No âmbito de uma palestra sobre o binómio Educação/Família, promovida no contexto da Semana da Família que aquele estabelecimento de ensino celebra até ao dia 25 deste mês, a oradora referiu-se ao tema "A Família no Nosso Tempo – Ser ou Ter Família" sob o ponto de vista do Direito.
Beatriz Borges começou por constatar a transformação familiar ocorrida “com a implementação do Estado Social, a entrada na União Europeia, o princípio da igualdade entre os cônjuges e os avanços da ciência” e evidenciou que a atual geração “busca apoio todos os dias”, não na Igreja, como acontecia no anterior modelo familiar, mas na “psiquiatria, psicologia e psicanálise”.
A juíza observou que atualmente existem “várias formas de viver a família” que incluem as famílias “recombinadas ou pluriparentais, monoparentais, adotivas, ‘living together part’ (de casados que vivem em casas distintas e que se juntam pontualmente), homossexuais com filhos adotados, afetivas, as famílias resultado da procriação medicamente assistida destinadas à criação de um embrião humano sem intervenção de ato sexual, as famílias com recurso aos processos heterólogos da procriação com gâmeta de terceiro, as famílias fruto de maternidade de substituição (com recurso a gestação por terceira pessoa) e as famílias fruto de procriação assistida post mortem”.
Referindo-se ao exercício do Direito face a esta transformação, e reconhecendo a incapacidade do mesmo em acompanhar estas mudanças, a oradora constatou que “são estas realidades com que a escola, o tribunal e os próprios pais se deparam”.
Beatriz Borges defendeu que ambas as instituições devem lidar com a “estrutura complexa das atuais famílias” e com a “desagregação parental” com “flexibilidade”, “nunca esquecendo a forma como estas experiências são vistas e sentidas pela criança” e atendendo sempre ao seu “superior interesse”. “No processo de desagregação é essencial que a criança participe e seja ouvida”, afirmou, acrescentando que, “para que a escola, os pais e a família possam melhor compreender e responder às situações de conflito, é necessário, não só conhecer o quadro legal em vigor quanto ao exercício das responsabilidades parentais, como ainda refletir sobre algumas das razões que poderão conduzir a esta falta de capacidade de diálogo”.
Referindo-se aos deveres dos pais, a juíza lembrou que “a lei estabelece que as crianças têm o direito a conviver com ambos os pais e que esse princípio, só muito excecionalmente, poderá ser afastado”. Por isso, “em caso de separação, os progenitores têm não só o dever de não denegrir a imagem um do outro como o dever de fomentar os contactos do outro progenitor com a criança”, salientou, acrescentando que “o exercício das responsabilidades parentais deve ser decidido no único interesse do filho e não tendo em conta considerações que se prendam com as posições dos progenitores no processo de divórcio”.
No entanto, a juíza lamentou que as situações em que isto não acontece “vão sendo cada vez mais frequentes”, aludindo à problemática do adulto infantilizado em que “a imaturidade dos pais apresenta repercussões na capacidade de contenção dos filhos, quer ao nível do consumo de bens supérfluos, quer no cumprimento de regras básicas de saúde, educação e convivência que se espelha em aspetos tão básicos como a falta de pontualidade e assiduidade na escola”. “Assistimos a uma regressão do estado adulto em que os pais se comportam como adolescentes ao invés de se apresentarem como um modelo para as crianças e em que desculpabilizam os comportamentos desadequados dos filhos imputando a terceiros (incluindo a escola) a falta de educação dos seus descendentes”, criticou.
A oradora lamentou que as decisões parentais percam “autonomia” face à “pressão do consumismo”, lembrou que “a autoridade parental não pode ser transmitida pela escola ou pelo juiz” e defendeu que o “instrumento para combater este consumismo é a família com maturidade”.
Sobre o papel da escola defendeu que, em colaboração com o tribunal, deverão servir de “locais para se efetuar as entregas e recolhas das crianças com vista a evitar que os pais conflituosos se cruzem e se agridam em frente aos filhos”. “Em casos extremos de conflituosidade a escola pode mostrar à criança que está presente para lhe prestar o apoio no sentido de continuar a conviver com ambos os pais”, disse.
Samuel Mendonça