Foto © Samuel Mendonça

O padre Frederico de Lemos explicou no passado dia 4 deste mês que os livros sapienciais da Bíblia indicam como “viver bem o dia-a-dia na relação com os outros, com Deus e com o mundo”.

Na jornada de formação, promovida pela Diocese do Algarve através do seu Centro de Estudos e Formação de Leigos do Algarve (CEFLA) sobre o tema «O Livro dos Salmos e os Livros Sapienciais», o formador explicou que o grupo destes últimos constitui-se com os volumes de Job, dos Provérbios e de Coélet (ou Eclesiastes), aos quais se juntam os da Sabedoria e de Ben Sirá (ou Eclesiástico), estes dois deuterocanónicos (conhecidos na versão em grego e que só entraram mais tarde no cânone).

Foto © Samuel Mendonça

No encontro que decorreu no Centro Pastoral e Social da Diocese do Algarve, em Ferragudo, o sacerdote destacou também que os livros terão sido escritos do século VIII até ao II ou I a.C., explicando que os mais antigos são algumas partes do livro dos Provérbios e que “há quem diga que o livro mais recente é o da Sabedoria”. Quanto à autoria explicou que 80% deles é atribuída ao rei Salomão, filho de David, e os restantes a outros sábios de Israel.

O formador adiantou que, para além dos livros sapienciais, há também textos sapienciais noutros livros, dando como exemplo Génesis, Tobias, Rute ou Ester, e ressalvou ainda que “a literatura sapiencial ou pelo menos o seu estilo não é exclusivo da literatura bíblica”.

Foto © Samuel Mendonça

O padre Frederico de Lemos deixou claro que os sábios são aqueles que investigam a “sabedoria dos antigos”, que se dedicam ao “estudo das profecias” e que “conhecem bem a lei e a história do povo”. “A sabedoria não é para alguns especiais. É acessível a todos, desde que possam dispor do tempo para investigar, aprender e depois escrever”, complementou, acrescentando que a sabedoria se transmite “de geração em geração”.

O orador sublinhou que duas das caraterísticas da literatura sapiencial são o “alargamento do amor de Deus a todos os povos” e a aplicação da lei (mandamentos) na prática do dia-a-dia, não de modo automatizado, mas olhando ao contexto concreto de cada situação.

Foto © Samuel Mendonça

Neste sentido, alertou que “quanto maior a responsabilidade, maior a necessidade de sabedoria para não aplicar cegamente as normas e as leis”. “A literatura sapiencial talvez devolva muita humanidade à lei que pode ser abstrata e distante”, complementou, considerando que “a literatura sapiencial quase não tem regras”. “Ensina com exemplos e histórias. A sapiência exorta, incentiva, mas não obriga”, sustentou.

Neste contexto advertiu que “os escritos sapienciais são um grande antídoto contra os fundamentalismos”, ajudando na formação educacional. “Uma vez que trata assuntos essenciais da vida humana, a literatura sapiencial ajuda a tornarmo-nos adultos”, afirmou, acrescentando que para além do “temor”, da “liberdade” ou “até da alegria”, “a sabedoria trata de questões como a morte e o sofrimento”.

“Uma questão é diferente de um problema”, distinguiu, citando o filósofo francês Gabriel Marcel, acrescentando que “as questões não têm solução”. “Por isso, os livros sapienciais não vão dar respostas ao problema da morte e do sofrimento”, justificou, evidenciando, no entanto, que “podem ajudar a vivê-los com fé na companhia de Deus”. “Como justificar o sofrimento dos inocentes?”, interrogou, explicando ter sido na tentativa de encontrar resposta para esta questão que surgiu a maior parte dos escritos sapienciais. “A fé sapiente não fecha, não soluciona as questões, mas torna-as acompanhadas por Deus”, reforçou.

Foto © Samuel Mendonça

Realçando que o temor de Deus é um tema repetido, o padre Frederico de Lemos advertiu não se tratar de medo. “Tem a ver com a relação de reverência e de respeito. Sobretudo uma grande consciência de que Deus é Deus, o Infinito, Aquele que não se pode conter, abraçar e nós somos o que somos. Se não tivermos temor nunca poderemos alcançar a sabedoria. O temor de Deus tem origem na sabedoria e a sabedoria é o temor de Deus”, afirmou, acrescentando que “a sabedoria é frágil e vulnerável”. “Nunca a temos segura nas nossas mãos”, alertou.

O orador evidenciou ainda a ausência nos escritos sapienciais de temas (como a Aliança ou êxodo do Egito), de figuras (como Moisés ou David) e da história de Israel com duas “exceções grandes”: o livro de Ben Sirá e o livro da Sabedoria.

O formador explicou ainda que a literatura sapiencial valoriza tanto a forma como o conteúdo do texto, recorrendo a recursos estilísticos como a paranomásia ou os paralelismos. “Por isso, vamos ter muita poesia e alguma literatura sapiencial que não é considerada escrito sapiencial”, explicou, sublinhando que “o estilo do texto sapiencial é mais de aviso e de exortação”.

Neste contexto explicou que os “salmos não são sapienciais”, mas “um tipo de literatura poética, embora muito de estilo sapiencial”. Referindo que o livro dos salmos é uma recolha de 150 textos com origem do século VI ao século II a. C. para serem cantados e acompanhados por instrumento de cordas, destacou que os mesmos têm “diversos contextos, objetivos, linguagens e estilos”. “Há salmos de louvor, de lamento, de queixa, de pesar, de súplica, de ação de graças, didáticos ou sapienciais, de confiança e imprecatórios”, enumerou.

Foto © Samuel Mendonça

“Os salmos são para a oração assim como o aprender a falar é para a nossa vida social”, comparou, considerando ainda assim o livro dos salmos um “livro estranho porque é uma coleção de orações, mas descontextualizadas”.

Por fim, explicou que o livro dos salmos faz alusão ao Pentateuco. “Podemos considerar que é composto por cinco livrinhos correspondentes aos volumes do Pentateuco”, afirmou, acrescentando que aos salmos organizados num esquema de quatro semanas se chama saltério.

A formação contou com 74 participantes de todo o Algarve, 42 alunos do Curso Básico de Teologia e 32 outras pessoas que quiseram estar presentes.