Foto © Gen Verde

Em entrevista ao Folha do Domingo, o grupo feminino de expressão artística do Movimento dos Focolares – ‘Gen Verde’ –, pela voz de uma das suas vocalistas, garante que a construção da paz não é algo abstrato nem fácil, mas tem de ser um desejo concretizado na vivência do dia a dia. Adriana Martins, natural do Brasil, fala sobre a importância do contacto com os jovens no processo criativo do grupo e explica o percurso que originou o novo álbum que hoje é apresentado no Algarve. Entrevista por Samuel Mendonça

Adriana Martins • Foto © Gen Verde

‘From the Inside Outside’ significa encontrar o melhor que há dentro de nós próprios para levá-lo aos outros?
A tradução literal significa de dentro para fora. Cada um de nós tem algo dentro de si. Podemos dizer que cada um de nós tem uma «luz» dentro. Mas que «luz» é essa? É uma força que cada um de nós tem dentro que pode estar ainda escondida, uma força para recomeçar quando erramos ou quando pensamos que tudo acabou, uma força para acreditar que as coisas ainda podem dar certo, mesmo se à nossa frente vemos uma escuridão. É uma força para superar as dificuldades e ir para a frente. A «luz» pode ser esse impulso a ir em direção às outras pessoas, a vencer as nossas barreiras interiores.

É fácil continuar a cantar essa importância da unidade num mundo que parece apelar e valorizar cada vez mais o culto do individualismo e da autossuficiência, um mundo que continua a construir muros e a importar-se pouco com quem é obrigado a fugir da sua terra?
Eu não acredito que seja fácil. Para nós mesmas, que estamos empenhadas em construir um mundo melhor onde o amor pelo outro possa ser uma coisa concreta e verdadeira, é difícil. Porque não é muito fácil aceitar uma opinião diferente da tua ou deixar de lado alguma coisa tua para fazeres alguma coisa pelo outro. Não é muito fácil. É sempre uma escolha. Construir a paz não é uma coisa abstrata, mas é uma escolha para mim todos os dias. Dizer uma palavra a menos a uma pessoa ou dizer uma palavra a mais que a possa ferir, é uma escolha. Eu escolho naquele momento perder a minha ideia para ir ao encontro da outra pessoa. A paz é uma escolha e não é fácil. Mas, vendo as notícias dos jornais, constatamos que o mundo tem muita solidão. Estamos sós, realmente…

Mesmo com tanta tecnologia?
Talvez ainda mais por causa da tecnologia. Porque é muito mais fácil ter contacto com uma fotografia no Instagram e colocar o meu gosto ou relacionar-me com holograma. É mais fácil porque não é uma pessoa que se vai confrontar comigo. O relacionamento humano não é fácil, mas é a nossa realização porque nós somos feitos uns para os outros como um dom. Eu não sou feita só para mim mesma, senão não me realizo. Eu sou feita para me dar aos outros. Só assim eu me posso realizar. Não é fácil porque muitas vezes o mundo foge da dor, da dificuldade. Mas quando tu consegues superar essa dificuldade, encontras a felicidade, a realização.

Como foi participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Panamá? Muitas de vós participaram pela primeira vez numa JMJ.
Foi uma emoção grande. Estivemos em contacto com vários jovens, até mesmo na Pré-jornada. Estivemos em contato com jovens com muitas dificuldades económicas e, consequentemente, com muitas dificuldades em questões sociais e pessoais. Para nós foi muito enriquecedor o trabalho com esses jovens. Tínhamos, por exemplo, um grupinho de 20 jovens somente de uma cidade no nosso projeto…

Jovens locais?
Sim. E nós, com todos aqueles jovens lá, tivemos pena por serem só 20, mas depois constatámos que cada um era especial porque cada um tinha superado várias dificuldades para chegar ali para estar connosco. Estarem juntos, entre eles e connosco, para participar numa coisa que para eles era grande – o concerto – significou encontrar aquela ponta de esperança, a esperança que nos faz acreditar em nós, acreditar que conseguimos fazer algo mais na nossa vida.
Foi muito importante e é muito enriquecedor para nós estar com eles. Quando dizemos que recebemos muito dos jovens não são só palavras. Não continuamos a ser as mesmas depois de passarmos por essas experiências. Vão passando os anos e nós vamos nos enriquecendo com os jovens que vamos encontrando.
Também a presença do papa é um algo que nos dá um novo fôlego, assim como a esperança de ver ainda tantos jovens empenhados.

E esse trabalho com os jovens também é fundamental para a vossa criação artística?
Sim, sim. Há alguns anos questionámo-nos porque é que o Gen Verde nasceu e, na altura, pensámos em fazer uma renovação, pensando de que modo queríamos seguir em frente e quais as pessoas a quem queríamos dirigir o nosso concerto de modo especial. Demo-nos então conta de que os jovens são como que o «termómetro» da sociedade. Se queremos ver como vai a sociedade atual, olhamos para os jovens e neles encontramos os sinais mais importantes.
Recebemos muitos jovens em Loppiano, na Itália, onde temos a nossa sede. Perguntamos-lhes quais as suas preocupações, o que é que não os deixa dormir de noite, quais os seus sonhos maiores, os seus desejos, as coisas que gostariam que os adultos lhes dissessem, para poder ter também elementos para compor. Claro que em cada uma das canções procuramos que sejam experiências verdadeiras, não somente uma possibilidade ou qualquer coisa que poderia acontecer idealmente. Cada uma resulta de uma experiência verdadeira.

Vocês são todas participantes no processo criativo?
Não todas, mas muitas. Temos um grupo de quatro que são as que compõem a música: uma dos Estados Unidos, duas da Coreia e uma do Brasil. São o núcleo de onde parte toda a composição da música. Depois, para a mensagem, envolvemos outras também, consoante a língua. Por exemplo, há uma canção com ritmo latino que foi escrita em espanhol pela Adriana García, do México.

Voltando ainda à JMJ, vocês tiveram um encontro num estabelecimento prisional. Como foi essa experiência?
Era um dos encontros mais importantes porque iríamos encontrar pessoas que não iriam ter possibilidade de participar na JMJ e também pessoas que, na maior parte das vezes, são muito discriminadas. A visita foi a uma prisão feminina e o facto de sermos todas mulheres vimos que para elas também foi muito importante.

Facilitou o relacionamento?
Também. Às vezes falta a autoestima a algumas mulheres, talvez porque acostumadas a viver com a falta de respeito da parte de outras pessoas. Mas, ao estarem com outras mulheres houve como que uma identificação e nessa identificação elas perceberam que têm a sua dignidade.

Ajudaram a passar-lhes esses valores?
Sim, sim. Foi uma experiência muito enriquecedora para nós também. Nos lugares onde mais se sofre – experimentámos isso também nos vários países onde estivemos – são os lugares onde as pessoas são mais sensíveis e colhem realmente com mais profundidade aquilo que nós queremos transmitir.

Disseram que encontraram uma pureza nos jovens portugueses que já não é fácil de encontrar na juventude de outros países. O que é que os jovens portugueses têm de diferente?
A simplicidade no relacionamento, também com as pessoas de outras idades. Vimos isso muito na escola onde estivermos, em relação aos adultos que organizaram o projeto. Um relacionamento simples que, às vezes, em alguns lugares, dá lugar a um distanciamento maior.
E também o facto de serem muito participativos e ativos.

Porque é que não fizeram aqui em Faro esse trabalho com os jovens no âmbito do projeto ‘Start Now’?
Por uma razão muito prática: Faro foi a última cidade que nos pediu para virmos fazer o concerto. Nós já tínhamos um concerto na Itália agendado para uma data muito próxima e não tínhamos mais tempo. É preciso uma semana para estar com os jovens.

Este novo álbum traz uma sonoridade muito eletrónica que noutros não era tão marcada, certamente para ir ao encontro da atual geração de jovens. Como é que o grupo se consegue renovar e adaptar a cada época? Qual é o segredo?
Acho que é o conseguir colocar-se no lugar do outro. Pelo facto de queremos ir ao encontro das pessoas, não podemos compor só aquilo que gostamos, mas temos de fazer aquilo que poderá agradar também às pessoas e, sobretudo, aos jovens. Então, a prioridade é ir ao encontro das pessoas.

Este CD surge na sequência do anterior – ‘On the Other Side’. Como foi esse trabalho?
Foi um percurso. Primeiro começámos por pensar como renovar, ao nível dos arranjos, o tipo de canções que fazíamos. Surgiu então o ‘Music Made to Be Played’ e logo depois veio o ‘On the Other Side’, todo feito a partir de experiências nossas ou de outras pessoas. Nesse trabalho procurámos perguntar o que é que poderia acontecer se eu me colocasse realmente no lugar do outro, procurando ver as coisas não somente do meu ponto de vista, mas também do ponto de vista de quem é diferente de mim. E agora fizemos o ‘From the Inside Outside’.

Há sempre este movimento de ir em busca do outro.
Sim.

Para além desta vertente mais de espetáculo, de palco, têm paralelamente realizado um trabalho mais marcadamente litúrgico? Qual é o objetivo desse trabalho? É aquilo que pudemos ver na eucaristia em São Luís?
Sim. O último trabalho de música litúrgica que fizemos foi ‘Il Mistero Pasquale’ que conseguimos gravar em espanhol e inglês, criando uma canção nova no início. O objetivo é sempre ajudar na oração, ajudar nesse momento de interiorização de viver a liturgia em cada passo.

Para que a música possa ser usada na liturgia?
Sim. E do modo certo também, de modo a que vá acompanhando a liturgia.