O antigo ministro da Solidariedade, Trabalho e da Segurança Social defendeu nas XIX Jornadas de Ação Sociocaritativa da Diocese do Algarve a construção de um Estado Social de parceria.

Pedro Mota Soares considerou que isso só será possível se o Estado acrescentar à dimensão social a da caridade. “A caridade não é oposta aos direitos sociais”, defendeu, considerando que estes “são absolutamente fundamentais” por permitirem a “defesa da própria dignidade da pessoa humana”, mas “mesmo quando funcionam bem” são atribuídos por via de uma dimensão social sempre assegurada “de forma institucional, burocrática e, muitas vezes, insensível, sem dimensão humana”.

“O que verdadeiramente a caridade acrescenta é humanidade. Sem caridade nunca conseguiremos ter verdadeiramente sociedades coesas, equilíbrio e justiça social”, alertou o orador.

“No setor privado quando as pessoas se juntam para fazer uma empresa o que procuram é o lucro. No setor social não é isso que se procura. Quando as pessoas se juntam no setor social, juntam-se para satisfazer uma necessidade social, dar resposta a uma necessidade da comunidade e essa resposta é sempre mais próxima, mais humana, com muito mais caridade e amor do que quando é gerada centralmente pelo Estado ou até mesmo por uma autarquia local”, considerou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Acrescentando que “o Estado tem de olhar para as instituições sociais como parceiras, subi-las ao seu nível e não as tratar como se fosse a tutela ou o patrão”, o conferencista denunciou que “o Estado continua a olhar para o setor social como uma coisa acessória e, às vezes, até subsidiária”. “Choca-me e impressiona-me muito que o Estado, ao contrário de puxar para cima, dar dimensão e liberdade a este setor, pelo contrário esteja cada vez mais a cercar este mesmo setor”, prosseguiu, considerando que essa ação é exercida “muitas vezes com regras, burocracias, com um conjunto de regulamentações que verdadeiramente desfocam hoje o que deve ser a obra de uma instituição social”.

Mota Soares defendeu ainda no encontro do passado sábado, que refletiu no Centro Pastoral e Social em Ferragudo sobre o tema “Caridade, a fé em movimento”, que quem consegue organizar esta caridade como uma “ação com compromisso” são instituições como as misericórdias e as IPSS, os centros sociais, a Cáritas e as mutualidades.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O orador disse que as instituições “gastam muito dinheiro e recursos humanos a fazer relatórios e um conjunto de burocracia para a Segurança Social, desfocando do que verdadeiramente devia fazer: um trabalho social que preferencialmente é para aqueles que são os mais pobres e excluídos da sociedade portuguesa”.

Em declarações ao Folha do Domingo, o ex-governante defendeu que a resposta social “é muito mais humana, mais digna e mais próxima quando é prestada por instituições sociais” do que quando é prestada pelo próprio Estado.

Mota Soares defendeu o alargamento da parceria por contratualização das instituições sociais. “Temos felizmente em Portugal belíssimos exemplos de contratualização que funcionam em creche, lares ou apoios domiciliários”, justificou, acrescentando também a necessidade da atualização dos acordos de cooperação porque “tem de haver condições para isso”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Estamos já no mês de março e ainda não se sabe qual vai ser o aumento do acordo de comparticipação, mas as instituições sociais já sabem quanto é que têm que pagar a mais por causa da inflação e, nomeadamente, por causa do aumento do salário mínimo”, afirmou. Garantindo não estar em causa a “justiça de aumentar o salário mínimo”, considerou não ser possível fazer aumentos “que representam nas instituições sociais custos superiores a 6, 7 ou 8% e ao mesmo tempo não aumentar os acordos de comparticipação”.

Mota Soares lamentou que nos últimos quatro anos aqueles apoios não tenham acompanhado o aumento dos custos e considerou que “hoje há muitas instituições que estão a sofrer mais do que sofriam há 6 ou 7 anos”. “Isso preocupa-me porque diminui muito a capacidade de resposta das próprias instituições num tempo em que, felizmente, já não estamos a viver a crise que vivemos no passado”, prosseguiu.