizadores do seu compromisso”.
A Comissão Instaladora tem ainda como propósito “preparar os primeiros projetos para as primeiras respostas sociais e ações institucionais”; “preparar e conduzir o processo eleitoral dos primeiros órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Quarteira”; “promover o movimento das Misericórdias e todos os valores que o envolvem”; “promover as Obras de Misericórdia e a sua prática e os valores constituintes presentes no compromisso”; a “apresentação oficial da instituição, seus representantes e seus objetivos de ação a todos os parceiros e comunidade local, instituições regionais e junto da UMP”; e “promover imediatamente as primeiras ações de solidariedade, voluntariado e empreendedorismo”.

O presidente da Comissão Instaladora, que é também o presidente da Junta de Freguesia, declarou que demograficamente “o concelho de Loulé, e nomeadamente Quarteira, cresce em contraciclo com o resto do país”, evidenciando que isso traz exigências de respostas sociais. “O que temos aqui é muito, mas muito preocupante”, considerou Telmo Pinto, acrescentando que a fundação da nova Misericórdia visa “dar mais um passo para tentar ajudar e estar mais próximo”.
Aquele responsável contabilizou existirem “mais de cem pessoas sem-abrigo em Quarteira”, “muitas de fora” do Algarve, mas na sua maioria portuguesas. “Temos de avançar urgentemente para uma zona para pernoita destes sem-abrigo”, acrescentou em declarações aos jornalistas, considerando, no entanto, que a principal valência da nova Misericórdia terá de ser a de lar de idosos. “Trinta e sete camas de lar numa freguesia como Quarteira já não é admissível e 15 apoios domiciliários é muito pouco também. Devíamos estar a falar de uma oferta na ordem das centenas”, sustentou, reconhecendo, não obstante, haver no concelho “instituições que trabalham bem o apoio às pessoas”.
O vice-presidente da Comissão Instaladora, Armindo Vicente, que é também o presidente do Secretariado Regional do Algarve da UMP, espera que os órgãos sociais da Misericórdia de Quarteira sejam eleitos dentro de “três ou quatro meses” e apontou ao próximo passo. “O nosso objetivo será olharmos para o diagnóstico local e também aferirmos junto das entidades que trabalham na ação social e também na Junta de Freguesia, quais são aquelas respostas mais urgentes e emergentes e imediatamente começarmos a pensar em soluções dentro dessa área”, explicou em declarações aos jornalistas, destacando também como prioritário o apoio aos idosos e as creches, uma área social que considerou “altamente deficitária” na comunidade de Quarteira.
Aquele dirigente considerou a fundação de uma nova Santa Casa sinal do “reforço” no Algarve do movimento das Misericórdias. Durante a sessão, Armindo Vicente explicou que a nova instituição resultou do trabalho de um grupo “também muito ligado à Junta de Freguesia” de Quarteira “que partilhou ideias a nível do envelhecimento e ação social” com a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo, instituição de que é provedor.
Aquele responsável lembrou os “valores cristãos” que regem aquelas instituições que estão “sob a égide da Diocese do Algarve” e considerou que os dirigentes da nova Misericórdia “não precisam de ser pessoas que têm de estar todos os dias na Igreja, mas têm de partilhar e viver esses valores diferenciadores das Misericórdias”. “Desde a primeira hora seremos parceiros para trabalhar com a paróquia e também com o Centro Paroquial”, acrescentou.

O cónego César Chantre, em representação do bispo do Algarve, incitou os fundadores a “começarem bem”, “a nunca permitirem que as diferenças signifiquem divisões”, a “cultivarem as diferenças para se complementarem e estarem unidos para a defesa do bem comum”. “Comecem bem e não imitem os vícios antigos. Extirpem os vícios antigos porque os novos vão surgir”, pediu o vigário geral da diocese algarvia.
O presidente da Câmara de Loulé, que reconheceu ter ficado surpreendido quando soube da fundação da nova Misericórdia, disse ser “um momento de alegria e um momento importante para a cidade de Quarteira”. “O aparecimento da Santa Casa da Misericórdia é mais um sinal de grande vitalidade e sinaliza e marca um momento em que Quarteira está bem. A sua comunidade católica organizou-se e funda hoje aqui uma nova organização. É um sinal de que Quarteira continua a crescer, a apetrechar-se para resolver os seus problemas”, disse Vítor Aleixo.

O autarca sublinhou que “o trabalho da Câmara Municipal de Loulé é colaborar com todas aquelas instituições de inspiração religiosa e católica, como é a Santa Casa da Misericórdia, como com as outras” e disse que “ajuda muitíssimo as Misericórdias e não se arrepende disso porque sabe que depois há pessoas que também vão ser ajudadas”. “Podem contar comigo para trabalharmos”, anunciou, pedindo aos membros da nova irmandade que não se deixem olhar como uma organização que visa o mercantilismo. “Sejam fiéis à encíclica ‘Fratelli Tutti’. Está lá tudo o que uma Misericórdia deve ser”, desafiou.

O presidente da UMP disse ao autarca ser “mais um grupo organizado para o ajudar” e garantiu aos fundadores que não lhes vai faltar o apoio do presidente do Secretariado Regional do Algarve. O ato fundacional da Misericórdia de Quarteira encerrou uma visita de dois dias de Manuel de Lemos ao Algarve em que começou por visitar a Santa Casa da Misericórdia de Lagoa. Ali assistiu à apresentação do projeto de requalificação do antigo hospital da cidade em respostas sociais de Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário, uma iniciativa com candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e apoio anunciado da Câmara Municipal local.
Visitou também a Santa Casa da Misericórdia da Mexilhoeira Grande, onde assistiu à apresentação do projeto da nova Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), com candidatura aprovada também ao PRR, e presidiu em Monchique a uma reunião do Secretariado Regional do Algarve com as 23 Misericórdias do Algarve. Esteve presente na tomada de posse dos órgãos sociais da Misericórdia de Monchique para o quadriénio 2023-2027, visitou a Misericórdia de Tavira, a sua igreja e o projeto Museológico e Cultural desenvolvido pela instituição, nomeadamente o novo espaço de biblioteca inaugurado em final do ano transato. Visitou a Misericórdia de São Brás de Alportel e tomou conhecimento do projeto de ampliação da ERPI e serviços administrativos da instituição com apoio do Programa Operacional CRESCEALGARVE e do Fundo Rainha D. Leonor. Visitou ainda a Misericórdia de Boliqueime e conheceu o novo projeto da capela da instituição e o Centro Distrital da Segurança Social de Faro.

Manuel de Lemos considerou “muito proveitosa” esta vinda ao Algarve, que disse ter servido também para encontrar “caminhos ou pistas” para desenvolvimento nos próximos tempos. “Permitiu perceber como as Misericórdias estão unidas à volta do Secretariado”, declarou, acrescentando ter sentido essa união de maneira “muito calorosa”.



A sessão de fundação da Misericórdia de Quarteira contou ainda com o juramento e assinatura do compromisso pelos irmãos fundadores e a assinatura da ata pelos membros da Comissão Instaladora eleita.
