Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A Santa Casa da Misericórdia de Albufeira está a celebrar 520 anos e assinalou a efeméride no passado dia 31 de maio com um conjunto de atividades naquela cidade, sob o mote “520 anos ao serviço da comunidade”.

Depois da eucaristia, presidida na igreja matriz pelo bispo do Algarve D. Manuel Quintas, teve lugar no auditório municipal uma tarde de reflexão, sob o tema “(Des)Construindo o papel das Misericórdias: desconstruir mitos para construir o futuro”, iniciada com uma conferência proferida por Fernando Cardoso Ferreira, em representação da União das Misericórdias Portuguesas.

Na intervenção, sob o tema “O papel das Misericórdias: Ontem, Hoje e Amanhã”, o orador aludiu à história da relação entre aquelas instituições e a Igreja, determinada também por via das concordatas assinadas entre o Estado português e a Santa Sé.

Cardoso Ferreira considerou que o diferendo de 2011 entre aquelas instituições e a Conferência Episcopal Portuguesa teve origem na divergência da classificação das Misericórdias como associações públicas de fiéis ou associações privadas de fiéis.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Aquele responsável centrou-se na relação das Misericórdias com o Estado, considerando que a questão principal é definir se aquela deve assentar na supletividade ou na complementaridade. “Nós, Misericórdias, temos andado um bocadinho ao sabor do choque entre estas duas correntes de pensamento que sempre existiram, mas que agora estão mais próximas dos cidadãos”, afirmou.

Em referência ao “problema complicado” do financiamento, Cardoso Ferreira considerou que “as Misericórdias têm estado debaixo de fogo” por causa da questão das comparticipações. “Estamos neste momento numa fase muito dura de negociação e confesso que as Misericórdias estão muito insatisfeitas porque há muito estão no limite da sua sustentabilidade”, observou, lembrando que, por exemplo no âmbito dos cuidados continuados integrados, os valores “estão fixados há 10 anos sem que haja alterações”.

O representante da União das Misericórdias Portuguesas reivindicou ainda a urgência da atualização por uma questão de justiça salarial. “Este trabalho é uma coisa pesada, psicologicamente difícil, que deixa algumas sequelas e nós não podemos continuar a pagar o que pagamos”, afirmou, considerando que a “necessidade de remunerar melhor” os trabalhadores “é um fator de sustentabilidade da própria Misericórdia”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Cardoso Ferreira lembrou, a propósito, que as cerca de 400 misericórdias portuguesas “têm um número de trabalhadores muito significativo, com estabilidade nos postos de trabalho e são um fator de coesão do ponto de vista territorial em relação às comunidades mais pequenas”. “Há muitos sítios espalhados pelo país, municípios, por exemplo, com 5.000 habitantes, em que a Misericórdia é o maior empregador e a Câmara é o segundo e, noutros casos, é ao contrário”, sustentou, lembrando que aquelas instituições são ainda “fator de dinamização também das atividades económicas locais”, uma vez que “contribuem significativamente para a economia e desenvolvimento da sociedade”.

O orador defendeu que o diferendo das comparticipações se trata de “um problema de enquadramento legislativo”. “O enquadramento hoje continua a ser quase o de há 40 anos. O que temos de exigir do poder político é que dê a volta a isto”, acrescentou, criticando “visitas de acompanhamento que parecem verdadeiras inspeções” e “inspeções que, às vezes, vão mais longe do que deviam ir”.

Procurando identificar os problemas com que as Misericórdias se confrontam em relação ao futuro, Cardoso Ferreira lembrou o “aumento do número de idosos” que conduz a “novas necessidades das pessoas”. “É preciso modernizar e adequar as respostas das Misericórdias”, advertiu, lembrando as “doenças do foro neurológico” que obrigam a “lares mais próximos de enfermarias e da área da saúde do que propriamente da área assistencial”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A tarde prosseguiu com uma mesa redonda, sob o tema “Sustentabilidade e inovação: um compromisso de futuro”, participada por pelo provedor da Misericórdia de Penalva do Castelo, Michael de Pina Batista, pela professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Helena de Freitas, pelo ex-secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, José Simões de Almeida, e pelo presidente da AMAL, Jorge Botelho.

No encerramento da sessão de aniversário, a diretora do Centro Distrital de Faro da Segurança Social considerou que a “resposta inovadora” para a questão das demências pode ser dada pelas Misericórdias. Margarida Flores desafiou-as a pensarem num “lar de idosos” só para pessoas com aquela problemática, lembrando que “está para sair um novo PARES [Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais] com duas linhas de financiamento, não só de ampliação em novos equipamentos sociais, mas também uma linha de financiamento próprio para adaptação dos equipamentos sociais”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Em resposta às críticas da severidade na aplicação de coimas, aquela responsável pediu apoio para a alteração legislativa. “Se os senhores não querem a cooperação a aplicar coimas, ajudem-me a mudar a lei. Os senhores têm muito mais peso do que qualquer diretor de Centro Distrital”, apelou.

A diretora regional explicou ainda que as 20 Misericórdias algarvias que têm respostas sociais, empregam 2691 trabalhadores e adiantou que o peso daquelas no total de instituições na região com aquele tipo de valências é de 24%. Em termos de utentes, Margarida Flores garantiu que 25% dos beneficiários das IPSS algarvias são das Misericórdias e que 28% dos utentes algarvios abrangidos pelos acordos de cooperação pertencem àquelas instituições, a quem a Segurança Social paga anualmente 16,8 milhões de euros.

O presidente da Câmara de Albufeira, José Carlos Rolo, concordou que as parcerias devam ser “não apenas teóricas, mas práticas”.

O programa comemorativo foi encerrado com um cocktail no Centro Infantil Quinta dos Pardais.