Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O antigo vice-presidente do Parlamento Europeu, João de Deus Pinheiro, disse ao clero das dioceses do sul do país que, na Europa, “a situação hoje pode ser quase explosiva”.

Na última terça-feira, na formação anual dos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal em Albufeira, o conferencista, que também foi comissário europeu e presidente do Conselho de ministros da União Europeia, lamentou o fim de “50 anos de crescimento económico e de desenvolvimento” europeu desde a Segunda Guerra Mundial, lembrando que a Europa, “no dealbar do século XXI, começou a ver a estagnação a crescer, o aumento do desemprego, dos défices públicos e privados e da dívida”.

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“As novas gerações, de repente, começaram a perceber que a sua qualidade de vida ia ser pior do que a dos seus pais”, acrescentou, considerando que “começam a interrogar-se” sobre os modelos que lhe são apresentados como “alternativas de governação”.

Deus Pinheiro, que apresentou o tema “Os desafios que a Europa e o projeto europeu nos colocam”, defendeu que as sucessivas lideranças depois de Jacques Delors (1985-1995) têm sido “moles”. “Ninguém se lembra do que a União Europeia fez depois de Delors, o que é dramático”, disse à centena de participantes nas jornadas de atualização do clero, reafirmando o que considerou ser a “fraca capacidade das lideranças europeias”.

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“Quem fez esta Europa do progresso, do crescimento económico e da solidez foi a geração do pós-guerra”, prosseguiu, acrescentando que a seguir àquela geração surgiu a dos baby boomers, que lembrou ser a sua. “Nasceram praticamente depois da guerra e viveram sempre depois da guerra. É uma geração que nunca se habituou fazer grandes sacrifícios. É uma geração da afluência, da abundância, da segurança, do lazer. Não tem hábitos de sacrifício, nem de confronto. É uma geração que se fixa muito no curto prazo, às vezes, no curtíssimo prazo”, considerou.

O antigo responsável europeu aludiu então à necessidade de uma nova geração para fazer face ao mundo atual. “Temos hoje desafios de tal maneira grandes que precisamos de uma geração preparada e, sobretudo, disposta a esse combate”, afirmou, lembrando as questões da globalização, do envelhecimento populacional, das alterações climáticas e do aproveitamento energético, do “novo” paradigma das relações internacionais e do Brexit.

O conferencista defendeu ainda um “multiparadigma de formação” como resposta à atual “rapidez de obsolescência”. “Temos de estar preparados para estar sempre a aprender”, sustentou.

João de Deus Pinheiro apelou ao resgate de valores, ao empreendedorismo para a criação de riqueza, à estabilidade para o investimento e à produção de bens transacionáveis no sector secundário e “com valor acrescentado” no sector primário. No âmbito da questão do envelhecimento populacional defendeu o “aumento dos descontos nos salários dos ativos”, o “endividamento público”, uma “menor generosidade nas pensões” e o “aumento da idade da reforma” e lembrou “problema com os custos de saúde”.

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O conferencista admitiu que “os fluxos migratórios de sul e de leste poderiam ser uma forma de equilibrar” a questão demográfica e de ajudar à sustentabilidade da Segurança Social. “A questão da imigração é uma questão séria. É um dos grandes problemas que a Europa tem e não está resolvido”, alertou.

No âmbito do problema das alterações climáticas considerou que “a Europa tem de tentar combater a poluição e ter energia própria”.

Referindo-se ao “novo paradigma das relações internacionais”, disse que as “divergências com os Estados Unidos são inevitáveis e significam que a Europa tem de passar a contar muito mais no futuro consigo própria”. “Isso significa que provavelmente terá de aumentar os gastos com defesa e segurança”, acrescentou, considerando a Rússia “um potencial aliado”.