Na sua conferência no Jubileu das Famílias que a Diocese do Algarve promoveu no último sábado em Faro, o padre Mário de Sousa destacou que Deus é família, lembrando que o ser humano foi “criado à imagem e semelhança de Deus”, que é “comunidade de amor” de três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) “geradora de vida”.
O sacerdote explicou que o ser humano é imagem de Deus enquanto homem e mulher, tendo ambos comum origem e dignidade. “A humanidade é masculina e feminina e só assim é imagem divina”, reforçou, explicando que “Deus é a plenitude do ser e é nessa medida que apenas o homem e a mulher, em comunhão, se tornam imagem sua”.
O orador acrescentou ainda que o ser humano é imagem de Deus também na medida em que se torna também ele comunidade, família. “É no aspeto relacional que o ser humano expressa a semelhança com Deus. Deus não «tem» amor, mas «é» amor; o amor é a natureza e a essência de Deus. Por isso, o ser humano é imagem de Deus na medida em que, ao contrário de todos os outros seres criados, só ele tem capacidade de amar e só quando ama e é amado se realiza como pessoa”, frisou, acrescentando, por isso, que “o Homem é obra do amor, destina-se ao amor e apenas quando ama encontra o sentido mais profundo do seu ser e, consequentemente, da sua existência”.
Lembrando que “a dimensão relacional do ser humano é expressa pela declaração de Deus – «não é bom que o homem esteja só»” –, o padre Mário de Sousa evidenciou que “a solidão é contranatura”. “Para se realizar, o homem precisa de encontrar alguém «semelhante a ele». Os animais são criaturas de Deus e por isso merecedores de todo o respeito, mas o homem não encontrou neles «auxiliar semelhante a ele»”, sustentou, acrescentando que homem e mulher “se completam sendo «uma só carne»”.
Desta forma, o sacerdote destacou que “a unidade natural do homem e da mulher são o fundamento ontológico da família”. “Apenas o ser humano pode ser um «auxiliar» adequado a outro ser humano, porque o único interlocutor capaz de diálogo de igual para igual, o único capaz de fazer entrar a relação da dimensão do amor”, afirmou, acrescentando que “este amor, que bebe do amor divino e é sua imagem, tem uma característica fundamental: a fidelidade”. “Fidelidade, não como algo vivido com resignação, mas como consequência natural do amor, tal como a fidelidade de Deus, apesar da nossa infidelidade, é consequência natural do Seu amor”, esclareceu, considerando que “quando se tem o coração cheio não se anda à procura” e que “o casamento monogâmico é, por isso, também ele «imagem e semelhança» da fidelidade de Deus”.
O orador adiantou ainda que “a dimensão comunitária/familiar não se refere apenas à relação horizontal de homem/mulher, mas implica a dimensão vertical pais/filhos”. “Um amor que se se fechasse em si mesmo, entre marido e mulher, e não transbordasse, seria um amor condenado a afogar-se e a tornar-se egoísmo”, advertiu, considerando que “o amor, por natureza, tem sempre de transbordar, de sair de si próprio para ir ao encontro”.
O padre Mário de Sousa disse ainda que “a bênção de Deus é para que o amor se torne de tal forma fecundo, que se torne participante do próprio amor de Deus que é «fonte de vida”». “Os filhos são o sinal mais evidente e visível dessa união de tal forma profunda que já não são dois mas uma só carne. Um filho, até biologicamente, já não é nem um nem outro, mas o resultado do amor dos dois. Tal como o amor de Deus transbordou e criou o ser humano, também o amor do homem e da mulher transborda e torna-se participante no ato criador de Deus”, frisou, considerando que “os filhos nascem de um ato de generosidade dos pais, que é o mais belo sinal humano da generosidade de Deus”.
“Também nesta dimensão o ser humano foi criado «à imagem e semelhança de Deus» na medida em que se torna transmissor da dádiva da vida, duma vida que não é apenas biológica, mas que traz consigo um projeto: corresponder ao primeiro ato criador, do qual todos os outros dependem, ou seja, corresponder ao desígnio de Deus sobre o ser humano e sobre a totalidade da criação”, prosseguiu, advertindo que “ao contrário de Deus que é Senhor do ser humano”, “os pais não são senhores dos filhos”, nem os filhos “propriedade dos pais”. “Todos têm um único Senhor: a origem exclusiva da vida que é Deus. Por isso, a ordem de Deus «crescei e multiplicai-vos» surge como consequência da sua bênção. A vida é dom de Deus e pertença sua”, clarificou.
Em sequência disto, evidenciou que “quando se torna adulto o «homem deixa pai e mãe para se unir à sua esposa», fundando uma nova família”. “Não se trata de abandonar os pais, mas de alargar a comunidade familiar, dando continuidade ao dinamismo do amor, que nunca estagna, mas transborda sempre, porque é sempre «fonte de vida»”, justificou, lembrando que “a verdadeira fonte da vida é Deus” e que “a família é canal desse rio da vida que brota incessantemente da intimidade de Deus- Trindade, comunidade de pessoas”. “Por isso é a referência e a presença de Deus que garante a união no amor: Ele, que separou o ser humano em masculino e feminino, é o único que os pode de novo juntar, ou seja, transformar o que divide na unidade de um só projeto de vida”, completou.
O conferencista considerou ainda que “a misericórdia é a consequência natural do amor” e que, por isso, “quem ama não descarta”. “Deus não desiste de reconstruir aquilo que o pecado estragou. Em Deus, a misericórdia vence a justiça”, afirmou, considerando que “a justiça pode ser fonte de vida, mas também de condenação e morte”, enquanto “a misericórdia é sempre fonte de vida”. “Em Deus há algo que enquadra a justiça e que lhe dá um sentido novo que é a misericórdia”, complementou, explicando que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, capaz de amar o outro apesar das suas misérias.
O padre Mário de Sousa disse ainda que “em Jesus, a família encontra uma nova moldura e fundamento: o amor de Deus revelado na vida e na cruz do Senhor”. “O matrimónio e a família assumem em Jesus uma dimensão transcendente, pois agora não se trata de uma família constituída meramente por critérios naturais, mas de uma comunidade de discípulos, e isto redimensiona não só as relações interpessoais como a própria natureza da comunidade familiar”, afirmou, considerando que “os esposos, os pais, os filhos, os avós estabelecem uma relação que encontra a sua verdadeira fonte não nos sentimentos apenas, mas na profunda ligação a Cristo estabelecida desde o dia do batismo”. “Como comunidade de discípulos, a família é convidada a amar-se ao jeito e à maneira de Jesus. O que Jesus diz em relação a todos os discípulos aplica-se de forma particular aos discípulos que vivem em matrimónio. Por isso, para Paulo, a família cristã encontra o seu modelo na relação Cristo-Igreja”, completou.
Deste modo, o orador destacou que “a família cristã é a concretização primeira e mais evidente da Igreja”. “Por isso, ela é resultado de um sacramento (o do amor de Deus) mas torna-se ela própria sacramento do amor de Cristo, que se dá apenas e só por amor. Por isso, os documentos da Igreja chamam-lhe «Igreja doméstica»”, disse, acrescentando também que “a comunidade cristã surge assim como a experiência visível de uma nova família, cuja relação não é já biológica, mas sobrenatural, pela ligação de todos, pelo batismo, a Jesus e, por Jesus, ao Pai”. “Pelo batismo a nossa realidade ontológica redimensiona-se na eternidade. A comunidade tem precedência sobre a família, na medida em que não se trata de uma família que se torna cristã, mas de cristãos que se tornam família. A família aparece assim como uma concretização da família mais alargada dos filhos de Deus”, afirmou.
Conferência do padre Mário de Sousa