O conferencista, que abordou o tema “Comportamentos Desajustados em Sala de Aula” e rejeitou que estes tenham apenas lugar naquele contexto, acrescentou ainda que “50% dos miúdos com défices de atenção têm défices do controlo motor, são desajeitados”. “A isto junta-se o défice da perceção. Quando os défices de atenção, controlo motor e perceção estão juntos é um bocadinho tóxico”, alertou, considerando que a “história da hiperatividade é, provavelmente, uma história mal contada”. “Não penso que haja mais hiperatividade agora”, defendeu, sublinhando que “não há hiperativo” porque, “no mesmo dia, o miúdo é hiperativo e hipoativo, alterna entre uma coisa e outra”.

Pedro Cabral, que exerce atividade na Unidade de Neurologia Pediátrica do Hospital de São Francisco Xavier, é diretor do Departamento de Neurociências no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental e diretor clínico do CADIn – Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, explicou que as crianças com estes comportamentos são “impulsivas, não têm medo, põem-se em risco com facilidade, são capazes de comportamentos desafiantes e de oposição e não conseguem integrar-se no grupo das restantes crianças” porque têm “dificuldade em compreender o mundo dos outros”. Neste sentido, alertou que “as vítimas de bullying são autores de mais bullying” posteriormente.

O orador alertou que este tipo de alunos é “penalizado na sala de aula, no recreio, no grupo” e até em contexto familiar. “Sendo inteligentes, são do tipo «Maria vai com as outras» e têm tudo para lhes calhar a «sorte grande» de um grupo que os recebe de braços abertos: o da «malta da passa»”, alertou, explicando que, muitas vezes, iniciam experiências novas, “não propriamente substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, mas álcool ou tabaco”.

O orador, que se referiu a “perturbações específicas” e não globais, porque “afetam apenas uma área do desenvolvimento ao nível da linguagem, atenção, leitura, escrita, cálculo ou controlo motor”, explicou que estas “perturbações do desenvolvimento não são imaturidades”. “Achar que a perturbação do comportamento é intencional é uma patetice completa”, criticou, lembrando que “o desequilíbrio dos neurotransmissores é uma coisa genética”. “[Estas perturbações] são coisas que vieram para ficar e que vamos vendo persistirem na idade adulta, embora de uma forma mais matizada”, sustentou, garantindo existir “uma relação com a idade de aparecimento”. “Quanto mais precoces elas se manifestam, mais graves elas são”, complementou.

Perante uma assembleia de mais de uma centena de professores do ensino básico e secundário, técnicos de educação especial, educadores de infância, pais e encarregados de educação, psicólogos, terapeutas, estudantes e pessoal não docente, Pedro Cabral disse que “se uma criança só se porta mal na aula, a causa mais provável é a de que ele está habituado em casa a «mandar vir»”. Neste sentido, lamentou que hoje as crianças tenham tudo e não estejam habituados a lutar pelas coisas, criticando o “disparate de oferta de estímulos completamente desadequado”. “As crianças estão habituadas hoje, desde muito cedo, a verem écrans e os pais põem-nos diante deles para estarem sossegados e isto não os ajuda nada. Os écrans deviam ser proibidos lá em casa, pelo menos dois dias por semana, porque sabemos que isto faz mal”, afirmou.

O conferencista explicou ainda que “o comportamento de oposição e de conduta são diferentes”, o segundo “muito mais raro” do que o primeiro. “O comportamento de oposição é o de alguém que está completamente indignado e espantado com o que lhe impõem os adultos que não fazem parte da agenda dele. O comportamento de conduta é cheio de intensão, o de alguém que escolhe objetivos e vítimas”, complementou, acrescentando que o comportamento de oposição não dá origem a delinquentes, mas a “adultos deprimidos”, enquanto uma pessoa com comportamento de conduta “mais tarde será um caso de polícia”.

Pedro Cabral defendeu que os miúdos com défice de atenção são desatentos porque “dormem menos bem e o sono é menos reparador por eles”. “Estão menos bem acordados durante o dia e, por isso, precisam de dormir mais. A pessoa que se mexe muito está mal acordada”, justificou.

O neurologista defendeu que o “aluno com problemas de desenvolvimento tem de ser enquadrado, integrado e circunscrito para não pervadir tudo o resto”. “Deve ser identificado e ter as suas intervenções monitorizadas”, acrescentou, aconselhando à “criação de regras para os miúdos terem hábitos”. Pedro Cabral apelou ao alargamento do “limiar de tolerância” com estas crianças e aconselhou à prática de desporto intercalada com outras aprendizagens. “O desporto bom é aquele em que se se distrai, perde”, concretizou, lembrando que “um miúdo que é ralhado 10 vezes, têm de ser elogiado 15”.

Samuel Mendonça