
A necessidade de desenterrar a história para tornar visíveis os “vestígios das cidades antigas de Faro” foi o desafio deixado pelo arqueólogo e professor na Universidade do Algarve (UAlg), João Pedro Bernardes no Fórum “Pensar Faro” que decorreu no passado fim-de-semana na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve.
A iniciativa, subordinada ao tema “A História e o Património Cultural de Faro”, foi promovida pela União de Freguesias da cidade, desde a passada sexta-feira à noite até sábado ao fim do dia.
O orador da conferência inaugural do evento propôs a criação de “um ou dois pontos na cidade” onde se possa “ter a cidade romana de Ossónoba presente, viva, onde se possa tocar, olhar e visitar”. “Quem chega a Faro, se não entrar no Museu Municipal não sabe que houve aqui uma cidade romana”, lamentou, aludindo à importância de “trazer para o presente e para o futuro estas memórias”.

João Pedro Bernardes, que abordou o tema “Ossónoba: Cidade romana da Lusitânia”, assegurou que “o subsolo de Faro está muito bem conservado” e congratulou-se com o facto de a cidade ter já uma “carta de sensibilidades arqueológicas”, considerando que este documento “é um bom passo para se poder começar a planear a cidade para o futuro, tendo em conta o passado”.
O professor do Departamento de História Arqueologia e Património da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UAlg explicou que na época romana “Faro [Ossónoba] tinha uma posição estratégica relativamente a toda a região, funcionando como uma placa giratória da economia regional e local”. O orador lembrou, no entanto, que a cidade mais importante à escala do sudoeste europeu era Cádis, “na influência da qual se encontrava Faro”. “Era com Cádis que Faro também se articulava estreitamente. Faro e também Balsa. Eram estas duas cidades que no século I e II antes de Cristo se começam a destacar dos demais núcleos populacionais com características mais ou menos urbanas que existiam por todo o Algarve”, afirmou, acrescentando que “Faro acaba por se destacar em relação a Balsa” porque teve a “característica da longevidade”. “Quando a cidade de Balsa começou a entrar em decadência, arrastada por uma crise a partir de finais do século II depois de Cristo que afetou muitas das cidades andaluzes, Ossónoba vai aproveitar isso como um fator de grande desenvolvimento”, observou.

Lembrando que a cidade “é de origem fenícia, precisamente do século VIII antes de Cristo”, nascida na “colina genética” da Vila Adentro, João Pedro Bernardes disse que os primeiros dois séculos de ocupação romana, que se seguiram depois à presença cartaginesa e turdetana, não foram muito significativos porque Faro, dada a sua localização geográfica, estava vulnerável a “muita pirataria”. “Só depois de o imperador Augusto (27 antes de Cristo a 14 depois de Cristo) pacificar a região é que temos um fulgurante desenvolvimento de Faro”, afirmou, explicando que a partir das primeiras décadas do primeiro século da era atual “Faro vai atingir uma dimensão, até onde hoje fica a estação de caminho-de-ferro, que só voltará a ser atingida em finais do século XIX e inícios do século XX”, após a crise iniciada “a partir de meados do século IV” que a traria de volta à Vila Adentro nas épocas visigótica e islâmica.
Considerando tratar-se na altura de uma “cidade de matriz clássica com um fórum e com um conjunto de edifícios públicos de uma magnificência que se afirma e consolida ao longo de todo o século”, o historiador destacou que a partir das décadas de 40 e 50 começa a “nascer por todo o Algarve um conjunto de fábricas dedicadas à transformação de pescado” e Faro constitui-se como “uma comunidade cada vez mais pujante” em torno daquela indústria. “Este pescado, muito dele era exportado, sobretudo, a partir de Cádis. Eram exportados até Cádis onde seria o transbordo para navios maiores que levariam a carga até aos grandes centros consumidores como Roma e Pompeia”, explicou, garantindo que “Faro foi um dos principais portos marítimos da província da Lusitânia”.

O especialista em arqueologia romana contou que nas escavações de Pompeia (Itália) foi encontrado um conjunto de seis ânforas de preparado de peixe, comercializadas por um mercador local e transportadas por um armador de Cádis, cujas pinturas indicavam também que o produtor era de Ossónoba. “Era meia dúzia de famílias que controlavam a cidade a partir do senado local. Esta gente enriqueceu rapidamente”, afirmou, explicando que “Faro era uma cidade de mercadores, não muitos, mas ricos” que “produzia muita cerâmica” para aquela indústria e também importava outra tanta do norte da África, “sobretudo da região da Tunísia”, tendo conseguido escapar a “muitas das crises que estavam centradas em muitas das cidades do mediterrâneo”.
O historiador disse ser possível dividir a cidade romana em áreas de influência: “uma zona monumental centrada na Vila Adentro, uma zona ribeirinha mais ligada às indústrias de preparados de peixe, uma residencial e uma zona das necrópoles que são os limites da cidade”. “Temos quase em frente à escadaria da Sé o templo do fórum romano. Quem hoje escavar 20 e 30 centímetros abaixo dos paralelepípedos que lá estão começa a encontrar essas ruínas”, lembrou, explicando que a zona residencial era no largo da Alagoa, onde foi encontrada a “única cabeça romana de Faro” e o mosaico do Deus Oceano, e a frente ribeirinha começava na avenida da República até à rua Conselheiro Bivar. “Toda essa frente marinha até a estação de caminho-de-ferro está pejada de tanques de salga de peixe”, disse.
João Pedro Bernardes lembrou ainda que as duas maiores necrópoles públicas existem em torno do Teatro Lethes (desde a Pontinha) e na zona da Escola Afonso III (a partir da igreja de São Sebastião), para além de uma outra ainda na Horta do Ferragial (junto ao Instituto da Juventude). Na “periferia” destacou a descoberta de “mais de 150 lucernas que foram encontradas junto ao Mercado Municipal” que defendeu pertencerem a um santuário, para além de “um conjunto de vilas” com vestígios na Penha, no Rio Seco e no Patacão.