A Caritas Diocesana do Algarve promoveu no último sábado, 20 de Março, as IX Jornadas Diocesanas de Acção Sócio-caritativa sob o tema “Combater a pobreza e a exclusão social – novos caminhos” com a participação de cerca 60 participantes, sensivelmente metade dos que aderiram nos últimos anos à iniciativa.
O presidente da instituição da Igreja católica algarvia promotora da iniciativa, Carlos Oliveira, começou por salientar o objectivo da mesma: “encontrar ideias novas para renovar a acção social da Igreja”.
Novos pobres
O vigário geral da diocese algarvia, padre Firmino Ferro, frisou que existem hoje “novos problemas que têm a ver com a área do desemprego que se deve não só à crise internacional” e que a pobreza atinge actualmente “extractos mais elevados” da sociedade que “batem à porta” da Igreja.
Também Rita Valada Marques, da Caritas Portuguesa, na abordagem ao tema “Caritas – Contributo para Erradicar a Pobreza e a Exclusão”, deixou o testemunho concreto de quem está no terreno, garantindo que têm surgido novos pobres. “Temos um novo grupo que são os empregados de baixos rendimentos a pedir-nos apoio e os últimos dois anos foram particularmente sensíveis”, disse, acrescentando que aqueles que conseguem ultrapassar a situação tornam-se nos “novos voluntários e potenciais beneméritos” da instituição.
Pobreza: Uma questão de democracia relacionada com os direitos
Manuela Silva, ex-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, deixou clara a resposta à pergunta – “Pobreza, apenas uma questão de Justiça Social?” – que serviu de temática à sua intervenção, defendendo que a pobreza, mais do que uma questão de justiça social, é sobretudo uma questão de democracia.
A conferencista, que foi também secretária de Estado do Planeamento, mostrou que a pobreza é de facto uma questão de justiça social nas suas várias vertentes, como “o direito à saúde, à vida e cuidados primários, o direito à educação e qualificação profissional, o direito ao trabalho digno e justamente remunerado, o direito à repartição equitativa dos bens produzidos e do fruto do progresso económico, o direito à justiça, o direito à segurança física e social, o direito à habitação e o direito à participação na vida da comunidade”.
No entanto, e não obstante esta evidência, Manuela Silva defendeu que a pobreza é uma “dimensão incontornável da questão da qualidade da democracia”. “Sociedade democrática, verdadeiramente inclusiva, é a que permite que todos tenham lugar e direitos. Estamos muito longe de ter cultura democrática”, afirmou, referindo-se à “democracia concretizada em todos os sectores”. “Uma coisa é a democracia política, mas a democracia tem de ser económica, social e aí ainda há passos a dar”, justificou, acrescentando que “não temos democracia económica, mas fortes poderes organizados em torno do capital”. Neste sentido, considerou que a democracia pode ficar “em risco” “porque as tensões sociais acumulam-se”. “Temos de dar à democracia um sentido mais amplo”, apelou, considerando a actual crise uma “porta de esperança” que deverá abrir caminho a um “outro modelo de empresa”, que “responda a uma pluralidade de interesses e não apenas aos do capital”. “Não podemos continuar a ter empresas que são unicamente capital. É um poder que se sobrepõe ao poder do Estado”, denunciou.
Medidas personalizadas com políticas centradas nos direitos
Manuela Silva apelou à “responsabilização dos poderes públicos nas suas decisões”, defendendo uma “compreensão alargada da pobreza” para a “definição de políticas e acção social”, “medidas públicas personalizadas que se dirijam às respectivas causas, directas e indirectas”.
Manuela Silva defendeu reformas que levem à diminuição do leque salarial, pois considerou a desigualdade “uma das causas da pobreza”, apesar de reconhecer existir hoje uma “maior consciência” para este campo. A conferencista lamentou que em muitas empresas a consecução de lucros implique “desemprego em alguns sectores e demasiada contenção de salários”.
Defendendo que “devemos caminhar para uma forma de organização da sociedade onde todos tenham vez e voz”, advertiu que as sociedades democráticas “não podem passar ao lado da pobreza sob pena de se negarem a si mesmas”.
Considerando que a “eliminação da pobreza passa por uma acção de proximidade que envolva os próprios pobres” e que “isto não se faz com técnicos sentados atrás da secretária”, defendeu que “os núcleos paroquiais seriam fundamentais” neste trabalho e que “organizações como a Caritas estariam em condições para desempenhar esta missão”.
Também o presidente do Instituto da Segurança Social, o último conferencista do dia, concordou que o combate à pobreza deve ser desenvolvido em torno das políticas públicas centradas nos direitos dos cidadãos.
Edmundo Martinho alertou para a “tentação de entender que a pobreza, nestas situações de crise, se combate com recurso aos velhos métodos”, defendeu que “as políticas públicas não devem estar centradas nos critérios equitativos mas nos direitos”, afirmando que o acesso aos direitos, que devem ser conhecidos por qualquer cidadão, não pode estar limitado pelas condições orçamentais. E advertiu para que se perca o “receio de entender que as políticas sociais devem estar centradas nas famílias”. O conferencista advertiu, a propósito, que é preciso perceber quais são os direitos que compete ao Estado assegurar e os que compete à administração local garantir e que “a literacia propicia melhores acessos aos cuidados e aos direitos”.
Mais adiante, acrescentaria que as medidas públicas, que se dividem em “políticas de carácter universal no acesso de todas as pessoas que reúnam condições para lhe acederem” e em “medidas que têm execução local territorializada, especializadas ao nível dos territórios”, devem ser avaliadas “não apenas mediante o impacto que têm na vida daqueles que delas usufruem, mas na vida da sociedade”.
Por outro lado, apelou a que se deixe de ver a consagração do direito à habitação como um “caminho quase inevitável para a exclusão”. Neste sentido defendeu que é preciso “parar a construção de bairros sociais” para “inovar nesta matéria”. “A habitação é muito mais que a simples utilização de quatro paredes e um telhado”, referiu.
Já no final, Edmundo Martinho considerou que “a distribuição da riqueza é ela própria condição para a criação de riqueza adicional”.
Observatório, definição do critério e do limiar da pobreza
Manuela Silva foi mais longe na sugestão de medidas considerando que a Assembleia da República “já devia ter criado um observatório da pobreza” e que o Governo, que deve “prestar contas da eficácia das medidas que vão sendo tomadas nesta área”, “já deveria ter definido um limiar da pobreza”. Segundo a conferencista, as “organizações da sociedade civil poderiam ter aqui um papel importante”.
No início da sua intervenção lamentou que o critério de pobreza esteja associado a um “conceito monetário” que considera pobres aqueles que vivem com “rendimento inferior a 60% do merediano do país”. Assegurando que 18% dos portugueses vivem nesta situação – uma realidade acima da média europeia que disse rondar os 16% –, considerou “perigoso” este critério “porque não cobre de maneira adequada as situações de pobreza”. “Definir a pobreza só pelo nível de rendimento é deficiente porque nem sempre ao mesmo conceito coincide o mesmo nível de satisfação das necessidades básicas”, concretizou.
Por outro lado, Manuela Silva apontou que “a falta da capacitação pode configurar uma outra situação de pobreza” e garantiu que a “pobreza material não é o único rosto da pobreza”. Lembrou os factores sociais e fenómenos como a “solidão e perda de raízes”, considerando que “estão a surgir novas pobrezas associadas ao desemprego, endividamento excessivo e perda de vínculos de solidariedade de vizinhança”.
Direito à informação
O segundo conferencista do dia começou por defender que “o direito à informação tem de fazer parte da estratégia de combate à exclusão e à pobreza”. Joaquim Franco, jornalista da SIC, que abordou a temática “Acção Social: inovar comunicando ou comunicar inovando?”, alertou que “a informação é cada vez mais uma exclusão complementar à dinâmica do combate à pobreza, ao direito à sociedade de informação”.
Debruçando-se sobre o fenómeno dos media e o destaque dado à acção social, o conferencista deixou claro que é a solidariedade que deve nortear os agentes sócio-caritativos. “Se depois o acontecimento, o nosso trabalho, é mediatizável, é outra história”, sublinhou, realçando no entanto que “o acontecimento, antes de ser mediático, tem de ser acontecimento” e que “nem todo o acontecimento é mediático”.
Neste sentido, lembrou a “força e fraqueza” dos media que nos mostram “o mundo que eles próprios querem mostrar”. Destacando serem simultaneamente “bênção e maldição”, “ecrã e projector”, “feira de vaidades e humilhações”, lembrou que os media “criam heróis e bodes expiatórios”, “promovem a abertura de horizontes”, são “contexto de pluralidade e de solidariedade”. Evidenciando que “vivemos um tempo de messianismo mediático” e da “teledependência”, Joaquim Franco recordou que os media “têm capacidade de promover a celebração planetária”, de “transformar o privado em público” ou de reduzir “o público a insignificante”. “A agenda da realidade do quotidiano é marcada pela realidade vivida pela TV. Os media, particularmente a TV, fazem-nos, determinam comportamentos” afirmou com recurso a um estudo de audiências que o comprovou.
Referindo-se aos “poderes” que “dominam e determinam o processo mediático”, lembrou que “o que prevalece acima de tudo é a emoção”. “A capacidade de gerar emoção é a via rápida para o sucesso mediático” reconheceu, referindo-se a uma “espiral” onde “tudo é legítimo”, mas salvaguardando que, apesar de haver “histórias nos media que nos interpelam”, “estamos sempre muito na dimensão do efémero”.
A terminar, defendeu que valeria a pena “repensar o mundo mediático”.
Optimização da rede Caritas
Rita Valada Marques, – que afirmou que em 2005 o número de crianças em risco de pobreza e de abandono escolar atingia em Portugal, respectivamente, os 27% e os 41% – apelou à “aposta da rede Caritas ao nível da avaliação das situações e da intervenção”. Aquela responsável começou por considerar que “a exclusão social não se esgota nas questões da pobreza e não está tão directamente ligada às questões da economia” e defendeu uma “alteração da postura da Caritas em Portugal” e aludiu à necessidade de a instituição divulgar de forma mais eficaz as suas iniciativas por forma a garantir mais eficazmente a prossecução dos seus objectivos.
Depois de enumerar as diversas campanhas da Caritas em favor dos mais necessitados, lembrou que “a luta contra a pobreza e exclusão social não é uma luta que possamos fazer sozinhos” e manifestou a disponibilidade da Caritas para colaborar numa “tarefa que cabe a todos” e “não apenas aos políticos”.
João Pereira, que acompanhou a dirigente da Caritas, sublinhou o cariz universal da instituição, apelando à assinatura da petição “Acabar com a pobreza já” que está a ser levada a cabo em 44 países com o objectivo de angariar 30 mil assinaturas.
Resistências na erradicação da pobreza
Edmundo Martinho iniciou ainda a sua intervenção sob o tema “Combate à Pobreza e à Exclusão Social” afirmando que “a crise é uma oportunidade mas não vemos nada nesse sentido”. “Nada do que tem vindo a ser feito e afirmado assume a crise como uma oportunidade de renovar e inovar”, lamentou, considerando que “devemos de ter capacidade para encontrar soluções novas”.
O conferencista lamentou que alguns Estados membros se oponham ao objectivo quantificado pela União Europeia de redução da pobreza (que ronda os 80 milhões de pessoas) à escala da Europa e lembrou que o próprio PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) português “tem gerado algumas perplexidades na forma como aborda a questão dos apoios sociais”.
Samuel Mendonça
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