A historiadora Andreia Fidalgo destacou no passado dia 22 deste mês a atuação de D. Francisco Gomes de Avelar, bispo do Algarve entre 1789 e 1816, no domínio material e no desenvolvimento das potencialidades económicas da região.

Na conferência que apresentou na Biblioteca Municipal de Faro, no âmbito do ciclo de palestras ‘Investigar, Conhecer e Valorizar’, a oradora sublinhou o reformismo económico e o caráter fisiocrático do antigo bispo da Diocese do Algarve, da Congregação do Oratório (oratorianos), natural da freguesia de São Marcos do Calhandriz, no termo de Alverca, onde nasceu em 1739.

Na sua palestra sob o tema “A terra como sustento: o reformismo fisiocrático de D. Francisco Gomes de Avelar”, a historiadora começou por expor o contexto cultural e intelectual da época. Andreia Fidalgo destacou que “D. Francisco Gomes de Avelar é um homem do Iluminismo, ele próprio influenciado pelo ideário das luzes que marcou o século XVIII”, que tinha como divisa a racionalidade e o apelo às “luzes da razão”, com o qual contacta de forma próxima durante os dois anos em que permanece em Roma (Itália) a convite do cardeal Vincenzo Ranuzzi, ex-núncio apostólico.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A oradora realçou que a dimensão reformista é a caraterística que está sempre associada ao Iluminismo. “Não estamos a falar apenas de algo que fica no plano das ideias, estamos a falar de um movimento intelectual que tem repercussões muito evidentes na sociedade europeia da época”, afirmou.

Andreia Fidalgo acrescentou mesmo a existência de um “Iluminismo católico” a que dão corpo algumas figuras da hierarquia clerical que também promovem reformas com aquele ideário. “Temos o D. Francisco Gomes inserido nesse Iluminismo católico. Há um movimento geral de reforma eclesiástica na Europa durante o século XVIII, no qual se vão reafirmar os dogmas essenciais da Igreja Católica, mas ao mesmo tempo estes vão ser explicados de forma mais racional e de acordo com a terminologia moderna. No fundo, há uma conciliação entre o catolicismo e a cultura das luzes”, afirmou, acrescentando que a Congregação do Oratório ficou “conhecida no século XVIII por ser progressista e por contribuir para a difusão deste ideário das luzes”.

Por outro lado, salientou que a “fisiocracia” – a teoria económica que assenta na ideia de que a riqueza das nações está na sua agricultura – é, “na segunda metade do século XVIII, a principal corrente de pensamento económico” na qual se insere D. Francisco Gomes de Avelar.

Neste âmbito, Andreia Fidalgo destacou a carta pastoral, escrita em 1804, por D. Francisco Gomes sobre a produção do figo que “na altura era o principal produto da agricultura, o sustento económico da região”. “Ela é reveladora da influência não apenas religiosa, mas também política e pública que tinha o D. Francisco”, considerou, acrescentando haver “uma franca decadência nesta atividade comercial, nas saídas de figo pelo porto de Faro, que atingem níveis muito baixos” por altura em que o bispo escreve o documento. “Também os próprios preços diminuem e há uma perda de valorização daquele produto em concreto neste período”, sustentou.

Outro documento que referiu foi a instrução para enxertia dos zambujeiros datada de 1813, com instruções “muito precisas” sobre a forma como a mesma devia ser feita. “Existe um outro documento que não conheço, mas do qual há registos, que era a instrução para o cultivo da batata”, acrescentou.

Andreia Fidalgo referiu-se ainda ao cuidado com as vias de comunicação patente nas instruções que deveriam observar os inspetores na reparação das estradas, na construção de pontes e passadeiras nas ribeiras, explicando que as mesmas são dadas quando D. Francisco Gomes de Avelar acumula, em 1808 e na sequência das invasões francesas no Algarve, as funções de governador interino das armas do Reino do Algarve com as de bispo. “É por causa dele que se vão construir uma série de fortificações ao longo do Guadiana para evitar uma nova invasão das tropas francesas e que se vão desenvolver as vias de comunicação da região à época”, referiu, apresentando alguns dos “desenhos muito concretos sobre como fazer as novas estradas”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A historiadora explicou que “a questão das acessibilidades e da circulação estava intrinsecamente ligada à da produtividade da terra”. “Para quê produzir e aumentar a agricultura e os frutos regionais se depois dificilmente se conseguiam transportar? A preocupação não é apenas militar. Há também o intuito de desenvolvimento económico, de promover o bem-estar da sociedade e uma maior facilidade de circulação da população”, justificou, acrescentando que “a obra que D. Francisco Gomes deixou terá melhorado alguma coisa, mas não o suficiente para que os problemas de acessibilidade ficassem resolvidos” e que “a nível do desenvolvimento económico e agrícola surtiu poucos efeitos”.

A historiadora adiantou ainda que o “intuito reformista” é anterior a D. Francisco Gomes do Avelar, explicando que o seu antecessor, D. José Maria de Melo, foi outro dos agentes das reformas da restauração, não obstante ter sido bispo do Algarve apenas por um ano, entre outubro de 1787 e outubro de 1788. “A associação que se faz deste bispo à restauração é sobretudo no domínio cultural e na reforma do Seminário. É ele que lança as bases para a criação do Seminário e também da biblioteca diocesana. Mesmo neste pouco tempo de atuação conseguiu ter um impacto ainda a nível não apenas do domínio espiritual e cultural, mas também no domínio material”, afirmou.

D. José Maria de Melo, também oratoriano, foi nomeado confessor da rainha e inquisidor-mor e acabou por ser ele a sugerir o D. Francisco Gomes de Avelar para bispo do Algarve. “Acho que o D. José Maria de Melo queria ter aqui alguém que continuasse o seu legado e sabia que sabia que o D. Francisco Gomes de Avelar era a pessoa ideal para o fazer”, afirmou a oradora.