UMA LONGA VIDA de um Homem multifacetado. Recordo-o pela imprensa farense, no homem, não nos negócios plurais: Construtor, Comércio, etc. Sim, no Homem cultural: o Teatro. Estávamos no ano de 1959, Janeiro. A imprensa citadina, mais “O Algarve”, semanário farense, na direção Arthur Serrão e Silva, dava conta dos acontecimentos culturais da cidade, assim como da sociedade religiosa e política. Tanto quanto o “Correio do Sul”, um semanário de chamada “alta cultura e política do Estado”. Ainda, o semanário “Folha do Domingo”, órgão católico, mas que não deixava de publicar os acontecimentos da Cidade religiosa e cultural. Em 11/01/1959, “O Algarve”, que vem a 4 anos antes da implantação da República, nunca deixou de informar no contexto das políticas e religião do tempo da Cidade/Algarve. Tenho vários registos a partir da minha estadia na cidade, chegado, na adolescência à cidade de Faro. E nessa curiosidade juvenil e de tendência cultural, aceitando esses movimentos de Teatro Amador e de cultura geral. Assim fui nesses caminhos, a partir de 1959, ao TEATRO do Dr. Emílio Coroa, Círculo Cultural do Algarve e ao Teatro dos Amadores de Faro, o TAF, sob direção do Sr. João Pires. Vamos conhecer esses dois movimentos culturais que encheram a cidade da arte. Ano -1959, apresenta-se nos Claustros do Convento, a peça teatral: A CASTRO, do autor quinhentista, do meio século XVI. Homem que se instruiu na Universidade de Coimbra. António Ferreira. Uma “ousadia” cultural para o meio século XX. Foi a minha estreia jornalística, no semanário de Faro, “O Algarve”, 23/08/1959, numa apreciação da “CASTRO”. O médico Emílio Coroa, trouxe a escola teatral de Coimbra, assim como sua Esposa, a Drª Maria Amélia Saraiva Coroa, para a cidade onde se realizaram: Hospital e Liceu. Fui assistindo aos espetáculos pela cidade, pelos pátios. Deu-me alegrias nas homenagens ao Poeta-Médico, Emiliano da Costa, entre outros poetas. Faro regressava aos tempos das artes plurais. Assiste-se, até, ao que parece ser proibido, com o célebre dramaturgo americano, John Steinbeck, em “Ratos e Homens”. Um sarilho: a PIDE, em ação, proíbe, o que a Europa aplaude.
O cidadão de Faro, João Pires, que chegará a Comendador, no início do século XXI, não pela pluralidade das artes, mas das indústrias. Nos seus tempos de 1959 cria o TAF “Teatro Amador de Faro”. Inicia o seu Grupo Teatral em grande “classe”, na Poesia de Fernando Pessoa, que sempre foi uma arte declamante do fundador do TAF. Convida homens da cultura de Faro, como o médico Arnaldo Vilhena, nessa sublimidade recitativa. O TAF, anuncia-se, no Teatro de Santo António, a dramaturgia de António Aleixo, no AUTO DO CURANDEIRO. Estamos no fim de 59 e numa ousadia… O tempo passa. 1960, o TAF anuncia À ESPERA DE GODOT, de Samuel Beckett, no Santo António. Mesmo uma ousadia… numa inesquecível noite de Arte… 1962 – o TAF leva ao Teatro Lethes, de novo, Fernando Pessoa, numa teatralização POÉTICA. Eu deixara a cidade da minha formação plural. E partindo, Europa fora. O “TAF”, também “partiu”. O Homem culto da Poesia e da Dramaturgia viu-se apertado. Ele um Homem de cultura viva.
Fui reencontrando o ilustre cidadão. Gentil, muito educado, num glamour próprio de um homem culto e delicado. Nas minhas publicações efetuadas nos Claustros da Sé-Catedral de Faro, no primeiro: “Faro Romana Árabe e Cristã”, presente, numa conversa culta e prolongada. Foi uma abertura de amizade e admiração por mim. E, assim, foi sendo, sempre presente nas minhas 3 apresentações. Depois foram comunicações telefónicas, foram livros, raros de edições antigas: “O LIRISMO EM BERNARDO DE PASSOS”, em palavras de um elogio: Dr. T. N. com a consideração que me merece e o seu grande empenho em dotar a cidade de FARO com uma bibliografia que recorda aos vindouros nas diferentes etapas da História milenária desta minha cidade de FARO. Ofereço esta antiga e extraordinária e esgotado estudo do grande lírico BERNARDO DE PASSOS” – Assina J.P. – ano 2012. E assim fomos em conversas reservadas, raramente presente, mas muito telefónicas.
João Pires dotado de uma dicção clara e rigorosa, servida pela ampla tessitura da sua voz, senhor de uma peculiar sensibilidade artística, vindo a divulgar, em décadas, a poesia dos nossos Poetas, nessa sua já longa caminhada, na poesia dos nossos Poetas do Algarve, nessa longa e persistente caminhada de recitações. E nesses jovens cultores da música, desde Afonso Dias a Adriano de St. Aubin, num trabalho excelente e de grande exigência. E a voz de João Pires nessa multiplicidade de poetas que J.P. tanto foi amando e divulgando: Raul de Matos- o popular farense – o internacional Filipe Ferrer, João de Deus (o imortal poeta educador), Bernardo de Passos, João Lúcio, António Pereira, Júlio Dantas, Cesário Verde, Emiliano da Costa, Fernando Pessoa, Frederico Garcia Lorca, José Régio, Cesário Verde. Um Homem entre a política, os negócios, a autarquia… Quanta vivência para um Homem só.
Citou-me, numa nota triste, o poema de Bernardo de Passos, o republicano-poeta: No celeiro do avarento / SENTINDO A FOME EM REDOR / COMO TU HÁS DE SORRIR / Ó TRIGO CONSOLADOR / NA BOCA DO NU MENDIGO / – BEIJO DE DEUS – PÃO DE AMOR”
Um Homem no prazer do ouvir: gentil, culto, rico. O Teatro foi uma das suas Paixões. Valeu a pena viver, nessa pluralidade dos conhecimentos.