Jornada_pastoral_deficiencia_2017 (8)
Foto © Samuel Mendonça

Natural de Albufeira, Márcia Rodrigues licenciou-se em medicina e, por via da sua especialização em genética médica, trabalha diariamente com pessoas portadoras de deficiência.

De setembro de 2012 a setembro de 2014 esteve a trabalhar com aquelas pessoas como voluntária em missão durante 730 dias em Angola e Moçambique através da associação “Leigos para o Desenvolvimento” (LD), uma ONGD (Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento) católica ligada aos jesuítas.

“A diferença foi sempre algo que me tocou muito e que me motivou também a seguir pelo curso de medicina e depois a optar pela especialidade de genética médica. Sou muito sensível a esta questão da diferença”, explicou no passado domingo nas IV Jornadas da Diocesanas da Pastoral da Pessoa com Deficiência que decorreram na paróquia das Ferreiras, no concelho de Albufeira.

“Gostava de servir, de fazer algo pelas outras pessoas e quando estava a meio da minha espacialidade senti que faltava algo. Sentia-me muito realizada com os meus doentes nas minhas consultas, mas sentia-me incompleta e decidi ir à procura do que me faltava”, contou, explicando que a opção pelo curso de medicina teve muito a ver com este sentimento.

“Conheci então os LD e senti-me tão identificada e tão chamada a um serviço maior, diferente daquele que estava a fazer, que acabei por partir em missão. Enquanto cristã é o amor que me move. Foi por amor a Jesus Cristo e uma grande vontade de o conhecer cada vez mais e de o seguir que decidi voluntariar-me para partir em missão”, explicou.

Márcia Rodrigues (à esquerda) com os restantes membros da comunidade de Benguela

Participou então em dois projetos diferentes em cada um dos anos de missão. No primeiro trabalhou com crianças e jovens da Casa do Gaiato de Benguela (Angola) na pastoral da pessoa com deficiência e no segundo na pastoral universitária com os jovens da Universidade Católica de Moçambique em Cuamba. “Foram duas experiências muito distintas, mas em qualquer uma delas senti sempre que estava ao serviço e a alegria daquelas crianças e daqueles jovens foi também a minha alegria. E mesmo nos momentos de maior dificuldade era no exemplo de Jesus Cristo que eu procurava obter a minha alegria para continuar a dar e a poder transmitir essa alegria aos outros”, testemunhou.

Márcia Rodrigues conta que em Cuamba, uma cidade muito mais pequena do que Benguela, “não havia uma estrutura tão organizada de serviço de apoio social” às pessoas portadoras de deficiência. Segundo a missionária, a paróquia local tentava minimizar essa diferença com a alguma intervenção, embora esta ficasse muito aquém das necessidades. A médica explicou que as necessidades se verificavam sobretudo no apoio médico e no trabalho de reabilitação.

“Esta realidade da pessoa com deficiência numa sociedade com muito menos recursos económicos tocou-me muito”, confessou, acrescentando que também a aceitação da pessoa com deficiência ao nível cultural e social “é algo difícil e que tem de ser muito trabalhado”. Márcia Rodrigues realçou que as “crendices” em que as pessoas acreditam, seja ao nível do espiritismo como das feitiçarias, “perturba e dificulta muito o trabalho dos profissionais de saúde”. “Qualquer doença física, e até mesmo psicológico-mental, é atribuída a essas causas”, lamentou.

Regressada de missão, explica que o regresso ao trabalho não foi fácil. “Ter de retomar o meu trabalho no Hospital D. Estefânia foi assim uma coisa um bocadinho contrastante. Estive dois anos naquele registo tão particular, em fui tão feliz e que senti tanta alegria no serviço, que queria continuar o meu serviço lá em África”, contou.

“Foi novamente com as pessoas que eu já acompanhava e com as que comecei a acompanhar que voltei a encontrar a minha alegria e a sentir-me ao serviço”, prosseguiu.

“O amor e alegria estão intimamente ligados, unidos pela gratidão. Sinto um enorme agradecimento por aquilo que tenho recebido e que me permite exercer a minha profissão, que acabo por entender não tanto como uma profissão, mas como uma missão. E acho que a minha missão não é só o papel clinico, mas também ajudar a perceber que existe um caminho feito com as pessoas com deficiência que é possível. Isso é algo que conseguimos fazer com muito amor e também com a alegria de fazermos este caminho”, complementou.

“Infelizmente ainda nos cruzamos com muitas pessoas que veem a diferença de uma forma negativa”, lamentou, acrescentando que também faz parte da sua missão enquanto médica “fazer com que os doentes e as suas famílias percebam que a diferença não deve ser um obstáculo, mas um fator promotor de um sentido positivo, da inclusão. No fundo é isso que estou agora a fazer também aqui no Algarve”, explicou a médica que no dia 1 deste mês começou a trabalhar no Centro Hospitalar do Algarve.

De regresso ao Algarve, Márcia Rodrigues entrou em contacto com o Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência da diocese algarvia disponibilizando-se para colaborar, tendo passado a integrar a equipa que o compõe.