O encontro das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) algarvias da Igreja, que se reuniram ontem no Centro Pastoral de Ferragudo, refletiu da parte da tarde sobre a problemática do abuso sexual sobre menores e pessoas vulneráveis.

O diácono Luís Galante lembrou que “qualquer pessoa pode e deve fazer uma denúncia à autoridade da Igreja, quando tais abusos ocorrem numa instituição eclesial” como as IPSS. “Desde 2019, o Papa Francisco tornou obrigatória essa denúncia para os membros do clero e dos institutos religiosos, exceto se tal denuncia colocar em causa o segredo da confissão”, elucidou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Aquele advogado referiu que a reforma em 2021 do capítulo VI do Código do Direito Canónico passou a incluir um novo parágrafo que prevê penas para quem se omite de comunicar a notícia do crime a que estava obrigado. “Ora os dirigentes e profissionais das IPSS que não sejam clérigos — e a maioria não são — não estão juridicamente abrangidos por esta obrigação canónica de denúncia. Moralmente estamos todos. No entanto, sempre que tenham conhecimento de um caso que possa configurar uma situação de crime, devem comunicar o caso às autoridades competentes, especialmente ao Ministério Público, sem prejuízo de darem também conhecimento ao bispo diocesano”, sustentou.

O jurista explicou ainda que “os funcionários estão obrigados a dar conhecimento às autoridades judiciárias de qualquer crime”. “O funcionário é sempre obrigado a comunicar os crimes de que tomou conhecimento no exercício das suas funções. Seja que crime for”, reforçou, detalhando os diferentes crimes sexuais e as diferenças entre as suas diversas naturezas.

“Recebida a denúncia, o bispo diocesano deve analisada independentemente da forma como dela tomou conhecimento e encaminhá-la para a Comissão Diocesana de Proteção de Menores”, continuou, acrescentando que o Código do Direito Canónico “impõe ao bispo diocesano a denúncia às autoridades” e que os agentes sociais têm essa obrigação pelo Direito Penal Português. “As alegadas vítimas devem ser acolhidas, ouvidas e tratadas com respeito e os seus relatos não devem ser minimizados, mas devidamente avaliados”, prosseguiu, acrescentando que “mesmo as denúncias anónimas não podem ser automaticamente descartadas” e “até mesmo uma denúncia proveniente de fontes, cuja credibilidade possa parecer à primeira vista duvidosa, não deve ser descartada, mas dar lugar a uma investigação”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O notário do Tribunal Interdiocesano de Évora lembrou que “o Dicastério para a Doutrina da Fé recomenda que a autoridade eclesiástica apresente uma denúncia às autoridades civis competentes sempre que o considere indispensável para tutelar a pessoa ofendida ou proteger outros menores do perigo de novos atos”. “Pela ordem jurídica portuguesa não há obrigação de denunciar ao Ministério Público, mas a ordem jurídica canónica impõe ao bispo diocesano ou ao superior maior de uma congregação a obrigação de o fazer”, complementou, aconselhando a fazer participação por escrito para se provar que se cumpriu a obrigação.

O orador realçou que em Direito Canónico, no referente aos abusos de menores, “os casos prescrevem num prazo de 20 anos a contar do 18º aniversário da vítima”, ou seja, até aos 38 anos do menor abusado. “Mas essa prescrição pode ser revogada em casos concretos por decisão do Dicastério da Doutrina da Fé”, complementou.

Por outro lado, realçou que a reforma de 2021 trouxe a modificação do parágrafo que, “para além de continuar a prever a punição de clérigos, bem como dos membros dos institutos religiosos e de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, passou também a contemplar a punição de qualquer fiel que goza de uma dignidade ou exerce um encargo ou uma função na Igreja”. “Ora, os dirigentes das instituições sociais da Igreja exercem um ofício eclesiástico”, constatou.